Podemos consumir a energia que queremos, mesmo que a possamos pagar? Não." O alerta é do ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, e foi feito na Grande Conferência Água&Energia. O encontrou trouxe ao auditório do Museu do Oriente especialistas dos setores da água, da energia e da construção para falar sobre o nexo água-energia. O debate centrou-se precisamente neste binómio inseparável, e tantas vezes pouco percebido, e na importância da informação para que o cidadão comum entenda o que parece simples: é urgente gerir melhor os recursos de que dispomos, sobretudo os da água e da energia. A necessidade de uma literacia energética justificou o lançamento do Cinergia - Centro de Informação para a Energia, apresentado durante a conferência pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba, e explicado ao pormenor por Miguel Sales Dias, administrador da ADENE - Agência para a Energia.. Literacia energética. Os portugueses reconhecem a importância da gestão deste recurso energético: 80% das pessoas têm consciência de que não podem consumir toda a água que desejam, aponta um estudo recente da Águas de Portugal sobre "Atitudes e comportamentos dos portugueses face à água". O ministro do Ambiente focou, neste contexto, a economia circular - um dos temas abordados durante a conferência -, que significa "usarmos cada vez mais recursos com eficácia energética para reduzir ao mínimo os desperdícios". É neste ponto que a educação se torna fundamental..João Pedro Matos Fernandes recordou as metas de eficiência energética que Portugal se impôs: até 2030 será de 35% - é mais exigente do que a meta estipulada pela União Europeia (33%). Em 2040 todos os edifícios comerciais serão 100% descarbonizados - só usarão energia elétrica - e em 2050 essa meta será aplicada a todos os edifícios residenciais. Em pouco mais de três décadas tudo vai mudar: as cidades serão transformadas com objetivo de dependermos unicamente de fontes de energia renováveis.."O objetivo para 2030 é que 45% da nossa energia tenha origem em fontes renováveis", reforçou o secretário de Estado da Energia, João Galamba, que revelou os números de 2018: "Trinta por cento da produção elétrica é gerada através de energia hídrica, que ainda representa 50% de toda a produção de eletricidade renovável. Somos conhecidos pelo país das eólicas, mas não das hídricas e mini-hídricas."."Numa era em que tanto se fala do desafio do armazenamento das energias renováveis, as barragens reversíveis representam a única forma de o fazer no nosso país", acrescentou João Galamba. Aqui entra na equação um fator que não controlamos: a variação da pluviosidade. Depois da seca extrema que o país viveu em 2017 - e que se prevê que venha a acontecer com mais frequência e gravidade nos próximos anos -, o armazenamento de energias é crucial..O último relatório do painel intergovernamental para as alterações climáticas salienta que o mundo terá de fazer alterações sem precedentes para atingir o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 graus acima da era pré-industrial. E a solução está no armazenamento de energias renováveis - este é o caminho para libertar o país da dependência de combustíveis fósseis. "Três quartos da energia que consumimos ainda são importados", disse João Galamba, que reforçou a urgência de uma "estratégia clara e políticas de qualidade, além de cidadãos mobilizados para este desafio. Sem eles nada é possível fazer", frisou..Água e energia, binómio essencial.A última frase abriu o debate moderado pela diretora executiva do Diário de Notícias, Catarina Carvalho. Para mobilizar as pessoas é necessário que saibam a relação entre água e energia, o que não acontece, como demonstrou um estudo da Deco. Isabel Oliveira, coordenadora de estudos técnicos da Deco Proteste, revelou parte desse inquérito. "A água é o bem pelo qual menos pessoas estão dispostas a abdicar, mas 40% não sabem que existe uma relação entre água e energia", disse. "Há um potencial de poupança que não está a ser aproveitado, a certificação energética dos edifícios é algo que ainda não pesa nas escolhas dos consumidores", revelou Isabel Oliveira..Para João Mendes, administrador da Águas de Portugal (AdP), "as pessoas valorizam mas não dão valor ao bem água". O estudo da AdP após a seca de 2017 demonstrou que "as pessoas não estão disponíveis para pagar mais pela água que consomem", mas "é inevitável que se vá pagar mais por este bem no futuro"..Importante é saber que é possível poupar os recursos "e manter o conforto". Há várias soluções a serem testadas e pensadas, como apontou Nuno Lacasta, presidente do Conselho Diretivo da APA - Agência Portuguesa do Ambiente. "A ideia de criar fábricas de água - que no fundo é dar um outro nome às ETAR -, para que essas águas possam ser usadas para jardinagem e limpeza do espaço público, é um exemplo" de gestão mais eficiente dos recursos. O mesmo irá acontecer com os edifícios, que se querem "mais eficientes do ponto de vista energético". As soluções no mercado já existem, como aliás confirmou na conferência Vítor Ferreira, o presidente do Cluster Habitat Sustentável. Um exemplo: "É possível poupar 75% da água da chuva em edifícios com coberturas ajardinadas. Há formas de reter a água e de a reutilizar." Autoclismos de dupla descarga, que foram inventados em Portugal, e outras fórmulas de reutilização são também essenciais..A pergunta que fica no ar é se a tecnologia vai resolver tudo. Luís Seca, administrador do INESC - TEC, acredita que sim. Mas que apesar disso, e de já existirem soluções tecnológicas, o problema vai continuar a ser comportamental. Só que as pessoas "estão dispostas a gerir melhor o recurso água em prol do futuro e da sustentabilidade do planeta", sublinhou João Bernardo, diretor-geral da Direção-Geral de Energia e Geologia. Afinal, "os consumidores são o ponto de partida e de chegada e é através deles que a mudança pode acontecer", rematou Nuno Lacasta..É preciso saber comunicar o valor da água.No futuro mais próximo, as cidades irão ser mais eficientes do ponto de vista energético. Sobre o caminho para lá chegar falou Maria João Coelho, vice-presidente da ADENE - Agência para a Energia, que apresentou um painel com soluções para a promoção da eficiência hídrica nos edifícios. A responsável frisou a importância da mudança na relação que as pessoas têm com o recurso água, uma vez que "o valorizam mas não refletem essa valorização em gestos diários", e de como é importante introduzir o conceito de "água renovável". O grupo de trabalho recolheu informação e percebeu que o desperdício é grande, mas que resulta essencialmente da falta de informação. "É preciso saber comunicar o valor da água, alertou Maria João Coelho, que define o processo como "um puzzle incompleto". "Há algumas peças deste puzzle que fomos identificando, mas há muitos por descobrir. Focamos este nexo água-energia, mas também existe a perspetiva da economia circular", disse. As regras estão definidas, os novos edifícios terão baixos consumos de energia e vão utilizar energias renováveis..CINERGIA, o site que explica como funciona a energia do meu país.Antes mesmo de Miguel Sales Dias, administrador da ADENE, apresentar o CINERGIA - Centro de Informação para a Energia, o palco da Grande Conferência Água&Energia foi "invadido" por Giga, um pequeno robô que á mascote do site e que irá responder online às perguntas de alunos, professores e famílias. É este o público alvo do Cinergia. "O site explica como funciona a energia no meu país, em minha casa e a energia em mobilidade. Mostra ainda o ciclo da energia, que fontes de produção de energia existem, o ciclo do gás, etc.", descreveu o responsável. O CINERGIA tem ainda quizzes onde é possível testar os conhecimentos sobre esta temática. A ideia é que o quotidiano seja uma aprendizagem constante sobre gestão de recursos e é por isso que o CINERGIA inclui um simulador de mobilidade elétrica ou permite planear viagens calculando a pegada de carbono que deixamos. Há ainda o mapa energético por distrito e também por freguesias, rua e bairro, "uma informação que era pública mas não estava acessível e num só sítio", explicou Miguel Sales Dias.