Acusados de imigração ilegal no Algarve foram absolvidos. "Não há provas"

Tribunal de Portimão diz que há conclusões retiradas das escutas telefónicas que não correspondem às conversas. Entre arguidos e vítimas havia já quezílias antigas, que envolvem a sedução de uma mulher.
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Os três indianos foram detidos pelo SEF e acabaram acusados de vários crimes, entre auxílio à imigração ilegal, extorsão, ameaça agravada e ofensa à integridade física. Agora, os juízes do Tribunal de Portimão não encontraram provas que permitissem condenar os três acusados. Foram absolvidos de todos os crimes, num acórdão, datado de 7 de maio, em que a investigação do SEF do Ministério Público merece reparos por fazer, de forma conclusiva, resumos de escutas telefónicas feitas aos arguidos que depois não se encontram espelhadas nas transcrições das conversas. De resto, o tribunal refere que antes deste processo já existiam quezílias antigas entre vítimas e arguidos, que incluem uma alegada tentativa de sedução de uma mulher, entre outras desavenças.

Um dos principais acusados foi um homem indiano, 52 anos, que reside em Portugal desde 2006 e que inclusive já tem a nacionalidade portuguesa. Outros dois indianos, de 32 e 37 anos, estavam também acusados, um deles em menor número de crimes. Dizia o Ministério Público (MP) de Silves, apoiado numa investigação do SEF, que os principais arguidos recebiam dinheiro de cidadãos hindustânicos (Índia, Bangladesh, Nepal) para conseguir a sua legalização, mas que depois ficavam com o dinheiro e nada faziam. Apontava que os ameaçavam e extorquiram dinheiro a alguns dos queixosos. E um deles até os tinha tentado atropelar. Por isso, um dos indianos estava acusado de um crime de auxílio à imigração ilegal (tal como outro arguido), quatro de extorsão, sendo dois na forma tentada, quatro de ameaça agravada e um de ofensa à integridade física, na forma tentada. Foi absolvido de todos.

"Em suma inexiste prova cabal - face ao conflito existente entre arguidos e ofendidos - que os factos se tenham passado como constava da acusação, pelo que na dúvida dão-se os mesmo como não provados", lê-se no acórdão, em que o coletivo de juízes refere na análise das várias situações em julgamento que não há prova suficiente para concluir pela existência de crime.

Não se provou que os dois principais arguidos tenham engendrado um plano para enriquecerem à custa de imigrantes, com pedidos de dinheiro, entre 1500 e 2000 euros, para tratarem da sua legalização. A acusação dizia que pediram 1500 euros a um homem para agilizar a sua regularização junto do SEF mas depois nada fizeram. Ora a vítima testemunhou que entregou dinheiro mas depois não foi saber o que tinham feito para o ajudar. Este desinteresse levantou dúvidas aos juízes sobre a credibilidade da testemunha.

Outro dos factos da acusação indicava que um dos homens alugava apartamentos e depois colocava lá imigrantes, ganhado dinheiro. Como exemplo, davam um caso de um apartamento em que pagava 250 euros e depois recebia 350 euros dos imigrantes. O tribunal reconhece que isto acontecia - "na verdade lucrava com o aluguer das casas" - mas também ficou claro que o homem adiantava o dinheiro quando os ocupantes das casas não tinham, pagando luz, rendas e água. Acabava por ser um fiador. Não se conseguiu apurar se ganhou muito dinheiro.

Nas buscas efetuadas pelo SEF foram encontradas 23 pessoas nos apartamentos alugados, sendo que apenas sete estavam legais. Esta situação também não é suficiente, já que, além de tratar de arranjar as casas quando os imigrantes já se encontravam em Portugal, não houve nenhuma prova de que o arguido cometeu o crime de auxílio à imigração ilegal. "Não se pode concluir que o arguido tenha facilitado a entrada ou trânsito ilegal de cidadãos", concluíram os juízes.

Escutas mal resumidas

A investigação do SEF merece reparos. Ouvido em tribunal, o inspetor do SEF, instrutor de todo o processo, admitiu que só soube do auxílio à imigração legal através das escutas telefónicas, quando ouviu pessoas a pedir ajuda para se regularizarem. Depois, resultado das vigilâncias externas aos suspeitos, foram vistas pessoas a entregar dinheiro ao arguido, mas não se apurou concretamente a que título. Dos testemunho em tribunal, os juízes concluíram que havia dois grupos, originários da mesma região, mas com pessoas que já não se davam bem umas com as outras.

Outro dos reparos feitos é a forma que foi efetuado resumo da transcrição de escutas telefónicas. Há casos em que nos autos aparecem resumos "totalmente conclusivos" de factos que depois não encontram correspondência nas transcrições das conversas. São dados dois exemplos, em que o resumo imputa aos arguidos factos que depois, ouvidas as conversas, percebe-se que não serem assim tão evidentes ou até factuais. Em suma, o tribunal diz que há resumos das escutas telefónicas "não espelhando em lado nenhum [as transcrições] os factos em que se baseiam."

Perante os magistrados, o arguido negou tudo - disse que apenas ajudava imigrantes a arranjar casa e justificou os 400 euros que a acusação diziam ser extorsão, como um acordo feito entre um grupo de pessoas para o pagamento de custas judiciais de um processo em que tinham estado envolvidos. Isto foi confirmado por uma das vítimas que se queixava de ter dado esse dinheiro. Admitiu em tribunal que existia já um conflito entre eles, vítimas e acusados, e que houve mesmo uma reunião para acertar quem pagava as custas.

Outras duas testemunhas, um casal que foi alegadamente vítima, admitiram em tribunal que havia uma quezília antiga. Disseram que o principal arguido tentava seduzir esta mulher e a perseguia. Os juízes enumeram mesmo alguns processos entre os intervenientes deste processo e verificam que é "manifesta a animosidade", sendo que os seus "depoimentos são manifestamente contraditórios entre si."

Sobre o crime de tentativa de ofensa à integridade física, uma alegada tentativa de atropelamento, nada ficou provada. A principal testemunha admitiu ao tribunal que havia uma zanga e que se o arguido quisesse atropelá-los, poderia tê-lo feito. Por isso, o tribunal acabou por não considerar provado que houve crime.

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