Adriano leva a oficina para o palco e constrói guitarras mesmo à nossa frente
Quando o ator Manuel Wiborg conheceu Adriano Sérgio ainda ele era músico. Encontrou-o quando andava à procura de um contrabaixista para fazer o monólogo O Homem ou é Tonto ou é Mulher. "Foi um encontro feliz", esse que aconteceu em 2001, recorda o ator. Por isso, no ano passado, quando precisou de um músico para fazer mais um monólogo, O Homem da Guitarra, Wiborg lembrou-se imediatamente de Adriano. Mas quando lhe ligou, surpreendeu-se com a resposta: "Já deixei essa vida, agora construo guitarras. Não quero tocar no espetáculo. Mas o som que faço na oficina é muito musical e se quiseres posso entrar na peça", disse Adriano. E assim aconteceu mais um encontro feliz.
Em O Homem da Guitarra, de Jon Fosse, que se apresenta a patir de segunda-feira no Teatro São Luiz, em Lisboa, Manuel Wiborg interpreta um músico de meia idade, "que reflete sobre o seu o passado e que parte para um futuro que não sabemos qual é". "Ao longo da peça, ele vai arrumando a sua vida passada, os sonhos que teve, e vai também desistindo da sua guitarra", explica o ator e encenador. "Interessou-me bastante porque isto acontece muito com as pessoas desta idade, que é a minha. As pessoas têm que se reinventar, de descobrir um novo paradigma para si."
A ideia inicial de Wiborg era interpretar o monólogo acompanhado por um músico. Mas o reencontro com Adriano Sérgio fê-lo mudar de ideias. "A partir do momento em que percebi que teria o Adriano em cena, há um obstáculo que surge: eu não sei tocar guitarra. Mas isso também desperta a criatividade. Eu aprendi uns acordes muito simples para poder tocar. E depois: há um homem da guitarra dividido em dois, um que desiste e outro que constrói. Toda a peça é feita a partir dessa ideia."
Em cena, enquanto Wiborg interpreta o monólogo, ora falado, ora cantado, Adriano Sérgio faz o seu trabalho habitual de construtor de guitarras. Mesmo. "Todas as atividades que faço em cena, faria na oficina. Até parar e fumar um cigarro. Só que estou a fazer ritmo, com a lixa, o martelo ou outro utensílio, e isso tem que ser coordenado com o Manuel - é um trabalho de conjunto. O mais importante é que as pessoas ouçam o Manuel, sei quando não posso atrair as atenções para mim."
Só no final, quando Wiborg sai de cena, é que Adriano Sérgio se aproxima da boca de cena e se dirige ao público, explicando um pouco do seu percurso. Como fez toda a sua formação no jazz e era contrabaixista, tendo tocado em vários projetos, como Coldfinger, Ithaka ou Três Tristes Tigres. E como um dia decidiu mudar de vida. "Achava que não era tão bom quando deveria ser para estar naquele lugar", diz. Como sempre foi fascinado por instrumentos, tornou-se técnico de guitarra, que é aquele que cuida das guitarras dos músicos. Depois de uma digressão europeia com os Moonspell, começou também a trabalhar com bandas estrangeiras, sobretudo na área do metal, como Kreator, Ozzy Osbourbne Anthrax. E, pelo meio, abriu uma oficina de restauro de instrumentos.
Até que, há cerca de três anos, decidiu dedicar-se por completo à construção de guitarras e criou a sua marca, Ergon. "Construir um instrumento é fácil, é só saber a técnica. A minha abordagem é outra: quero criar objetos únicos, com um lado escultural e ao mesmo tempo que sejam confortáveis." Para a sua oficina, Adriano traz todos os seus conhecimentos de músico e também de técnico, e depois tudo o resto, como o gosto que tem pela escultura e pela arte em geral, o design e o prazer enorme que tem em fazer isto: "Nunca copiei um instrumento, recuso-me. Aliás, nem as minhas guitarras copio. De cada vez, mudo alguma coisa, porque já tenho um conhecimento diferente e o meu estado de espírito é diferente."
As suas guitarras são lindas. E quem as toca diz que são também boas. Por isso, o seu trabalho tem sido reconhecido internacionalmente. "Um bom instrumento é feito por boas madeiras, um bom design para ser confortável e tem de ser feito com toda a precisão. Preciso fazer tudo o mais bem feito possível. Ter boas ferramentas ajuda imenso. E usar os ouvidos - isso é talvez o mais importante."
Aos 51 anos, Adriano volta ao palco mas apenas porque pode levar um pouco da sua oficina para lá. "É onde me sinto mais confortável", diz. Está muito longe da vida de músico, de estrada, dos concertos, da noite. Na sua oficina, nos arredores de Loures, Adriano sente-se em casa. Num canto, está o contrabaixo que toca, de vez em quando. Quando lhe apetece. "Continuo a gostar de tocar mas só por puro prazer."