Adam Johnson:"Na Coreia do Norte a censura eliminou a curiosidade"
Adam Johnson é antes de mais professor, o escritor só se lhe cola com força à pele após ganhar o Pulitzer em 2013 com o romance Vida Roubada. Uma exploração do cenário da Coreia do Norte através de um protagonista muito especial, o sobrevivente Jun Do. Dá aulas de escrita criativa na Universidade de Stanford, considerada a segunda mais importante dos Estados Unidos, e participou do Festival Literário da Madeira na semana passada.
Ensina numa das universidades mais competitivas do mundo. É um bom ambiente para a literatura?
Em Stanford temos uma bolsa para jovens escritores que resultam de uma seleção de dez entre duzentos candidatos e que estudam durante dois anos sem direito a diploma. É competitivo sim, mas temos autores que vêm de África, do Alasca, do Pacífico, entre outros lugares, e a minha missão é formá-los.
Colocar a inspiração deles num livro?
Todos são já bons escritores, daí que só possamos ajudar a tornar melhor uma história boa, mas quando se têm dez jovens talentosos tudo pode acontecer.
A universidade é uma incubadora para tecnologia e empresários. Escrever também é importante?
Stanford valoriza este programa de escrita e é muito famoso pois muitos dos grandes escritores americanos passaram por lá, mas é interessante conviver com físicos e empresários no campus que se situa no meio de Silicon Valley, onde é normal cruzarmo-nos com um robô ou um carro sem condutor. Estar imerso na tecnologia só nos mostra como é o mundo atual.
Essa tecnologia não influencia os escritores?
Depende, porque tendem mais a escrever sobre os países de onde vieram, mesmo que ao deixarem Stanford acabem por escrever sobre a região. No meu caso, estou lá há tanto tempo que sinto necessidade de pensar qual é o papel de toda a tecnologia que ali é produzida na nossa vida.
O seu romance está livre de tecnologia, mas toda a que nos cerca não influencia o estado atual da escrita?
Se estivermos em Tóquio vemos que 100% dos cidadãos têm um telefone mas nenhum anda com jornais ou livros. Todo o conhecimento humano está à mão de um telefone, através do qual podemos ter num segundo apenas qualquer peça de Shakespeare, jogar ou estar no Facebook. É também para aí que a América caminha, que será um país onde quando nos aproximamos de uma máquina do café o telefone liga-se-lhe e é no nosso monitor que escolhemos o que a máquina irá fornecer. É uma tecnologia fantástica que, contudo, vai tirar-nos muito da humanidade.
Diz-se que o seu livro contém muito do ambiente do filme Blade Runner. Concorda?
Adoro esse filme, até receio a sequela que aí vem, mas as distopias futuras preveem interligação entre todas as tecnologias e que a humanidade terá de se esforçar muito para não ser posta de lado e viver neste mundo. O autor Philip K. Dick era um visionário e como gosto muito de ficção científica, por isso creio que o meu livro sobre a Coreia do Norte mais não seja do que uma viagem no tempo.
Para se ser professor em Stanford é preciso ter uma certa aura. O Pulitzer foi fundamental para a sua carreira?
Creio que sim. Foi uma surpresa quando o anunciaram; sentei-me no sofá com a minha mulher e disse-lhe que quem ganhava este prémio tinha a vida mudada e, portanto, a nossa também. Receber um Pulitzer não é bom para quem ensina, pois não quero intimidar ninguém que esteja nas minhas aulas.
Com tantos génios das tecnologias, acha que o seu prestígio é comparável ao deles ou o professor de escrita criativa tem menos importância?
Uns valorizam a Física, outros a religião e alguns a escrita criativa. Não penso muito em prestígio e como a universidade é rica tem meios para conceder importância a qualquer curso.
Como é que os Estados Unidos veem a Coreia do Norte?
De duas formas. A primeira, é que a América retrata aquele país como diabólico e nada humano. Se alguém fizer uma piada sobres os portugueses na TV americana, decerto terá de responder por isso, mas pode-se gozar com a Coreia do Norte e não há responsabilidade pois deve ser o único país do mundo que pode ser satirizado sem consequências. Em segundo lugar, olho para esse país como um lugar onde a experiência humana ainda é possível e que permite olhar para nós próprios. Diz-se que lá a vida é intolerável mas os norte-coreanos que estão presos representam 1% da população enquanto nos EUA são 2%.
Esteve na Coreia do Norte. A visita alterou-lhe o processo de escrita deste livro?
Estive lá enquanto escrevia e posso dizer que foi uma visita difícil porque é o único país em que não se pode falar com um norte-coreano. O mais estranho é que não vemos carros ou bicicletas mas milhões a andar a pé e depressa porque as vidas deles têm um horário e são monitorizadas. Quando passeava nas ruas estranhava que ninguém olhasse para mim, até porque eles são pequenos e eu destacava-me na multidão pela altura e por ser diferente. Achava que teriam curiosidade mas ninguém me olhava porque isso poderia ser perigoso, ou seja, a censura eliminou a curiosidade.
Jun Do é um desses personagens que renovam o interesse por um livro. Como surge?
Um livro é um processo de investigação e de descoberta, portanto pensei nos barcos de pesca porque são a forma como interagem com o resto do mundo ou os túneis da zona desmilitarizada e precisei de encontrar um personagem que interpretasse essas realidades para que pudesse dizer o que eu queria.
Se tivesse publicado o romance na era Trump a receção seria diferente?
Nunca pensei isso! Orwell já investigou até que ponto o totalitarismo pode alterar o espírito humano e a própria realidade de cima a baixo, mas penso que este livro mais não é que uma história de amor e sobre uma pessoa que não é dono da sua vida, que acaba por fazer uma opção entre sobreviver e viver. Se o livro fosse publicado na América de hoje a dimensão pessoal seria reforçada, mas os romances são o retrato do seu tempo.