Aécio Neves: de quase presidente a cadáver político em dois anos
Às 19.30 do dia 26 de outubro de 2014 não cabe mais ninguém no luxuoso apartamento de Andrea Neves em Belo Horizonte. Empresários, políticos e celebridades de televisão, como o apresentador da Globo Luciano Huck, estão colados à tela gigante a ouvir os resultados da segunda volta das eleições presidenciais. De repente, gritos de euforia, pulos insanos e gotas de champanhe a cair na câmara de vídeo que filma a cena: a apenas 30 minutos do fecho das urnas, Aécio, o irmão da anfitriã, lidera a corrida ao Planalto.
Mas não se pense que a decadência de Aécio Neves (PSDB), hoje na ordem do dia, começou meia--hora depois, quando Dilma Rousseff (PT) se reelegeu presidente com 51,64% dos votos. Nos dias seguintes, embora derrotado, o candidato foi levado em ombros por apoiantes no caminho para o Congresso, onde reocuparia a cadeira de senador. E glorificado instantes depois no restaurante peruano Taypá, lembra reportagem do jornal Folha de S. Paulo. Durante a festa folclórica do Bumba Meu Boi, na arena de Parintins, no Amazonas, ouviu sonora salva de palmas. E quando entrou ao lado de um dos seus padrinhos políticos, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), no Piselli, restaurante italiano da moda em São Paulo, os clientes e empregados aplaudiram-no de pé. Horas antes estivera perante uma plateia eufórica a agradecer num centro comercial paulistano os 64,3% de votos que a população do estado mais rico do país lhe confiara, rematando o discurso com um emocionado "a luta continua".
Apesar de ter perdido uma eleição pela primeira vez na vida, Aécio sentia que a realização da sua profecia - "para mim a presidência do Brasil não é projeto, é destino" - era uma questão de tempo. Sentia, no fundo, que estava fadado a ocupar o cargo que o seu avô e farol político Tancredo Neves (PMDB) só não assumiu porque morreu entre a votação e a tomada de posse nas eleições indiretas de 1985. A maioria dos observadores concordava porque, afinal, Aécio tinha tudo para o papel de presidente: 50 milhões de votos nas eleições de 2014, o ADN herdado do avô, a obra em Minas Gerais, onde foi reeleito governador com votação recorde, o púlpito, por liderar o PSDB, a verve, o carisma, o physique du rôle. E o apoio incondicional da irmã Andrea, o seu pilar na vida e na política.
A impopularidade de Dilma só pareceu confirmar o tal destino: era a altura em que nas manifestações contra a presidente, o amigo Huck, o ex-craque Ronaldo e outros famosos ostentavam camisas a dizer "Eu não tenho culpa, votei no Aécio". Com o impeachment, o PSDB entrou mesmo no governo de Michel Temer (PMDB) através de quatro ministérios-chave.
Mas eis que a Operação Lava-Jato bate à porta de quase toda a gente. Aécio, crítico do que chamava "organização criminosa liderada pelo PT", é dos mais atingidos pelas delações: no total, sete inquéritos por corrupção. Geraldo Alckmin e João Doria, outros presidenciáveis do PSDB, ultrapassam-no nas sondagens pela direita. Lula, do rival PT, pela esquerda.
Aécio, porém, ainda acreditava no tal destino: jogou todas as fichas na sua defesa na Lava-Jato, a ponto de pedir ao empresário amigo Joesley Batista, um corrupto inveterado, dinheiro para pagar um advogado top. Tarde de mais: já estava sob escuta da polícia federal. No mesmo telefonema constrangedor ataca a Lava-Jato - um pecado capital aos olhos da opinião pública - e insulta toda a gente, de rivais a aliados. Tudo embrulhado num discurso repleto de palavrões, para horror do seu eleitorado tradicional.
É afastado do Senado. Cede a presidência do PSDB. Tem os apartamentos alvo de busca. Vê o primo Frederico Medeiros, a quem pediu para ir buscar a mala com o dinheiro de Joesley, preso. E, pior, toma conhecimento da prisão da irmã inseparável. Os jornais, incluindo o Folha de S. Paulo, onde foi obrigado a deixar a coluna em que se indignava semanalmente com a corrupção na política, chamam-lhe hoje zombie. E até Huck, visita de casa dos Neves, retirou das redes sociais as selfies em que aparecia, orgulhoso e sorridente, ao lado de Aécio.
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