Ágata Roquette: "É um erro pensar que se demora muito tempo a ser saudável"

A nutricionista Ágata Roquette, 38 anos, autora do êxito "A Dieta dos 31 Dias", escreveu, durante o confinamento, "O Grande Livro da Alimentação Saudável", em que defende o regresso à dieta mediterrânica e que cozinhemos como os nossos pais. Sem fundamentalismos. Ela própria, que chegou a pesar 90 quilos, gosta das suas asneiras ao fim de semana.
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As férias estão a acabar. Que conselho dá a quem quer fazer tudo certo a partir de agora?
Tenho pessoas que engordaram três quilos no confinamento e dois nas férias. Esta é época de fazer alguma coisa. Devem manter um dia limpo, isso é importantíssimo em qualquer dieta, porque nós também precisamos dos nossos prazeres. Se conseguirmos manter um plano equilibrado durante seis dias acabamos por conseguir recuperar rapidamente esses quilos. Não convém deixar o pão de manhã, se é importante para nós. Ao almoço deve comer-se de tudo e só à noite se devem tirar os hidratos de carbono até chegar ao peso que se quer. Para quem vai para o trabalho, recomendo que leve uma lancheira com alimentos corretos para não ter tentações - pastelarias e máquinas de venda. O grande drama da maioria dos meus pacientes nem é o almoço ou jantar, é na chegada a casa, com alguma ansiedade, o stress em que vivemos e o excesso de trabalho. É nesse janta-não janta que a maioria de nós, mulheres , fazemos as asneiras. Aí posso recomendar terem frutos secos ou um ovo cozido. O nosso grande problema é que somos muito petisqueiras, é preciso comer nas refeições para não haver tanta asneira. Nos homens é exatamente o contrário. Comem muito ao almoço e ao jantar.

Isso acontece por razões biológicas?
Acho que tem a ver com hormonas. Nós somos muito mais hormonais e comemos por tudo e por nada. Porque estamos contentes, porque estamos tristes ou porque o dia não está a correr bem. Os homens comem porque têm fome e não deviam deixar chegar a esse ponto, mas não esse hábito de andar com uma lancheira. Para eles é pequeno-almoço, almoço e jantar.

Se existe uma maneira de descrever a sua abordagem é que é emocional. Põe à frente de qualquer coisa a maneira como as pessoas se sentem para que atinjam os seus objetivos. Porque chegou a esta conclusão?
Cheguei à conclusão porque passei por isso. Já fui obesa, já fui bulímica, apanhei fases complicadas na adolescência, a altura em que a pessoa quer estar melhor, e também dou muitas consultas, portanto a experiência de trabalho deu-me isso. As pessoas que chegam ao consultório com obesidade tipicamente tiveram problemas. Acho que é mesmo muito psicológico. A comida dá prazer, é um prazer rápido, é normal que a pessoa esteja triste e coma, se dê aquele prazer ao fim do dia. Para quem gosta de comer, fica mesmo calma, mas aqueles grandes aumentos de peso correspondem quase sempre a uma morte, as pessoas não gostarem do trabalho, do patrão ou do ambiente, ou problemas de dinheiro. Quando chega a casa, insatisfeita, come. A comida compensa os males da vida. Mas há outras coisas que também nos compensam. O exercício ajuda imenso a ultrapassar estas falhas do sistema nervoso e estar mais equilibrada. Tento ir pelo lado psicológico, porque resultou comigo, e 20 gramas de chocolate negro não fazem mal a ninguém. É uma dose pequenina e vai evitar ataques de fome, de fome emocional. Percebo esse lado nas consultas e tento não passar dietas sem perceber as horas piores das pessoas ou por que estão neste estado. Não sei que truques dar aos pacientes para não recorrerem à comida, só sei o que podem comer para satisfazer essas ânsias que não os engorde nem faça mal à saúde.

O que faz as pessoas emagrecerem?
A única coisa que faz emagrecer são divórcios e desgostos amorosos. É outro sentimento - perda, angústia. Aí a comida não entra. Muitas pessoas engordam brutalidades após a perda de alguém ou quando estão a fazer mestrados e a trabalhar, porque excedem os limites Se calhar, ainda bem que temos a comida, para evitar mesmo uma depressão, ela ajuda a equilibrar, a questão é que se manifesta no peso e a pessoa não gosta de se ver, fica triste.

Qual é o espírito certo para começar a cuidar da alimentação?
Sabemos todos comer saudável, sabemos o que faz bem e faz mal, no livro está escrito, mas não estou a ensinar nada a ninguém.

O seu ​​​​​​O Grande Livro Livro da Alimentação Saudável [Contraponto, 2020] está cheio de observações que são senso comum, mas então por que não cumprimos e precisamos que alguém ande atrás de nós?
Consegui chegar a algumas pessoas com o meu livro de emagrecimento, com esta proposta da editora quero chegar a um público mais abrangente. As pessoas não encaram o estilo de vida saudável como quando alguém se torna vegetariano. Por que não adotamos um estilo de vida saudável? Porque é que a base não é o estilo de vida saudável? Porque é que não temos essa preocupação? Também vejo a opção por uma alimentação saudável porque gosto de comer não-saudável. Eu adoro comer, fui obesa por alguma razão. Em Portugal é tão difícil resistir a tanta coisa. Não dá para ir ao Alentejo e resistir a uma açorda, umas pataniscas de bacalhau ou doces conventuais. É açúcar e ovos, sim, mas sabemos que é melhor do que outros alimentos que nem sabemos o que são, de onde vem, que químicos são aqueles? Em Portugal sempre comemos bem, a dieta mediterrânica é boa. Há pessoas em Londres que nem encontram os alimentos. Nós podemos comer carapaus, sardinhas, é tão normal. Para quê fugir disso? E parece-me que estamos a perder isso. Há crianças em Portugal que já comem fastfood três a quatro vezes por semana. Ora, isso não acontecia antes. Eu nunca comi nem havia. Não podemos perder as nossas bases todas que até eram saudáveis - arroz, feijão, grão. Somos um país marítimo, com peixe fresco todos os dias se quisermos. Não sou fundamentalista e os meus filhos comeram McDonald's muito mais cedo do que eu, se calhar com dois anos já tinham experimentado, mas isso é uma exceção.

Os números dizem-nos que os adolescentes estão maiores, mais gordos.
Estão mais americanos. Por mais que se fale de alimentação saudável e que a ementa das escolas tenha melhorado, a obesidade continua a aumentar. Os miúdos estão cada vez mais sedentários. Vi isso na quarentena. Os meus filhos jogam futebol federado no Estoril Praia e durante essa fase agarraram-se aos seus iPads. Temos um trampolim no jardim e foram lá no início, depois deixaram. Não estou a pedir que joguem ao elástico ou à sirumba, mas também não consigo perceber como é que algum pai não incentiva o filho a fazer desporto. Os pais insistem na natação, mas quando eles não gostam, não gostam. Fui patinadora durante muitos anos e estava sempre desejosa da hora do treino. Descobri um desporto de que gostava, e é preciso que as crianças descubram a sua vocação desportiva.

A covid-19 veio mostrar-nos que os óbitos estão geralmente ligados a co-morbilidades, doenças que se agravam pela má forma como comemos. Obesidade tem sido apontada como factor de risco.
Não foi a pensar no covid-19, embora o tenha terminado no confinamento, mas o livro vai nesse sentido. A alimentação é importante na imunidade. Devemos perguntar-nos: como é que não conseguimos mudar uma coisa que sabemos que vai ser boa para nós? Se calhar temos de voltar para trás, uma vez que os valores das doenças - diabetes, AVC, e outras - continuam a aumentar. Noto imenso que dantes só tínhamos consultas de emagrecimento e agora os médicos mandam pacientes para nós. Confiam muito mais em nós. Isso também mostra que a alimentação é muito mais importante do que se pensava.

Fala muito da sua experiência pessoal, como foi fundamental para si como nutricionista. Quando fez o curso de nutrição já estava em excesso de peso?
Sim, eu engordei 13 quilos quando comecei a tentar entrar em Medicina Dentária, não consegui, entrei em Nutrição. Passei dos 58 quilos para os 73, em quatro meses. Lidei muito mal, estupidamente. Era assustador, mas não era o fim do mundo - eu tenho 1,71m. Deixei de comer e passei para os 63 quilos no primeiro trimestre. De setembro a dezembro não comi, basicamente. Comecei a engordar, mais cinco, mais cinco, mais três nas vésperas dos exames. Comia bolachas, bolachas, bolachas.... e acabei o curso com 90 quilos.

Estava a estudar Nutrição e continuava a engordar.
Comecei a dar consultas com 90 quilos e as pessoas perguntavam-me se estava grávida. Não queriam acreditar. E, de facto, percebo. Por que é que hei de acreditar que devo emagrecer e ela está assim. Não quer dizer que não possamos ser bons profissionais. Isso gera ainda mais pressão. Comia para compensar o facto de me terem perguntado se estava grávida. Eu tinha uma relação péssima com a comida. Não comia nada, depois comia bolachas e não jantava. Fazia tudo ao contrário. Isso já envolve algum distúrbio. Nem dei por isso e depois fiquei obcecada. É uma doença como outra qualquer e não tratei, achava que era apenas hormonas, porque não era menstruada. Só percebi o meu problema quando me realizei a nível profissional e o meu marido me pediu em casamento. Deixei de pensar na comida para me preocupar com outras coisas - o vestido de casamento, a quinta, o fotógrafo. Estava feliz, um ordenado bom para a minha idade. Na adolescência nada chega, fui uma insatisfeita durante sete anos com o meu corpo e com tudo o resto. É a idade dos distúrbios e convém os pais estarem atentos. Os meus não souberam da missa nem a metade. Só quando publiquei os primeiros livros.

Qual foi a reação dos seus pais quando perceberam?
Eles trabalhavam o dia inteiro e eu passei de estar quatro horas a patinar a estar em casa a estudar durante quatro horas. Comecei a comer bolachas, o que nunca tinha comido antes porque não tinha tempo. Os meus pais chegavam e eu ia jantar com eles, mas arrependia-me porque já tinha comido as bolachas. Depois tinha uma suite, acabei por que fazer coisas que eles não se apercebiam durante sete anos, dos 17 aos 24. Consigo, por isso, perceber coisas que os pais não conseguem. Não gosto, porque não fui feliz nessa altura, mas que sirva de alguma coisa. Hoje em dia orgulho-me de comer por prazer e não por outra razão qualquer. Sem culpa nenhuma.

Voltou a praticar desporto?
Sim, há dois anos. Faço kickboxing três vezes por semana e sou completamente viciada. Estive 18 anos a tentar encontrar um desporto de que gostasse.

Estamos sempre a ouvir falar do jejum intermitente. É a dieta de 2020. Qual é a sua opinião?
Não tenho experiência com a dieta nem em mim nem em nenhum paciente. Não vou obrigar ninguém a fazê-lo. Uma pessoa que chegue à clínica obesa, chateada, triste, não a vou pôr comer apenas duas vezes por dia. Acredito que haja estudos, relacionados com a tividade das células, e estou curiosa para ver, ainda que só tenham sido feitos em ratos. Acredito que se perca peso, porque as pessoas não comem. Não conseguem fazer dietas normais, mas conseguem fazer aquilo, porque comem só almoço e jantar, quando as asneiras são nos lanches.. Não aconselharia porque também não consigo. Se não como o meu pão de manhã fico logo com o meu dia estragado.

Como faz para comer fora de casa?
Hoje em dia, mesmo nos shoppings, dá para comer saudável em muitos sítios. Às vezes é mais difícil em restaurantes em que só há o prato do dia e é bacalhau com natas, mas podemos pedir uma omelete ou bife grelhada. Há lulas, chocos, espetadas... É muito mais difícil em lanches. Temos de frequentar muito pouco pastelarias. E nesse caso preferir um pão com qualquer coisa, uma meia de leite ou um chá. É saudável, baratinho e não se está a comer açúcar, folhado, gordura.

É mais caro comer saudável?
Eu acho que não, porque só o facto de as pessoas tirarem os cereais e bolachas, que não são baratos, e trocarem por pão, que é baratíssimo, fruta, que também é acessível, arroz, massa, feijão, grão, batata doce., poupam dinheiro. Acho que não é mais caro.

E qual é o maior erro que os portugueses mais cometem na sua alimentação?
Acho que nos falta tempo. Trabalhamos muito mais. Não é uma desculpa. Se esta pandemia nos vier a ensinar alguma coisa é que temos de ter um bocadinho mais de tempo para nós, mais uma hora, e esta hora pode fazer toda a diferença. É quase tão rápido cozinhar um arroz ou grão do que pôr uns nuggets a fritar ou uma pizza no forno. Podemos cozinhar mais saudável e não abrir a caixa e meter no forno. É um erro pensar que se demora muito tempo a ser saudável. É mais fácil do que pensamos. Não é só comer beringelas recheadas com atum. Também é, mas só em dias em que se tem mais tempo. Saudável pode ser fazer uma omolete. Temos de resistir às tentações e ao UberEats - e UberEats não é só McDonalds. Temos de tentar cozinhar como os nossos pais cozinhavam para nós.

O Grande Livro da Alimentação Saudável
Contraponto Editores
312 páginas
18,80 euros

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