Adeus Portas, olá Paulo

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Penso que foi na primavera de 1995 que o Paulo me confidenciou que ia abandonar o jornalismo e entrar para a política. Na altura era um segredo pesado. A decisão, difícil, estava tomada há algum tempo. Para mim, o Paulo Portas estava muito mais a abandonar o jornalismo do que a entrar na política. Na verdade, ele vivia e respirava política desde que nasceu. Vivia política enquanto discutia acaloradamente nos intervalos das aulas da faculdade - com o Jorge Ferreira, o Luís Bigotte Chorão, o Manuel Monteiro, o Fernando Pais Afonso; lembro-me de tantas conversas... O bar da Católica era o palco mais frequente das discussões do rapaz do casaco loden verde. Paulo Portas vivia e respirava política quando, aos 16 ou 17 anos, escrevia artigos no Jornal Novo (era então diretora a Helena Roseta). Artigos de opinião que já então resultavam em processos judiciais - lembro-me de o ter acompanhado à Boa Hora, para ser julgado: se não me engano tinha acabado de fazer 18 anos. O Paulo vivia política quando militava na JSD, quando combatia, dos bancos da faculdade, o Bloco Central... E, claro, enquanto foi jornalista. Tirando o cinema - a sua maior paixão -, tudo na vida de Paulo Portas era política. Durante anos, muitos, vi o Paulo como uma pessoa que tinha tinta nas veias. Nós, em O Independente, éramos os únicos que não acompanhávamos visitas oficiais: o Paulo não transigia um milímetro ao "jornalismo do croquete", às notícias discutidas entre "camaradas de profissão" antes de serem escritas... Nada disso: O Independente era, e queria continuar a ser, livre. E por isso não viajava em aviões fretados pelo Estado, não dormia em hotéis pagos por empresas públicas e não se sentava à mesa com o poder. Paulo Portas sabia o que queria. E sabia como era difícil ser verdadeiramente livre num país pequeno em que todos são familiares ou amigos. Quando ele me disse que ia abandonar O Independente, percebi que éramos nós e o jornalismo que o perdíamos. Porque o nosso Paulo, o da tinta nas veias, gostava de cinema e detestava feiras. Gostava de pessoas inteligentes e diretas. E nunca, pensávamos nós, teria gosto, ou, sequer, paciência, para cultivar as relações interesseiras que o jogo partidário supõe. Nessa altura era difícil acreditar que o Paulo Portas alguma vez seria ex-jornalista. Tudo nele era curiosidade e interesse, tudo era comunicação e vida. Percebi pouco depois que tudo isso era política. E é. O Portas jornalista tinha sempre as melhores piadas e as piores críticas, ria sonoras gargalhadas. Sofria o nosso sofrimento a cada "fecho": "Desculpa o atraso, Serrita, saí daqui tão tarde... Isso está a correr bem?" Ontem, quando o vi fazer o que seria supostamente o seu último discurso, despedi-me do Portas e revi o Paulo. Mas, tirando isso, não me perguntem se o Paulo Portas vai deixar a política. Perguntem à política se vai deixar o Paulo Portas.

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