Agnès varda filma o prazer de encontrar pessoas

Em conversa com o DN, Agnès Varda antecipa Olhares Lugares (estreia-se na próxima quinta-feira), documentário candidato ao Óscar, feito com o artista plástico JR. Um encontro com uma mulher que acredita nas pessoas
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Na agitação das mil e uma entrevistas que tem para dar nos Encontros Unifrance (iniciativa anual, em Paris, financiada pelo governo francês para a promoção do seu cinema), há uma candura em madame Varda que a distingue dos demais. A senhora é o único talento presente que olha bem para dentro dos olhos do entrevistador, que quer saber mais sobre ele. Paira no seu olhar uma ternura do alto dos seus 89 anos (faz 90 em maio). Quando percebe que está com um português, insiste nos elogios ao Porto: "Fique a saber que adoro essa cidade. Não tenho nenhum curso, mas lá uma universidade fez-me doutora. Tenho mesmo muito carinho pelas pessoas do Porto, elas gostam de cinema. Sou sempre tão bem recebida! Sinto-me tão bem no Porto como em Lisboa!"

A Agnès Varda de Olhares Lugares tem uma garra de vida genuína, mas ao vivo, sem o seu par JR, ausente por estar em São Francisco a promover a sua arte, esse dispositivo de sinceridade é ainda mais tocante. E é ela quem faz questão de arrancar com a conversa, precisamente com a tal paixão pelo Porto: "Visitei muitas vezes essa cidade e foi lá que encontrei o Oliveira. Creio que foi naquele museu... Como se chama? Serralves, sim! Gosto muito, muito desse museu. Foi lá que filmei o Oliveira, em pleno jardim! Ah e aquele número de Charlot que ele fez! Que homem charmoso, falámos tanto. Contou-me histórias, disse-me disparates..."

A meio da conversa, é fácil distrairmo-nos pelo roxo da sua camisa, lindíssimo contraste com o seu penteado imagem de marca e os seus cabelos ruivos com mancha loura. Enquanto nos conta o prazer que foi filmar Olhares Lugares com um artista que não vem do cinema, o seu telefone toca e de forma pura pede desculpa e interrompe a entrevista. A sua missão é colocar o telefone em modo de voo: "Vamos viajar", diz com um sorriso matreiro e começa a revelar uma pequena mágoa: "É a primeira vez que estou a falar deste filme sem o JR, entristece-me. Temos feito tudo juntinhos. Passamos muito tempo no FaceTime! Falamos através das imagens e estamos tão em sintonia, pensamos da mesma maneira. O nosso objetivo, neste filme, era o mesmo: extrair o prazer de encontrar pessoas. Gostamos de encontrar pessoas da rua, pessoas diferentes... A ideia era deixar os entrevistados falar. E aprendemos qual- quer coisa... Foi tão mágico viajar naquele camião mágico: este filme deu-nos tanto prazer e isso sente--se, não é?"

Varda também concorda: entre ela e JR não existe idade ou idades: "Connosco nunca houve essa coisa de tu és mais novo, tu és mais velha. Não, o trabalho aproximou-nos. Este filme acabou por não me surpreender. Eu e o JR sabíamos bem o que queríamos! Além do mais, passei muito tempo na sala de montagem, coisa que adoro. Descobri que o acaso nos propunha muitas soluções. Sabe, nenhuma daquelas pessoas que encontrámos nos falou de política... O filme até tem um pouco de sociologia, provavelmente sociologia divertida. Creio que é sociologia amigável." Talvez por isso, Olhares Lugares nos faça ter mais fé nos franceses. Nesse sentido, a cineasta avó do mundo assume o lado positivo da viagem: "Nem tudo é detestável na nossa sociedade. Escolhemos mostrar que as pessoas têm prazer nos encontros humanos. Vimos muita empatia e escolhemos ir de pessoa em pessoa, recusámos fazer aquele tipo de pesquisa económica. O desejo era pegar as pessoas pela sua mão e levá-las aos lugares. Quisemos procurar uma espécie de evolução de um encontro e descobrimos momentos tão diferentes. Por vezes, nesses encontros apetece-nos rir, noutros ficamos com vontade de soltar uma lágrima. Encontrámos emoção e simpatia."

Acerca do Óscar honorário já entregue pela Academia, diz perentoriamente que foi uma experiência divertida. Confessa também ter em sua casa um armário cheio de prémios. Para Varda, todos os prémios que venceu na sua longa carreira são divertidos. Sente-se que não leva tão a sério assim os protocolos da aclamação: "Agora é a altura dos prémios de carreira. Tenho uma Palma de Ouro de honra, um César de honra... só me rio! Que velhice tão agradável estou a ter! E o melhor é que continuo a trabalhar muito."

Vai ser também muito agradável vê-la na próxima cerimónia dos Óscares em busca de mais um, agora de melhor documentário.

Em Paris

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