"Acusar o presidente de um crime nunca foi uma opção ao nosso dispor"
O procurador especial sobre a alegada interferência da Rússia nas presidenciais de 2016 nos EUA, Robert Mueller, anunciou esta quarta-feira, numa comunicado surpresa, que a sua investigação não conseguiu determinar que o presidente Donald Trump não cometeu um crime. E que, por causa da Constituição, acusá-lo nunca foi uma opção.
Mueller, com a voz trémula, visivelmente nervoso, anunciou que vai demitir-se e sair do Departamento de Justiça dos EUA para voltar à vida privada e que, ao contrário do que queriam muitos congressistas, sobretudo os democratas, não vai testemunhar no Congresso norte-americano sobre o tema da interferência russa nas eleições norte-americanas.
Remetendo para as conclusões do seu relatório, divulgado pelo procurador-geral dos EUA, William Barr, a 18 de abril, Mueller declarou que se o seu gabinete "estivesse confiante de que o presidente não cometeu um crime, te-lo-ia dito. Não conseguimos, porém, determinar que o presidente não cometeu um crime".
E explicou, citando o que é a política interna do Departamento de Justiça, que "um presidente em funções não pode ser acusado de um crime federal porque isso é inconstitucional. Acusar o presidente de um crime não era, portanto, uma opção ao nosso dispor".
Mueller, de 74 anos, avisou que decidiu "falar hoje porque a investigação está completa. O procurador-geral tornou o nosso relatório público e a nossa investigação é amplamente conhecida". A investigação do procurador especial sobre a interferência russa nas presidenciais norte-americanas durou 22 meses.
Sublinhando as conclusões do relatório, de que a Rússia tentou interferir nas eleições e que isso deveria preocupar qualquer americano, não sendo possível aferir se, nessa tentativa, contou ou não com o conluio de Trump e dos seus, confirmando que não vai testemunhar sobre o assunto no Congresso.
"Tem havido discussões sobre uma comparência no Congresso. Qualquer testemunho deste gabinete não irá para além do que consta no relatório. Ele contém as nossas conclusões e análises e as razões para as decisões que tomámos. Escolhemos muito bem as palavras e as palavras falam por si próprias. O relatório é o meu testemunho. Não vou fornecer mais informação para além daquela que já é pública em qualquer comparência perante o Congresso", sublinhou, saindo do pódio do Departamento de Justiça sem aceitar responder a quaisquer perguntas dos jornalistas.
Numa primeira reação, Val Demings, democrata, membro do comité de Justiça da câmara dos Representantes, instou o Congresso a agir. No Twitter, escreveu: "O procurador especial Robert Mueller disse que 'acusar o presidente de um crime nunca foi uma opção ao nosso dispor' à luz do que é a política do Departamento de Justiça. Ele não disse que foi por falta de provas. Foi por causa da política do Departamento de Justiça. Ele disse que isto 'merece a atenção de qualquer ameriano'. Ele tem razão. O Congresso deve agir".
Justin Amash, republicano, tweetou por seu lado: "A bola está no nosso campo, Congresso" Amash permanece isolado no seu partido, sendo o único membro do partido que apoiou Trump a considerar que o presidente cometeu delitos passíveis de impeachment à luz do que está no relatório de Mueller. Jerry Nadler, presidente do comité de Justiça da câmara dos Representantes, considerou, por sua vez, que "cabe agora ao Congresso dar resposta aos crimes, às mentiras e quaisquer outras coisas de mal que tenham sido feitas pela presidente Trump".
O presidente republicano e multimilionário reagiu, de imediato, também através do Twitter, ao comunicado feito por Mueller: "Nada mudou desde o relatório Mueller. Não houve provas suficientes e quando isso acontece, no nosso país, uma pessoa é inocente. O caso está encerrado! Obrigado".
Este foi a primeira vez que o procurador especial Robert Mueller se pronunciou publicamente desde a divulgação do seu relatório de 448 páginas, no mês passado. A última vez que tinha falado publicamente tinha sido há dois anos, quando tinha sido nomeado procurador especial. "Aceito esta responsabilidade e cumprirei o melhor que for capaz", indicou então.
A sua declaração, que foi anunciada de surpresa apenas horas antes, foi relativamente breve. A Casa Branca terá sido informada na terça-feira à noite e o procurador-geral, William Barr, soube com antecedência do conteúdo da declaração.