Aeroporto do Montijo avança. Segue-se a batalha nos tribunais

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) confirmou a viabilidade ambiental do Aeroporto do Montijo, com um quadro de perto de 200 medidas de minimização e compensação que a ANA terá de dar cumprimento. Ambientalistas vão recorrer aos tribunais e à Comissão Europeia
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No seu parecer, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) considerou que os principais impactes positivos da construção do Aeroporto do Montijo ocorrem ao nível socioeconómico, assumindo-se como muito significativos, a nível local, regional e até nacional. Segundo a agência, o novo projeto, que irá dar apoio ao aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, terá implicações positivas a nível demográfico, ao criar atração de população residente; de emprego, aumentando a oferta; de competitividade e internacionalização, ao dinamizar atividades económicas, e na qualidade de vida, pelo aumento do rendimento, do acesso a novas oportunidades de serviços e de empregos, acessibilidades e transportes.

A este fenómeno, lê-se na declaração de impacte ambiental (DIA) da APA, poderá associar-se um incremento populacional, que contribuirá para a valorização dos espaços urbanos existentes e ocupação dos alojamentos vagos.

Segundo a APA, o projeto será desenvolvido em duas fases:

Fase de Abertura - 2022 (dimensionada para o ano 2032).

Última Fase (expansão) - 2054 (dimensionada para o ano 2062).

Fases estas que tiveram por base as previsões de tráfego aéreo realizadas, que indicam para o ano de abertura um tráfego de 7,8 milhões de passageiros e 46 mil movimentos de aeronaves por ano; e para o ano 2062, um tráfego de 17,4 milhões de passageiros e 85 mil movimentos de aeronaves por ano.

Em outubro de 2019, a APA já havia emitido uma DIA favorável ao Aeroporto do Montijo, mas condicionada, impondo então um pacote de medidas de minimização dos impactos na ordem dos 48 milhões de euros, que deveriam ser essencialmente suportadas pela concessionária ANA.

Entre as medidas estavam fundos entre 15 a 20 milhões de euros para apoiar ações de isolamento contra o ruído de edifícios públicos e privados, dez milhões de euros para a compra de dois barcos a entregar à Transtejo para o transporte de passageiros até Lisboa e várias iniciativas de apoio e compensação de habitats para aves. Segundo a APA, foram agora definidas cerca de 200 condições, incluindo o condicionamento das operações no futuro aeroporto entre as 23:00-00:00 e as 06:00-07:00.

Avifauna, ruído, mobilidade e alterações climáticas

No parecer da APA, são acrescentadas medidas relacionadas com a avifauna, ruído, mobilidade e alterações climáticas que, segundo a agência, "permitem minimizar e compensar os impactes ambientais negativos do projeto, as quais serão detalhadas na fase de projeto de execução".

A autoridade responsável pela Avaliação de Impacte Ambiental especifica que no caso dos impactes sobre a avifauna será constituída uma "sociedade veículo" - suportada nos mecanismos financeiros previstos no quadro da DIA - pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) que terá como funções "a implementação de atividades diretamente conexas com a proteção e conservação das aves selvagens, devendo para tal desenvolver um plano de ação para a implementação das medidas de compensação".

Já a ANA terá de assegurar o suporte financeiro para a implementação das medidas de compensação por parte da nova entidade a criar "para as atividades diretamente conexas com a proteção e conservação das aves selvagens", através do pagamento de 7,2 milhões de euros, montante complementado com uma taxa de 4,5 euros "por movimento aéreo", explica a APA.

Acrescenta que o plano de ação da nova sociedade a criar pelo ICNF deve integrar, entre outras, a aquisição de salinas "numa área total, no mínimo igual à área sujeita a perturbação forte, ou seja 1.467 hectares", a aquisição de terrenos ou aplicação de medidas compensatórias por perda de "produtividade nos campos agrícolas na Lezíria do Tejo" e um plano de monitorização da eficácia das medidas de compensação para a avifauna.

No que diz respeito ao ruído, as medidas a assumir pela ANA têm um valor estimado entre os 15 a 20 milhões de euros e nestas destaca-se a proibição do tráfego aéreo entre as 00:00 e as 06:00, a adoção de procedimentos de aterragem e descolagem "menos ruidosos e que evitem ou minimizem o impacte sobre as áreas mais sensíveis" ou a apresentação de um Programa de Reforço do Condicionamento Acústico de Edifícios afetados na área delimitada.

No capítulo da mobilidade, a entidade responsável pelo futuro aeroporto terá de cumprir medidas de reestruturação e aumento da oferta de transporte fluvial entre as duas margens do Tejo, desde logo "em resposta ao aumento de procura perspetivado", disponibilizando verbas para a aquisição de dois navios de propulsão elétrica "a alocar em exclusividade ao transporte entre o Cais do Seixalinho e Lisboa", sublinha a APA.

A ANA terá ainda de garantir "um serviço tecnologicamente evoluído e eficiente" no shuttle rodoviário entre o novo aeroporto do Montijo e o Cais do Seixalinho, tendo por base veículos de emissões muito baixas ou nulas, por exemplo, veículos elétricos ou a hidrogénio, uma solução tecnológica idêntica à que terá de estudar para criar "serviços rápidos de autocarros" entre a infraestrutura aeroportuária, a Gare do Oriente e a estação ferroviária do Pinhal Novo.

Nas medidas relacionadas com as adaptações às alterações climáticas, a APA refere ter sido "reconhecido como aspeto relevante" a subida do nível médio das águas do mar no médio e longo prazos, até 2100, "facto que se traduziu na cota altimétrica da pista" de mais cinco metros acima daquele nível.

Sobre as emissões de gases com efeito de estufa, a ANA "está obrigada a elaborar um plano de redução de emissões daqueles gases, de consumos primários, de resíduos e de consumos energéticos, a implementar durante a exploração do novo aeroporto".

Associações ambientalistas impugnam decisão

A plataforma, que integra a Almargem, ANP/WWF, A Rocha, GEOTA, LPN, FAPAS, SPEA e ZERO, declarou, minutos após ter sido conhecida a decisão da APA, que irá recorrer aos tribunais e à Comissão Europeia para travar o projeto, que considera ir contra as leis nacionais, as diretivas europeias e tratados internacionais que Portugal tem de respeitar.

As organizações ambientais reiteram que todo o processo referente ao Aeroporto de Lisboa, considerado estratégico para o país, tem forçosamente de ser apreciado no contexto de uma Avaliação Ambiental Estratégica, em que sejam ponderadas todas as opções possíveis.

O Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas 2014-2020 (PETI3+), que foi sujeito a Avaliação Ambiental Estratégica, previa apenas que durante a sua vigência se iria "definir o quadro temporal para revisão dos pressupostos e necessidades de investimento num novo Aeroporto de Lisboa". Segundo a plataforma de associações, a construção de um novo aeroporto não pode ser decidida como um projeto avulso, desenquadrado dos instrumentos de planeamento estratégico aos quais o país está vinculado, e tem de ter como base o conhecimento mais completo e atual de todas as componentes (climática, ecológica, social, económica, etc).

No entender destas oito organizações, ficam várias respostas essenciais por dar, nomeadamente quanto a cenários de crescimento e desenvolvimento do turismo, quanto a alternativas ao transporte aéreo com melhor desempenho ambiental (como a ferrovia) e a alternativas de localização. "Todas estas questões teriam resposta numa adequada avaliação ambiental estratégica, que teria de contemplar também a expansão do atual aeroporto de Lisboa", acrescenta a plataforma ambientalista.

Estudo de Impacto Ambiental tem insuficiências graves

As organizações prosseguem, dizendo que o EIA do novo aeroporto tem insuficiências graves por não avaliar corretamente o impacto ambiental do projeto, e por estabelecer medidas de compensação e mitigação desadequadas.

Ao avançar com este projeto, reforçam, o Governo não estará a considerar devidamente os impactos sobre os valores naturais, nem para a saúde pública, tampouco para a qualidade de vida das populações.

Na opinião dos ambientalistas, a questão das alterações climáticas não foi considerada, quer do ponto de vista das emissões de gases de efeito de estufa ou da vulnerabilidade e resiliência do projeto, e também não foi equacionada a segurança de pessoas e bens.

"As falhas na informação apresentada levam as associações a questionar a forma como a própria segurança das operações aéreas está a ser avaliada, dado o risco posto por espécies que não foram devidamente estudadas. É o caso, por exemplo, dos 60 mil milherangos ou das 50 mil íbis-pretas que invernam este ano no local, sendo que as últimas têm vindo a aumentar todos os invernos e são praticamente ignoradas pelo estudo", alertam.

O conjunto de organizações contesta ainda as supostas medidas de compensação e mitigação do impacte ambiental. Em muitos pontos, dizem, estas medidas correspondem na verdade a obrigações que o Governo já tem em matéria de conservação da natureza e nas quais tem falhado constantemente. "Colmatar as falhas do Governo relativas às obrigações de proteger as espécies e habitats da zona húmida mais importante do país, classificada como Reserva Natural e como Rede Natura 2000 por ser das mais importantes da União Europeia, não é compensar nem mitigar os efeitos deste projeto", afirmam de forma contundente.

Por fim, as organizações de defesa de ambiente dizem que o valor da compensação financeira proposta não tem qualquer fundamento quanto à valorização do que se perde, nem qualquer fundamento quanto à eficácia na resolução de um problema real.

Ação judicial

Uma vez que, segundo esta plataforma, o Governo não deu importância a estas e outras preocupações graves suscitadas por inúmeras entidades durante o processo de consulta pública, as organizações de ambiente não veem outra alternativa que não seja pô-las à consideração do sistema judicial e das autoridades europeias.

Como é que será abastecido o Aeroporto do Montijo?

Noutra perspetiva, várias autarquias, bem como a entidade supervisora do mercado de combustíveis (ENSE), questionam como é que será abastecido o novo aeroporto.

Segundo o estudo de impacte ambiental realizado pela ANA, à semelhança do Aeroporto de Lisboa, o do Montijo vai ser abastecido por camiões cisterna: 20 por dia, 7.300 por ano. Contudo, não está previsto numa fase inicial que o combustível seja transportado através de oleoduto, nem é avançada nenhuma data para que esta infraestrutura esteja operacional.

Na sua análise ao novo aeroporto, a entidade nacional para o setor energético (ENSE) "sinaliza a existência de um oleoduto de ligação entre as instalações de armazenagem na Costa da Caparica e a BA6 no Montijo, assim como um conjunto de oleodutos de ligação a outras instalações de armazenagem e cais marítimos". A ENSE é a entidade responsável por gerir este oleoduto.

"Visto que estes oleodutos já estão construídos e possuem as suas respetivas áreas de servidão de proteção, com cerca de seis metros, ou seja, três metros, para cada lado do oleoduto, uma solução deste tipo, apesar de necessitar ainda de intervenções e alterações, poderá representar uma solução com um impacte ambiental mais reduzido face às intervenções necessárias, representando vantagens seja em termos de segurança de abastecimento, seja em termos de prevenção de acidentes rodoviários", declara a entidade supervisora.

Com a operacionalização deste oleoduto, prossegue a ENSE, será de esperar "uma redução de emissões atmosféricas associada ao menor fluxo de transportes rodoviários - camiões cisterna - de combustíveis para o abastecimento do aeroporto".

Já a Administração do Porto de Lisboa (APL) aponta que no EIA é "referida a possibilidade de fornecimento de combustíveis através do oleoduto que liga as instalações da POL NATO na Trafaria à BA6 [aeroporto do Montijo], embora o mesmo não esteja a ser utilizado, e se perspetive que não esteja operacional".

Por isso, a APL sinaliza "que existe a possibilidade de este abastecimento se processar a partir do Terminal de Líquidos do Barreiro, o que se constituiria como um impacte muito positivo ao nível socioeconómico, quer ao nível local, quer ao nível do Porto de Lisboa".

Não há data para que o oleoduto comece a funcionar

Várias autarquias da margem sul do Tejo criticaram já o estudo realizado pela ANA por este não avançar com uma data para que o oleoduto comece a ser utilizado.

A autarquia do Montijo defende uma ligação entre o aeroporto do Montijo e o oleoduto Sines-Aveiras que atravessa o concelho, ou uma ligação ao armazém de combustíveis no Barreiro.

"Sugere-se como medida alternativa de minimização de impacte ambiental e de segurança para a população, relativamente à relocalização dos furos de captação e ao transporte de matérias perigosas, a construção de um oleoduto de abastecimento de combustíveis ao aeroporto através de conduta de abastecimento exclusiva/dedicada, podendo para o efeito ser equacionada uma possível ligação à conduta de abastecimento de combustível existente e que atravessa o território oriental do Montijo, oleoduto Sines-Aveiras, ou em alternativa a construção de um oleoduto entre o Aeroporto do Montijo e o Barreiro (área industrial da antiga CUF)", referiu a autarquia durante a consulta pública.

Também a Câmara de de Alcochete veio a público defender uma infraestrutura para abastecer de combustível o aeroporto. "A construção de um oleoduto para abastecimento do novo aeroporto do Montijo constitui uma mais-valia para o projeto, dado que o mesmo se mostra omisso neste aspeto. A previsão sobre a possibilidade de circulação de 50 veículos automóveis, diariamente e em direção a esta nova estrutura aeroportuária, constitui um perigo eminente para toda a população do concelho e concelhos limítrofes. Desta forma, a construção de um oleoduto ou de outra solução similar a definir posteriormente, consubstanciará a solução razoável para minimizar este facto, salvaguardando a segurança de toda a população quer residente quer visitante", afirma a autarquia.

Por sua vez, a autarquia do Seixal apresentou durante a consulta pública uma moção da CDU que defende a construção de um aeroporto de raiz no Campo de Tiro de Alcochete. Entre as várias vantagens deste projeto, segundo a CDU, está a "ligação ao oleoduto que liga Sines a Aveiras".

Perante as várias críticas, a DIA emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente destaca que a "a possibilidade de utilização/construção de um oleoduto de ligação ao aeroporto é uma questão relevante que vai ao encontro das preocupações da Comissão de Avaliação (CA) do projeto e de alguns dos pareceres de entidades externas, designadamente da ENSE e de algumas autarquias".

A Comissão de Avaliação deste projeto integrou oito entidades, num total de 16 especialistas, designadamente da APA, do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), da Direção de Gestão do Património Cultural (DGPC), da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT), do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS LVT) e do Instituto Superior de Agronomia/Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves (ISA/CEABN) e do Ministério das Infraestruturas e Habitação (MIH).

Depois deste parecer da APA, há ainda um período de pré-elaboração do chamado RECAP (Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução). E espera-se ainda a conclusão das negociações entre o Governo e a ANA.

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