A União Bancária arrancou formalmente no dia 1 de janeiro de 2016, ainda que vários aspetos práticos já funcionassem desde 2012. Consiste, fundamentalmente, na transferência de poderes de supervisão prudencial dos Estados membros para a União Europeia. Tendo sido objeto de vários esforços de coordenação desde os finais dos anos 1990, e acelerando-se com a crise desde 2008, a União Bancária implementa uma política única de supervisão e regulação das entidades bancárias de 26 países da União (sendo a Suécia e o Reino Unido, neste momento, os detratores deste processo). Neste contexto, a União Bancária é agora responsável por resoluções bancárias, assim como por todos os aspetos relativos às regras e boas práticas que regem o funcionamento dos órgãos sociais das entidades bancárias..A criação da União Bancária foi apresentada na comunicação social portuguesa como mais uma solução europeia milagrosa para os nossos problemas (como são todas há 30 anos). Durante décadas foi-nos dito que tínhamos uma das melhores bancas da Europa. Mais eficiente, mais sólida, mais bem gerida, enfim, tudo maravilhoso. Aliás, durante algum tempo, a narrativa oficial dizia que, enquanto a Grécia e a Irlanda tinham sérios problemas com o seu setor bancário, a nossa crise não era bancária porque a nossa banca era supostamente exemplar. Apesar do BPN e do BPP. Mas depois veio o BES e o BANIF. E agora a CGD. Enquanto o jornalismo económico até hoje não nos explicou como foi possível vender uma narrativa errada durante tantos anos, o cataclismo bancário passou a ser um dos problemas estruturais na perceção dos portugueses. Tudo em apenas dois anos. E a resposta para esse problema estrutural - a União Bancária..Como é evidente, a União Bancária não vai resolver aquilo que é um problema nosso. Aliás, desde que começou a 1 de janeiro de 2016, naquilo que é o conhecimento público, os problemas agravaram-se. A desculpa da União Bancária permitiu, sim, iludir responsabilidades políticas. E ajudou a esconder aquilo que são óbvias e monumentais falhas de regulação. É evidente o fracasso do Banco de Portugal nos últimos quinze anos. Não pretendo escamotear a responsabilidade que podem ter os dois governadores (Vítor Constâncio e Carlos Costa) e os sucessivos ministros das Finanças. Mas o desastre é demasiado profundo, prolongado e continuado no tempo para despejar o problema nestas personalidades, por mais fácil e popular que isso seja. Penso que a questão é muito mais institucional do que pessoal. Incapaz de se reformar, preso em labirintos complicados e compromissos de décadas, pendente dos interesses das entidades bancárias e das sociedades de advogados de Lisboa, o Banco de Portugal arrasta-se sem qualquer capacidade de mudar seja o que for há décadas..Aliás, vejamos o óbvio. Um vice-governador vai para a CGD em junho de 2011. Um administrador do BANIF (nomeado pelo poder político) vai para vice-governador em setembro de 2014. Um administrador de um banco liquidatário (intervencionado pelo Estado) vai também para vice-governador em junho de 2016. Um supervisor sai para uma auditora (logo após a resolução do BES), mas regressa ao regulador à sua conveniência. Um outro supervisor, vindo de um banco privado, vai do regulador para a administração da CGD em fevereiro de 2017. O novo homem forte da CGD já tinha aceitado um convite para vice-governador. Regulador e regulado, supervisor e supervisionado: é tudo a mesma coisa. O regulador acha tudo bem. E, mais curiosamente, a concorrência nunca se queixa em público. Conflitos de interesse não existem. O fenómeno da porta giratória, felizmente, não existe na realidade portuguesa!.Poderíamos, pois, estar tentados a dizer que a União Bancária pouco fez por nós. Mas estaríamos a ser injustos. Na minha perspetiva, já fez e muito. Desde janeiro de 2016, as nomeações para a administração das enti-dades bancárias estão sujeitas a aprovação pelo BCE. Este novo enquadramento já teve consequências, por exemplo, no BCP (com a idoneidade de Isabel dos Santos) e na CGD (quer com a administração cessante, como com a nova administração). Felizmente. Porque graças a esta monitorização acabaram-se os Armandos Varas e demais apparatchiks incompetentes que invadiram a CGD durante décadas..Foi a União Bancária que acabou com a forma como PS, PSD e CDS trataram a administração da CGD durante anos e anos - um despojo partidário para ser distribuído entre os amigos do chefe. Pelo menos agora os partidos são forçados a procurar quadros com alguma preparação e qualidade. Não é perfeito. Até é ridículo nalgumas situações (como a obrigação de frequentar um curso rápido no INSEAD). Mas infinitamente melhor do que tínhamos. Porque o Banco de Portugal jamais diria não aos amigos do chefe, como nunca disse nos últimos quarenta anos. Só por isso a União Bancária já valeu a pena.