Explicações para o fenómeno de Bem Bom, de Patrícia Sequeira, parece haver muitas, mas não deixa de ser um triunfo a toda a escala, sobretudo no atual quadro dos resultados de bilheteira em época de restrições. Até ontem, 58 mil espetadores já tinham ido ver esta biografia das Doce, segundo dados oficiais do Instituto ICA..O filme é a história da criação das Doce, a primeira girls band portuguesa. Uma criação da Polygram e do músico Tozé Brito. Quatro cantoras que desafiaram cânones, mentalidades retrógadas e uma sociedade machista, tornando-se num caso de sucesso nos tops e por todo o país em atuações ao vivo. A história segue também os dramas pessoais de cada uma das artistas, não evitando a polémica criada em torno das suas roupas e do efeito traumático que o boato do envolvimento entre Laura Diogo e o craque benfiquista Reinaldo provocou. Com interpretações muito conseguidas de Ana Marta Ferreira, Carolina Carvalho, Lia Carvalho e Bárbara Branco, como as Doce, bem como um leque de secundários de luxo onde se destacam Eduardo Breda, José Mata, Sara Carinhas e Cristóvão Campos..Com estes extraordinários números, Bem Bom torna-se já no filme mais visto pós-Variações, de João Maia, outro dos fenómenos em torno de uma figura real, nomeadamente vinda também do universo da música pop. Estes 58 mil bilhetes superam os números de Listen, de Ana Rocha de Sousa, e dão esperança ao que aí vem do cinema português para este ano, em que podemos esperar obras de Miguel Gomes, Joaquim Pinto, Leonel Vieira, Bruno Gascon, Sérgio Graciano, Vicente Alves do Ó e Luís Galvão Teles. Mesmo com concorrência de produtos da Marvel e outros blockbusters americanos, a curiosidade em torno deste filme foi espantosa. A surpresa é ainda maior quando a maioria dos cinemas esteve com sessões limitadas devido às medidas de restrição de horários da DGS e ao facto da própria lotação das salas ter estado em metade..O interesse num filme como este em que se conta a história de uma banda que já não existe pode ser também explicado pela impressionante campanha de marketing da distribuidora Cinemundo, bem como pela força das atrizes nas redes sociais, algumas delas com grande adesão popular devido às suas participações em telenovelas de horário nobre. A par de tudo isso, convém não subestimar a forma como a música das Doce consegue e tem conseguido sempre ser intergeracional, embora o filme de Sequeira consiga também sublimar uma certa nostalgia doce-amarga de toda uma época - quem cresceu no começo dos anos 1980 vai ter uma relação mais especial com estas imagens. Acima de tudo, Bem Bom é um bom exemplo de uma proposta de cinema que articula corretamente algum engenho narrativo e uma capacidade muito positiva de recriar musicalmente (no filme nunca se ouve as Doce, tudo é feito agora numa produção para as atrizes...) aquele som..Se nesta altura os números das bilheteiras de cinema ainda estão longe da pujança antes da covid, há ainda outro fenómeno para ser refletido: em seis semanas Velocidade Furiosa 9, de Justin Lin, também desafia a lógica com mais de 323 mil espetadores. Quer isto dizer que mesmo com máscara e sem pipocas, os fãs desta franquia da Universal não ficaram em casa. Trata-se de um resultado animador para o mercado português que dá razão a quem acredita que um filme com grande impacto comercial pode salvar uma temporada. A mesma distribuidora de Bem Bom, com este outro fenómeno já faturou um milhão e 784 mil euros e as coisas ainda não vão ficar por aqui..Quanto a Viúva Negra, da estimável Cate Shortland, se nos EUA a própria Scarlett Johansson teve motivos para processar a Disney por achar que os resultados nas salas ficaram prejudicados com o lançamento em streaming, por cá não há razões de queixas. 101 mil espetadores é um resultado também francamente positivo e a lembrar tempos de outra normalidade. Os fãs da Marvel, aqui, não deixam ficar mal Scarlett. Mais complicados são os números de Jungle Cruise- A Maldição nos Confins da Selva, de Jaume Collet-Serra, fantasia da Disney que no primeiro fim de semana atraiu 15 mil espetadores, números inferiores a uma animação independente como D'Artacão e os Três Mocãoteiros, que levou 17 mil almas às salas, porventura mercê das saudades da animação televisiva com o mesmo nome. Mais do que nunca, estes tempos do mercado cinematográfico provocam surpresas que os próprios exibidores e distribuidores parecem ainda estarem a adaptar-se, embora esta semana surpresa a sério seria O Esquadrão Suicida, do celebrado James Gunn, não arrumar com a concorrência..E, já agora, desilusão do verão é Annette, de Leos Carax. Prémio em Cannes e elenco com Adam Driver e Marion Cotillard não foram suficientes para chamar mais do que 2985 pessoas... Em Portugal, a música dos geniais Sparks é ainda apenas um segredo para os melómanos mais atentos....dnot@dn.pt