Administração norte-americana cria pressão ao divulgar a "lista do Kremlin"

São 210 pessoas, entre milionários, governantes e administradores de empresas russas. O Departamento do Tesouro do Estados Unidos promete estar de olho neles. Putin lamenta a "estupidez" da política norte-americana
Publicado a
Atualizado a

"É uma vergonha." Vladimir Putin reagiu com humor sobre como se sentia por não fazer parte da lista de governantes e de oligarcas relacionados com o Kremlin, divulgada ontem pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. O documento referencia 114 altos funcionários do Estado, incluindo todos os ministros, bem como 96 oligarcas com fortunas avaliadas em mais de mil milhões de dólares. Apesar de ter sido elaborado na sequência de uma lei datada de julho que estabelecia um pacote de sanções à Rússia pela interferência nas eleições presidenciais, o documento não é um rol de pessoas que vão sofrer sanções, mas que vão estar sob escrutínio das autoridades norte-americanas.

A lista junta figuras gradas do regime como Dmitri Medvedev (primeiro-ministro), Sergei Lavrov (ministro dos Negócios Estrangeiros), Sergei Shoigu (ministro da Defesa) ou Aleksandr Bortnikov (diretor dos serviços de informação, FSB), e multimilionários como Roman Abramovich (proprietário do clube de futebol Chelsea), Alexander Abramov (dono da metalúrgica Evraz), Mikhail Prokhorov (antigo candidato presidencial e dono do clube de basquetebol da NBA Brooklyn Nets) ou Aras Agalarov (empresário da construção, visto como o homem de ligação entre Donald Trump e Vladimir Putin).

Também incluído no documento, Eugene Kaspersky, administrador da empresa de cibersegurança com o seu nome, foi dos primeiros a reagir: "Acredito que as pessoas que fizeram a lista não compreendem o significado da palavra oligarca. De outra forma não me iriam incluir a mim e a outros empresários de sucesso sem ligações ao governo", escreveu no Twitter.

Se é verdade que o presidente russo, num primeiro momento, mostrou sarcasmo, é facto que ao continuar a falar sobre o tema não escondeu o mal-estar. Em reunião em Moscovo com elementos da campanha eleitoral que se aproxima, considerou o ato "inamistoso": "Agrava as já más relações Rússia-Estados Unidos e atinge com certeza as relações internacionais em geral." Deu como exemplos o tratado de redução de armas estratégicas (START), a cooperação antiterrorista, o Irão e a Coreia do Norte. Sobre estes dois países classificou de "estupidez" a Rússia estar numa lista negra a seu lado e "depois convidado a participar na resolução do programa nuclear norte-coreano e em dar conselhos sobre a questão iraniana".

Apesar de ter deixado para mais tarde uma resposta - "vamos observar com atenção como a situação se desenvolve" -, Putin crê que é um "absurdo total reduzir as relações a zero". Pelo contrário, afirmou que deseja "construir relações estáveis e de longa duração, baseadas nas leis internacionais". Há, todavia, obstáculos que o líder russo não admite. Sem o nomear, deu como exemplo Mikheil Saakashvili, o antigo presidente da Geórgia e ex-governador de Odessa, "um indivíduo de nacionalidade incerta, ucraniana ou georgiana", acérrimo inimigo do Kremlin.

Na Rússia houve reações mais duras. A deputada Irina Yarovaya comparou a lista do Kremlin ou a lista dos oligarcas à prisão de Guantánamo. "Os Estados Unidos estão a instaurar um sistema cujo propósito não está escondido. É o sistema de restrição para os outros e de vantagens só para um país. A América abre um Guantánamo económico para o comércio mundial", acusa.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov - ele próprio um dos 114 dirigentes de topo da lista -, admitiu que a publicação "de tudo e de todos poderá causar danos à imagem e à reputação das empresas, dos empresários, dos políticos e dos líderes".

Essa foi a finalidade desta cartada norte-americana. O círculo mais próximo de Vladimir Putin (mas não o próprio presidente) já é alvo de sanções desde 2014, após a anexação da Crimeia por Moscovo. "O objetivo do relatório é advertir, ameaçar. Adicionar pressão e criar descontentamento", disse à Reuters um antigo alto funcionário com ligações ao governo russo. Um banqueiro ocidental que tem negócios com uma pessoa da lista alvitrou: "Se todas essas pessoas fossem alvo de sanções, 80% dos negócios ficariam parados."

As relações de Washington com Moscovo têm sido marcadas pela tensão. Em termos diplomáticos, Barack Obama deu ordem de expulsão a 35 diplomatas em dezembro de 2016, tendo alegado interferência nas eleições presidenciais. Em julho do ano passado, o Congresso aprovou sanções e limitou a ação presidencial no que respeita às relações com a Rússia. Três dias depois, Moscovo deu ordem de saída a 755 funcionários americanos. Os EUA retrucaram ao cortar a emissão de vistos fora de Moscovo e deram ordem de encerramento aos consulados russos.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt