O suíço Olivier Peter é um dos advogados de defesa de Jordi Cuixart, o líder da associação catalã Òmnium Cultural que está a ser julgado em Madrid por rebelião e sedição. Em causa está a manifestação de 20 de setembro de 2017, diante da Conselleria de Economia, onde estavam a decorrer buscas referentes ao processo independentista..É o único líder civil num julgamento onde no banco dos réus se sentam vários líderes independentistas que respondem pela organização do referendo de 1 de outubro e consequente declaração unilateral de independência..O Ministério Público espanhol pede 17 anos de prisão para Cuixart, que está preso desde 16 de outubro de 2017..Jordi Cuixart é catalão e está a ser julgado em Madrid. Porque precisa então de um advogado suíço? Por várias coisas. Eu tenho experiência no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e desde o início sempre foi claro que este caso ia acabar diante de uma jurisdição internacional e por isso integrei a equipa de defesa. Também porque é um caso que tem uma influência internacional. O impacto desta decisão e a reação que a Europa terá com este caso vai influenciar muitas outras situações. Se a Europa tolerar que haja um preso político, que se condene uma pessoa por manifestações num estado europeu, então amanhã isso poderá acontecer noutros países..Cuixart é acusado de rebelião e sedição nos protestos de 20 de setembro de 2017. Vocês alegam que não houve violência nessa ocasião? Não, não houve violência. Houve incidentes, houve danos em alguns carros [da Guardia Civil]. 60 mil pessoas manifestaram-se e houve uns carros danificados. Jordi Cuixart disse muito claramente que lamenta, mas que não teve responsabilidade. Durante o dia, dezenas de pessoas subiram para cima dos carros, jornalistas também, há centenas de imagens que mostram que esses danos não são imputáveis a Jordi Cuixart e que ele sempre teve um discurso muito claro. Há um vídeo no YouTube em que ele se dirige à multidão e diz-lhes que se virem pessoas que são provocadoras ou violentas com as forças de segurança, identifiquem-nos e expulsem-nos imediatamente. São inimigos do povo da Catalunha. Jordi Cuixart define explicitamente as pessoas violentas como inimigos do povo da Catalunha e sempre apelou a manifestações pacíficas. Então, ele tem uma intenção pacífica, não tem responsabilidade nos danos. Além disso, é talvez um pouco técnico, mas segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e segundo a Liberdade de Reunião Pacífica, a primeira coisa que temos de nos perguntar é se é uma reunião pacífica. E o direito internacional diz que, quando há milhares de pessoas reunidas, apesar de existirem danos acessórios, continua a ser uma reunião pacífica. E neste caso não se pode declarar uma pena de prisão contra as pessoas. Consideramos muito claramente que os eventos de 20 de setembro foram uma reunião pacífica segundo o direito internacional. E digo mais: não somos nós que dizemos, diz a Amnistia Internacional, a Organização Mundial contra a Tortura, diz a Front Line Defenders. Todas as principais organizações dizem que é uma reunião pacífica e a detenção e o julgamento são um atentado aos direitos fundamentais de Jordi Cuixart. Não houve violência a 20 de setembro e o que está a acontecer é uma violação de direitos fundamentais..No julgamento, Cuixart é o único que não é político... Sim, no momento dos factos, Jordi Cuixart e Jordi Sánchez [ex-líder da Assembleia Nacional Catalã] eram dois líderes sociais. Hoje, Cuixart é o único que continua a ser e ele diz claramente que o seu papel é o da defesa da sociedade civil. E não da sociedade civil independentista, mas da sociedade civil que quer uma solução pacífica e política para o conflito. Há 80% da população da Catalunha que quer um referendo, há 80% da população da Catalunha que se opõe à repressão e que quer uma solução política. E Jordi Cuixart diz "eu não quero representar os independentistas, quero falar para esses 80%". Os que estão a favor da independência e os que estão contra. Diz: "Eu luto pela democracia, não pela independência.".No julgamento, Cuixart entrou em contradição com aquilo que tinha dito ao juiz de instrução. Disse que nessa altura estava a tentar sair em liberdade e, portanto, diria qualquer coisa, e agora disse que não, que defende a independência. Então é como se tivesse mentido antes. Como podemos agora confiar que está a dizer a verdade? Ele não disse que mentiu, disse que sofreu pressão. Que um líder social, presidente de uma das principais organizações sociais do estado espanhol e da Europa, de um dia para o outro encontra-se detido, diante de um juiz, com acusações supergraves, e naquela situação pensou que podia sair. Foram respostas forçadas, não representavam o que pensava. Depois houve uma evolução e hoje o que disse no tribunal é que assume tudo o que fez e que o voltaria a fazer muito. Não mudou de versão. Simplesmente deu-se conta do carácter político do processo e da falta de imparcialidade das instituições espanholas e também do carácter simbólico. A primeira declaração fê-la, talvez, pensando em si próprio. Hoje está a declarar para os dois milhões de pessoas que participaram no referendo de 1 de outubro e todos os outros que não foram, espantados pela violência policial, mas que irão no dia em que houver um referendo. Porque algum dia haverá um referendo..Vocês acreditam que o julgamento não é livre e que vai terminar numa condenação? Consideramos que é um julgamento político, porque a instrução não foi imparcial e respondeu a critérios políticos. Vimos isso nas declarações de políticos conservadores espanhóis, particularmente do PP. O porta-voz do PP reconheceu por escrito, num grupo de WhatsApp, que "controlavam a Sala" do Supremo Tribunal. Que a Sala que julga Cuixart está controlada pelo PP e responde a setores conservadores do nacionalismo espanhol. Durante a campanha eleitoral, Pablo Casado, líder do PP, disse muitas vezes que se Cuixart e os outros líderes são julgados em Madrid é porque isso foi o que o PP quis. Então, é um julgamento que responde a uma vontade do governo espanhol, do governo PP da altura, por isso consideramos que é um julgamento político. Consideramos que há uma sentença condenatória escrita desde o primeiro dia. Agora as coisas podem mudar, porque os equilíbrios podem mudar. E o que estamos a tentar fazer. Estamos a tentar que a opinião pública internacional se aperceba do que se está a jogar em Madrid. Não é uma questão de independência ou não independência. É uma questão dos direitos fundamentais de um cidadão europeu, num estado europeu. Já estamos a tolerar que esteja há 18 anos preso, não podemos tolerar que o condenem nem a um dia mais de prisão por ter organizado uma manifestação..Acha que é possível uma amnistia do governo espanhol? Bom, tudo é possível. A amnistia seria reconhecer que houve atos criminosos. E nós consideramos que o exercício de direitos fundamentais numa democracia não pode ser um ato criminoso. Falar de indulto, de amnistia, significa reconhecer que houve crime e nós consideramos que uma manifestação não é crime numa democracia. Num estado autoritário é um crime e são os estados autoritários que prendem os manifestantes e depois os amnistiam. Espanha não teria de prender manifestantes e a opção de amnistia nem se teria de pôr. Por outro lado, há uma amnistia de facto a centenas de polícias que feriram os manifestantes a 1 de outubro, que brutalizaram os votantes, e que nem um foi condenado, nem um está preso hoje em dia. Esses estão a beneficiar de uma amnistia de facto e isso é muito problemático, não só para Jordi Cuixart mas para a opinião pública internacional e para a situação dos direitos fundamentais em Espanha. A mensagem que dá o governo espanhol é que a polícia pode agredir os manifestantes, que estão cobertos. E isso é mais preocupante do que o movimento independentista..O vosso objetivo é sempre, em caso de condenação, terminar no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos... Vamos recorrer ao Tribunal Constitucional e depois ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e não temos dúvida de que reconhecerá que houve violação da liberdade de reunião pacífica de Jordi Cuixart e condenará Espanha. Já foi condenada muitas vezes e será mais uma. E Espanha também sabe e é por isso que todos os procedimentos do Tribunal foram sendo dilatados, excessivamente, para tentar ganhar tempo e para tentar atrasar esta condenação que sabem que é inelutável..Acredita que Jordi Cuixart podia ter ficado em liberdade se o ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont e outros não tivessem optado por sair de Espanha para evitar uma acusação? Acho que se se aplicasse o direito internacional não teria de estar preso. A Amnistia Internacional disse que é uma detenção ilegal, arbitrária, que os líderes sociais não tinham de estar presos. E se o Estado espanhol considera que, porque Puigdemont está em fuga, o estado espanhol temde vulnerar os direitos fundamentais....O estado espanhol não, os juízes que estão no tribunal... E quem manda? Não sou só eu que digo, também diz o grupo do Conselho da Europa contra a corrupção, o GRECO, que diz que o Supremo Tribunal, não os juízes espanhóis, mas os juízes desta instância particular, que são eleitos pelo Parlamento espanhol, os juízes do Supremo não são independentes. É algo que denunciou o GRECO muitas vezes. E Espanha não está a tomar medidas para solucionar essa situação. O que dizemos, e que fique muito claro, não é que o poder judicial não é imparcial, é que os juízes do Supremo Tribunal não são imparciais. É por isso que Jordi Cuixart está preso, o governo quis e o Supremo Tribunal entrou neste jogo, que este julgamento se celebre diante do Supremo Tribunal e não de outra qualquer jurisdição porque qualquer outra jurisdição os teria deixado em liberdade e muito provavelmente não teria considerado nem rebelião nem sedição os factos do 1 de outubro ou 20 de setembro..Acha que por o julgamento estar a decorrer ao mesmo tempo que o dos políticos envolvidos na organização do 1 de outubro que Cuixart está a ser prejudicado? Se o julgamento do que aconteceu a 20 de setembro fosse separado do de 1 de outubro haveria diferenças? Não, haveria dois julgamentos políticos em vez de um. O simples facto de ser julgado por causa de uma manifestação é problemático. A solução seria que não houvesse nenhum julgamento por organizar uma manifestação a 20 de setembro. É um julgamento político por várias razões, entre outras porque o partido de extrema-direita Vox está presente na sala e está sentado lado a lado do representante do governo espanhol, pedindo a prisão de um líder social e líderes políticos. Têm o mesmo discurso, apesar de o afinarem de maneira distinta. O discurso é o mesmo. Há os independentistas, os líderes políticos e sociais e a extrema-direita e o governo socialista juntos, na acusação. Isto parece-me problemático e sintomático do carácter politico do julgamento..Mas eles são a acusação popular... Há um espaço para as associações da sociedade civil que queiram defender os direitos fundamentais e participar na justiça. Mas estão lá para aplicar a lei e defender o Estado de direito. O Vox está a fazer a sua campanha eleitoral, não está lá para defender a lei espanhola. E os resultados vamos ver a 28 de abril, porque se tiverem muitos deputados no Parlamento é também e sobretudo por causa deste julgamento, pelo facto de o governo espanhol não se ter oposto a que esteja lá. Desde a defesa de Cuixart pedimos a expulsão do Vox e o tribunal não viu nenhum problema. Vão beneficiá-lo com os resultados de 28 de abril e nesse dia espero que o PSOE faça um pouco de autocrítica, porque lhe abriram a via par entrar no Parlamento espanhol. Por outro lado, não é legal que estejam aí. Há um antecedente, de um partido que se chama Falange, que tem menos representantes mas o discurso não está muito longe do do Vox e que participou num julgamento contra Baltazar Garzón, e foi expulso pelo Supremo Tribunal porque estava a fazer política e não a aplicar o direito. Há um antecedente muito claro que diz que quando a extrema-direita quer instrumentalizar a justiça para ganhar visibilidade, se expulsa. Neste caso não o quiseram fazer. Algo quererá dizer. Se é ou não legal segundo o direito espanhol, não quer dizer que seja normal e que a Europa saiba, pelo menos, que de um lado estão democratas e do outro está a extrema-direita acusando-os. E cada um elegerá a sua escolha..Também é advogado de Anna Gabriel, a ex-deputada da Candidatura de Unidade Popular (CUP) que optou por ir viver para a Suíça e escapar à justiça. Como está o caso dela? Anna Gabriel, como Puigdemont, está investigada por rebelião, um crime gravíssimo no Estado espanhol, Anna Gabriel, Carles Puigdemont, Clara Ponsati estão livres e são cidadãos europeus livres. Todos os estados europeus os consideram políticos e ativistas, que não representam nenhum perigo para a sociedade enquanto o estado espanhol considera graves criminosos e pede que fiquem 25 anos na prisão. Anna Gabriel está na Suíça, está livre, está a trabalhar e a viver como qualquer outra cidadã na Europa..Mas os tribunais suíços pronunciaram-se sobre o seu caso? Um porta-voz do governo suíço disse que o procedimento parecia muito provavelmente político e que a Suíça não iria extraditar Anna Gabriel porque estava a ser perseguida num procedimento político, um procedimento que é o mesmo de Jordi Cuixart e o mesmo de Carles Puigdemont. Os suíços e os alemães disseram que não houve violência a 1 de outubro. A teoria da acusação está a ser desmentida por todos os tribunais internacionais e por todos os governos internacionais que se pronunciaram..Porquê a sua presença em Lisboa? Estamos a viajar para apresentar e explicar a situação de Jordi Cuixart. Não posso dar detalhes sobre quem vamos encontrar. Mas dizer que, de uma maneira em geral, encontrámos deputados, representantes executivos, de organizações de direitos humanos e todos têm um interesse particular sobre o caso de Jordi Cuixart. A Europa está-se a expressar em alguns casos, 41 senadores franceses denunciaram a violação de direitos fundamentais e outros, mas, mesmo que nem todos se expressem, as pessoas com as quais temos falado estão ao corrente da situação e consideram escandaloso o que aconteceu em Madrid e o que está a acontecer na Catalunha.