Adriano
A 1.a letra anseia pela 2.a que desenha a 3.a e por aí adiante, como exactamente enquanto escrevo estas linhas ao mesmo tempo que desarrumo todas as gavetas da memória à procura do 1.o momento, o exacto quando, onde, terei ouvido Adriano, Adriano Correia de Oliveira. Procuro, procuro, bato a todas as janelas de vívidas memórias vividas, entro numa onde vozes cantam, afasto todas as outras que atrás se vão desvanecendo, o som está a bater-me na pele, sim, guitarras que teimam em se afinar e muitas vozes cantam, falam, risos, aplausos, muito fumo de todas as cores e de repente silêncio. Um sepulcro de vácuo. Olho e estou algures por 4 paredes de silêncio fechado.
Estou cercado por uma rosa dos ventos de silêncio. Detido de mim, penso ainda nas vozes que estão lá atrás, ou nalgum lado no espaço que o Tempo, não se conhece ali memória.
Penso embrulhando o silêncio em retalhos para abrir o caminho do Tempo e deixando meio abertas as gavetas agarro numa letra que quase me foge e pum catrapum, volto aqui à branca página ainda alva de linda. Sim, as folhas ainda não páginas são alvas e por assim lindas; quantas palavras te só rasgam a linda alvura da vossa brancura oh folhas livres de páginas! Pois e agora mais isto: o branco alvo em movediço ondear faz de mim uma gota do seu mar. Quer engolir-me para que eu não possa pensar e assim não devassar o mar alvo da branca folha de vestido luar.
É este branco da mesma asa da Luz que voa e leva da terra ao céu e do céu â terra a raiz da Paz?
Não consigo pensar afogado no branco mar da folha alva e estou cego de luar. Não consigo pensar.
Não deixa de ser um lindo afogar assim assaz pelo branco da Paz!
Vencido e desaparecido e sou já de mm sugado solto um ai derradeiro e começo a cantar
E por força morrer eu hei, mas a cantar!
Lânguido que nem lamúrias de Alcácer Quibir à procura da Glória do cruel mistério como só o mar tem, pois nele estão e ficam as cores dum dia de Portugal fechado e encerrado, pese a graça da profecia para aliviar a perene agonia daquele Portugal que era ali um dia, também eu engolido pelo branco do mar cantei -" o soldadinho não volta do outro lado do mar, capa negra rosa negra " - serei Lira ou a morte que a matou? Onde estou? Tejo e as mágoas quem tas leva? Ai amigo que nunca mais acendes " no meu o teu cigarro " e vejo muros, muros que se erguem e dançam
macabros à minha volta, " oh minha mãe minha mãe " onde estás e por
quem eu choro? Ai e os poetas que já não têm noite que os acoite, que vento me desfolha e leva oh Amélia que te não vejo... cheio de frio, as mãos que não agarro, mãos e Deus ...
Vou cantando frases, pedaços de memória, daquela que buscava antes de vir aqui parar...
E então, o mar baixa o seu branco muro, minha cerca ... e as letras vão desenhando as palavras e já estou aqui, livre!
A um quem de muito meu bem disse um dia: - Nada peço aos Céus. Tenho as tuas mãos!
O mesmo te digo Adriano: pois das tuas mãos que não toquei mas sinto pela voz de ti a razão do coração que não tem que ter razão alguma, nunca, nunca, para que se permita sentir como de ti eu te tenho e sinto e afago e me impero... cantar-te eu hei!