Setenta anos após a fundação e 30 anos depois da queda do Muro de Berlim, que marcou o fim da Guerra Fria, ainda faz sentido haver uma aliança militar chamada NATO? Faz todo o sentido e acredito mesmo que, se a NATO não existisse, tinha de ser criada agora. A NATO já passou por diferentes situações e grandes momentos de mudança - lembremos a crise do Suez em 1956, a saída da França da estrutura militar, depois a discussão sobre as armas nucleares, a queda do Muro de Berlim, em que toda a gente se interrogava sobre o que é que iria acontecer à NATO. Tivemos o privilégio de ter grandes líderes mundiais, que conseguiram encontrar uma ideia mobilizadora da NATO: "Todos juntos em democracia, em paz e em liberdade." E foi essa ideia que agarrou a NATO para este período pós-Guerra Fria. Devemos isso ao presidente Bush pai, ao chanceler Kohl, ao presidente Mitterrand e à primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher. Em 2014, surgiram dois problemas fundamentais com os quais lidamos hoje: a invasão da Crimeia e parte leste da Ucrânia pela Rússia, e também o Estado Islâmico nas fronteiras da NATO, que teve como consequências o aparecimento e recrudescimento da guerra na Síria, a intensificação dos ataques terroristas na Europa... Enfim, um conjunto de circunstâncias que levaram a que a NATO tivesse de se reestruturar e empenhar deliberadamente naquilo que é o seu propósito fundamental e perene desde a sua constituição: manter a paz na Europa. Beneficiámos, de facto, de 70 anos de paz que permitiram os níveis de progresso e de bem-estar em que vivemos. Sem isso não teríamos essas condições..A Rússia voltou a ser o rival estratégico da NATO e o jihadismo tradicional é claramente também um inimigo. Acrescentava uma potência em ascensão como a China a este rol de adversários potenciais da NATO? Sem dúvida que a China é um desafio emergente à NATO. Mas a China tem de ser encarada na seguinte perspetiva: é, sem dúvida, uma potência económica e política muito relevante e em ascensão e, também, com uma capacidade crescente do ponto de vista tecnológico. Nessas circunstâncias, como é evidente e como é normal no processo de ascensão mundial das potências, há um estatuto de força mais elevado. Aquilo que se tem visto é que há uma ação global da China em termos políticos e económicos. Como é que se pode lidar com uma potência desta natureza? Tendo em consideração que a NATO e os países da NATO têm de manter relações próximas com a China, estarem atentos sobretudo àquilo que são as novas capacidades tecnológicas que a China está a desenvolver, porque são elas que vão ser habilitantes de posições estratégicas diferentes no futuro..O crescente orçamento militar da China e também um certo investimento da Rússia em armamento significam que a solidez da NATO, tal como pedem os americanos, tem muito que ver com a capacidade dos Estados membros contribuírem com 2% do PIB para as despesas militares? É efetivamente necessário que os membros da NATO sejam capazes de fazer esse investimento? É. A NATO tem um conjunto de desafios que podemos classificar em internos, externos e outros que são emergentes. Já falámos num, que é a China. Dentro do que são os desafios internos é fundamental que se reforce a capacidade, a qualidade, dos [países] europeus, porque o que se tem visto é que há um conjunto de países que de facto atingem os 2%, os compromissos de Gales que são os 2% do PIB, para despesas de defesa. Desses 2%, 20% são para investimento mas depois há um conjunto alargado de países que não cumprem isso, enquanto os Estados Unidos gastam 3,5% do PIB em despesas militares..Convém salientar que esta é uma exigência de Barack Obama e não de Donald Trump. Já vem de trás... Já vem de trás, exatamente. Estas exigências de burden-sharing não têm que ver só com dinheiro, têm que ver com as capacidades e também com as ações que se fazem. Os compromissos e o empenhamento nas operações não são do presidente Trump, já vêm de trás. Desde o tempo do presidente Reagan que existe essa incentivação por parte dos Estados Unidos para que os aliados europeus invistam mais. Essas capacidades são fundamentais e, neste contexto, para quê? Para garantir que a NATO mantém o diferencial de capacidades relativamente às potências que são os seus adversários, digamos assim. Sobretudo em relação às capacidades tecnológicas que a Rússia tem e a que nós temos de estar muito atentos, nomeadamente as capacidades de inteligência artificial, de ciberdefesa, de robótica, biotecnologia e computação quântica. São essas as grandes capacidades que vão dar um potencial diferenciador às Forças Armadas no futuro..Ora, o que é que acontece hoje? As questões, do ponto de vista militar, não podem ser só vistas na ótica dos 2% de despesas globais e dos 20% de investimento, também têm de ser vistas na ótica do planeamento de forças. Penso que um dos grandes desafios na NATO na atualidade é fazer evoluir o processo de planeamento de forças e o objeto que se trata no planeamento de forças - as capacidades militares que ainda estão muito centradas nos meios físicos, digamos assim, nos aviões, nas viaturas militares, nos navios de guerra - para este tipo de capacidades que as novas tecnologias ligadas à área digital vêm permitir. Estamos num momento de viragem, por isso é que digo que a NATO também é muito necessária e este momento de viragem tem que ver com a utilização da tecnologia para mudar a forma como se pode fazer a guerra. Se estudarmos a guerra desde a Antiguidade até aos dias de hoje, vemos que as primeiras lutas dos homens foram usando a sua própria força física. Depois usaram pedras, paus, etc., um conjunto de armas e nenhuma delas desapareceu, como não vão desaparecer os navios, os aviões e os blindados. Vão é sempre surgir novas armas e o tempo de viragem em que estamos é este, é o da incorporação das tecnologias digitais na forma de fazer a guerra e é por isso que a NATO precisa de investir mais dinheiro para manter o diferencial tecnológico relativamente aos países que já estão a trabalhar essa área, nomeadamente a Rússia e a China..A NATO precisa de ser mais forte dessa forma e precisa também de ser mais forte continuando o seu alargamento. Por exemplo, faz sentido defender que a Ucrânia ou a Geórgia, apesar de isso implicar um maior risco de conflito com a Rússia, sejam potenciais membros? Ou seja, há limites para o alargamento da NATO ou não? Além de chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, tenho uma carreira académica e estudo estes assuntos há muitos anos. O alargamento que surgiu depois de 1989 - uma medida extraordinária desses líderes que há pouco enumerei - permitiu que 13 países entrassem na NATO e mais cerca de cem milhões de pessoas na Europa passassem a beneficiar destas condições de segurança. Hoje, nesta grande aliança, somos cerca de 900 milhões de pessoas que vivem neste mundo de paz e de estabilidade e de desenvolvimento que a NATO nos proporcionou. Como princípio, a NATO mantém as suas portas abertas e deve mantê-las aos países europeus que cumprem os requisitos de acesso. Evidentemente que a Geórgia e a Ucrânia são dois parceiros - a NATO tem 41 parceiros - que têm uma ligação especial e que visam a adesão à NATO. Todavia, para isso há um conjunto de regras que têm de ser cumpridas e evidentemente que este diferendo que existe relativamente à ocupação dos territórios quer da Geórgia quer da Ucrânia pela Rússia é um fator político de enorme importância que vai, evidentemente, condicionar a adesão desses dois países..Olhando para o passado recente: as missões dos Balcãs e, depois, sobretudo a missão do Afeganistão implicaram também uma vocação da NATO para sair do contexto do Atlântico Norte e ser mais global. Por razões diferentes. A missão dos Balcãs vem na sequência da desestabilização que ocorreu na Europa a seguir à queda do Muro de Berlim e foi necessário a NATO avançar para estabilizar essa região, o que conseguiu com muito sucesso nesses países. Apesar de a paz ser sempre algo frágil e de que se tem de cuidar muito. Daí a NATO continuar com uma presença nessa região. A situação do Afeganistão tem que ver com o 11 de Setembro e com tudo aquilo que ocorreu e com a ação da Al-Qaeda. Neste contexto relembro um aspeto extremamente importante: a NATO invocou imediatamente o artigo 5.º no apoio aos Estados Unidos, a seguir aos atentados em Nova Iorque e em Washington, e foi essencial para se desmantelar uma base de apoio da Al-Qaeda que, evidentemente, era um viveiro de terroristas que desestabilizavam diversos países na Europa. Nós sabemos bem as consequências dos atentados em Paris, em Espanha, em Londres, na Bélgica, etc. Tudo isso foi contido graças ao esforço que os aliados fizeram. Relembro que no Afeganistão morreram milhares de soldados da NATO, cerca de 2500 dos Estados Unidos e mais de mil dos países que apoiam a NATO. Isso é um aspeto que quero salientar porque demonstra, de facto, uma característica essencial que é, digamos assim, o núcleo fundamental da NATO - a defesa coletiva e a coesão dos aliados na resposta a ações que têm que ver com o artigo 5.º..Evidentemente que a NATO atuou fora daquilo que eram as suas fronteiras tradicionais, mas também nós bem sabemos que quando a NATO foi criada, em 1949, o que existia era um inimigo claro que era a União Soviética, defesas fixas nas fronteiras e com as capacidades desse adversário claramente definidas. Tudo mudou a seguir à queda do Muro de Berlim, desconjuntou-se o sistema bipolar que existia e começaram a emergir novos problemas de segurança. A NATO, mais uma vez com grande flexibilidade, demonstrou uma extraordinária capacidade para se adaptar às circunstâncias estratégicas do mundo em que vivemos. Portanto, o que é que foi fazer? Projetar estabilidade nas nossas fronteiras e na área envolvente da NATO. O Afeganistão era essencial que fosse estabilizado e está agora em vias disso - há processos negociais. Evidentemente que sem os afegãos se entenderem, nomeadamente o governo e os talibãs, não haverá paz. O presidente dos Estados Unidos declarou que as forças americanas se retirariam do Afeganistão, mas certamente que o vão fazer dentro daquilo que é um princípio fundamental da NATO, que é: se entrámos todos, vamos sair todos. E depois com regras, para que se não desconjunte todo aquele sistema e os progressos políticos que entretanto já foram alcançados..Portugal foi um dos países fundadores da NATO há 70 anos. Nessa altura que impacto teve nas Forças Armadas a entrada nesta aliança? Teve um impacto extraordinário. Em 1949, Portugal era o único país que não correspondia plenamente ao que está escrito no preâmbulo do Tratado de Washington, que é: "Nós, aqui, as democracias juntas..." Evidentemente que Portugal não era, nessa altura, uma democracia. Então, o que é que levou Portugal a ser admitido? A extraordinária valia geoestratégica do nosso território..Que influência é que a NATO teve? Ao nível dos procedimentos, ao nível da doutrina, ao nível dos equipamentos, ao nível daquilo que foi a preparação das nossas Forças Armadas para uma situação em que nós estivemos essencialmente preocupados em garantir a nossa autoridade nas colónias, para nos transformarmos numas Forças Armadas mais modernas, mais capazes, mais competentes, mais operacionais. Essa evolução que se verificou entre 1949 e 1961 foi essencial para aquilo que foi o resultado do empenhamento operacional da Guerra do Ultramar. Muito dessa evolução que se verificou nas Forças Armadas entre 1949 e 1961 explica a nossa capacidade de resposta ao conflito ultramarino..A Guerra Colonial implicou um afastamento da aliança de década e meia... Não foi um afastamento total nem igual das Forças Armadas. A Marinha esteve sempre presente nas forças do Atlântico, manteve sempre um navio naquilo que se chamava STANAVFORLANT. O Exército não o pôde fazer, foi completamente empenhado na Guerra Colonial e há um período em que, de facto, o Exército e a Força Aérea também, em certa medida, estão muito focalizados na Guerra do Ultramar. Na Marinha, como tem um sistema de forças diversificado, as fragatas eram usadas no âmbito dos compromissos nacionais com a NATO enquanto os outros navios eram utilizados na Guerra do Ultramar. Era um empenhamento da Marinha que se manteve sempre, mas de certa forma residual e limitado apenas a um navio, e isso teve uma grande vantagem para a Marinha ao nível doutrinário - mantivemo-nos sempre profundamente atualizados com a doutrina da NATO. O que se passa no Exército é um pouco diferente, quando acaba a Guerra do Ultramar as nossas forças terrestres eram de enorme dimensão, teve de se reajustar todo o dispositivo e, depois, há uma focalização progressiva das ações da NATO e que tem grande influência na modernização do nosso Exército também e que tem permitido o empenhamento nas missões - já se falou aqui nos Balcãs - e em todas estas missões onde o nosso Exército tem tido um desempenho extraordinário. A NATO dá-nos interoperabilidade, dá-nos doutrina, permite-nos mantermo-nos atualizados a nível da tecnologia. Os exercícios, os treinos, todo o equipamento, de tudo isso nós beneficiamos muito de estarmos na NATO. Aliás, quando há pouco referi que há 41 parceiros da NATO, o que é que eles beneficiam? É também de muitos destes aspetos, para manterem as suas Forças Armadas tendo como referência o que de melhor há no mundo, que é a NATO, por causa do papel de liderança dos Estados Unidos e das capacidades que os americanos têm. O facto de estarmos a trabalhar com os padrões mais elevados daquilo que são as capacidades e os procedimentos militares explica muito que Portugal, apesar de ser um pequeno país com umas Forças Armadas de reduzida dimensão, tenha o desempenho militar que tem quando é chamado a cumprir as missões mesmo nos teatros mais exigentes. Quer a nossa Força Aérea, por exemplo, que está agora na Polónia ou como esteve na Lituânia e em que do outro lado tem a aviação da Rússia, quer a nossa Marinha, quando também está nos mesmos teatros com o mesmo tipo de atores contrários, quer o nosso Exército, quando estava no Afeganistão ou quando está na RCA [República Centro-Africana], têm os desempenhos que têm. Nós podemos perfeitamente aferir aquilo que é a valia do equipamento, dos procedimentos, do treino da NATO pelo extraordinário desempenho dos nossos soldados na RCA em missões de combate, em que são, de facto, elogiados por todos os militares do mundo. Na reunião do Comité Militar da NATO, há uns meses, a única operação militar de que se falou foi a da nossa força na República Centro-Africana. E nem é uma missão da União Europeia, é uma missão das Nações Unidas. Mas como nós estamos na missão de treino [da UE] houve essa ligação e todos elogiaram o desempenho dos nossos militares. Ora, isso deve-se muito ao facto de pertencermos à NATO e podermos beneficiar dos conhecimentos que adquirimos, dos exercícios e das tecnologias que são proporcionados por essa organização..Nos instrumentos que a NATO tem estão os mecanismos de planeamento estratégico, de definição de forças... Portugal adota esse tipo de mecanismos, por exemplo em relação à definição dos efetivos que são necessários? Adota. Há um processo de planeamento que é o NATO Defence Planning Process [NDPP] e a União Europeia também tem um sistema de planeamento semelhante. Esses procedimentos, aquilo que fazem é, em função do conceito estratégico da NATO, colocar desafios aos países em termos de capacidades. E os países vão respondendo em função dos seus interesses nacionais também, porque, evidentemente, aos países membros da NATO interessa ter sistemas de forças equilibrados. A partir da guerra da ex-Jugoslávia, e até há bem pouco tempo, os aspetos marítimos da NATO foram secundados. A NATO decidiu novamente, fruto daquilo que é a ação da Marinha russa no Atlântico, colocar a prioridade nos aspetos marítimos porque está a ter desafios no mar. Os países, e sobretudo países como nós, que não têm uma indústria militar robusta, com capacidade de resposta rápida, têm de ter muito equilíbrio na gestão dos seus sistemas de forças, têm de manter as capacidades da Marinha, do Exército e da Força Aérea sempre com possibilidades de acorrer aos múltiplos desafios que possam surgir, muitos deles até de forma imprevisível. Por isso, para nós, o processo da NATO de planeamento é muito importante a partir de 1993, quando foi adotado aqui no Ministério da Defesa. Eu trabalhei muito, praticamente desde 1993 até agora, nesses processos, tanto como militar como na minha vida académica. Os meus principais trabalhos académicos publicados são nessa matéria, o estudo do planeamento de forças, porque é essencial para nós - que somos um pequeno país com uma economia não muito robusta, com limitações financeiras - garantirmos que as nossas Forças Armadas podem acorrer com as capacidades equilibradas a fazer face aos desafios. Se não o fizermos, corremos o risco que estamos a correr na RCA, que é não termos helicópteros para proteger a nossa infantaria. Isso obriga-nos a tomar medidas cautelares noutras áreas, que foram as de reforçar muito os nossos meios blindados. Para atuar naquele tipo de conflito - que é umas vezes de guerrilha urbana, outras vezes ações militares nas florestas - era essencial dispormos permanentemente de helicópteros e as Nações Unidas nem sempre proporcionam esse apoio aéreo. Foi isso que nos levou a reforçar a blindagem da nossa força. Ora, para que não se cometam novamente este tipo de erros e se desequilibre o nosso sistema das forças, é muito importante esse processo de planeamento onde essas questões são debatidas..Com a democracia e com as alterações no ambiente geoestratégico, Portugal perdeu, ou foi perdendo em momentos diferentes, os comandos navais que tinha na Aliança. Não teria sido mais adequado privilegiar infraestruturas de formação ou de planeamento de forças, por serem mais estáveis e menos sujeitas a essas mudanças, como parece ser agora o caso da Academia de Comunicações [em Oeiras]?.Acho que sim, mas a questão dos comandos é uma questão, digamos assim, de visibilidade. Mas não podemos esquecer-nos de que temos aqui uma força essencial localizada, que é a STRIKFORNATO, e estamos num processo de capacitação das instalações dessa força para que este quartel-general tenha todas as condições para poder funcionar. Ao mesmo tempo, estamos a edificar e já está concluída - está agora num processo de instalação - a Academia de Comunicações da NATO, que vai contribuir imenso para o papel de Portugal na Aliança ser reconhecido com enorme visibilidade, consideração e respeito. Mas também vai ter uma grande influência em Portugal, porque aquela Academia vai permitir formar os nossos militares em muito maior número do que o fazíamos. Nós, por ano, mandávamos a Latina [Itália], onde estava instalada esta Academia, cerca de 50 militares. Estimamos que, tendo a Academia aqui, podemos dar formação de diversa natureza e também de duração completamente distinta a cerca de 500 militares portugueses todos os anos, por causa das despesas. Isso vai-nos permitir manter os nossos conhecimentos de ponta num conjunto mais alargado de pessoas em áreas fundamentais que já enunciei - as áreas da ciberdefesa, da robótica, das comunicações, etc., vão ser tratadas aqui na Academia e nós vamos ter acesso à melhor formação que existe na NATO por ela estar aqui à nossa porta..Por outro lado, a Academia também vai ser um elemento de ligação da NATO à nossa indústria e às nossas universidades. Vamos poder beneficiar das atividades para envolver a nossa indústria e também as universidades em projetos de investigação. Portanto, estou inteiramente de acordo sobre este tipo de atividades ser, porventura hoje, mais potenciador da nossa ação no seio da NATO do que era o comando [fixo]. Também não me posso esquecer do JALLC, o Centro de Lições Aprendidas, que está instalado em Monsanto e que é também outro elemento fundamental da NATO. Porquê? Porque é aqui que se congrega toda a aprendizagem das operações da NATO e daqui se difundem conhecimentos para as Forças Armadas de todos os países, para a melhoria da atividade operacional que as Forças Armadas da NATO fazem e também para a estandardização dos procedimentos. Por isso, a Academia por um lado, o JALLC por outro e a STRIKFORNATO, que é um elemento de projeção de força muito capaz, vão permitir que Portugal tenha ainda uma posição mais relevante na NATO do que quando tínhamos aqui apenas um comando operacional..Visitou há dias o comando da NATO em Itália, Nápoles, que é responsável por esse quartel-general em Oeiras. Vai haver novidades em termos de investimento ou uma maior aposta da NATO na STRIKFORNATO? Sim, vamos aumentar as instalações. Eles estão provisoriamente com algum pessoal no que eram as instalações do antigo Comando Naval enquanto fazemos a construção de um bloco com três andares que vai permitir alojar todo o pessoal que a STRIKFORNATO pretende. Vamos também construir, com fundos comuns da NATO, o edifício de alojamentos para a nossa Academia; estamos neste momento num processo de reestruturação das infraestruturas do Reduto Gomes Freire. Estamos em negociação com a Câmara de Cascais para os parques de estacionamento virem para o exterior, para que possamos requalificar as infraestruturas do Reduto Gomes Freire para acolhermos bem a STRIKFORNATO, para potenciarmos as capacidades da Academia e também para que, depois, as atividades das 14 entidades que estão localizadas no Reduto Gomes Freire possam ser feitas de acordo com aquilo que são os padrões da NATO. Porque, por exemplo, uma das questões para que a NATO nos chama muito a atenção é para as condições de desporto e as condições sociais dos militares. Temos em curso uma remodelação dessas infraestruturas logísticas de apoio, mas já temos também os planos para a requalificação do quartel da STRIKFORNATO. São investimentos para os próximos cinco anos que já foram apresentados ao ministro da Defesa e já foi encontrado financiamento para alguns deles. Com a Lei das Infraestruturas Militares vão ser encontrados recursos financeiros para pôr em prática esses planos..Qual é o nível de investimento de que estamos a falar? O nível de investimento será na ordem dos 15 milhões de euros..Em relação à nossa missão na RCA, já referida, há diferenças essenciais entre missões da NATO e missões da União Europeia ou da ONU? Há. Há profundas diferenças porque a NATO é uma organização militar que tem uma cadeia de comando, tem centros de comando, tem doutrina, tem procedimentos, há interoperabilidade entre os militares - e isso faz toda a diferença -, há sustentação logística, há aliados que têm capacidades inigualáveis e, portanto, se um aliado não tem essas capacidades, na NATO encontra-se forma de suprir essas necessidades. Nas Nações Unidas não existe isso. As Nações Unidas não são uma organização militar, têm uma estrutura que conduz operações de ajuda humanitária e operações de paz. Agora, aquilo que se passa é que a operação na República Centro-Africana, que era uma operação de ajuda humanitária, tem momentos que são ações de combate e nessas ações de combate o que é que se encontra? Encontram-se forças de diferentes países que não estão habituadas a operar de forma conjunta. As capacidades de comando e controlo são muito limitadas quando comparadas com aquelas que existem na NATO. Os meios de vigilância do campo de batalha, sejam drones, sejam satélites, sejam, por exemplo, os helicópteros de que há bocado falei, sejam outros equipamentos, são muito reduzidos e, portanto, a forma como se combate tem limitações que não há na NATO..Isso faz toda a diferença e é por isso que é ainda mais valioso o extraordinário desempenho dos nossos soldados na RCA, porque, estando a operar com todas estas limitações, conseguiram desmantelar com as suas ações diretas o principal grupo que impedia a paz na República Centro-Africana, que assassinava indiscriminadamente inocentes. Relembro aqui uma operação que se passou há cerca de oito meses, em que os nossos paraquedistas tiveram de ir resgatar as pessoas que estavam num serviço religioso na Igreja de Nossa Senhora de Fátima - e mesmo assim ainda foram mortos dois padres -, e, portanto, foi pela ação direta das nossas tropas que estes 14 grupos rebeldes da RCA foram forçados a fazer a paz. Isto é algo de extraordinário, que temos todos de reconhecer e que é fruto da competência das nossas Forças Armadas e do nosso Exército. Porquê? Porque, embora haja muitos militares na RCA nestas ações, a primeira força de choque tem sido os comandos e os paraquedistas. Depois vão, evidentemente, as forças dos outros países - também há lá forças muito competentes -, não têm é as mesmas capacidades que tem a nossa força, não têm o mesmo treino, não têm a mesma capacidade de atuação fruto dos meios e das condições que as nossas tropas lá têm..Quando fala da qualidade dos nossos militares no conflito centro-africano recorda-me um livro sobre história militar portuguesa do professor Severiano Teixeira e de uma entrevista que lhe fizemos no DN, em que ele diz que ao longo da história, em momentos decisivos, se revela uma bravura do soldado português que surpreende. Isso é uma característica que, como militar e como académico, consegue ver? Ou seja, o militar português ao longo dos séculos, em situações de dificuldades extremas, revela alguma coisa de aptidão militar que surpreende? O militar português revela duas coisas fundamentais: revela essa bravura, essa abnegação, mas revela humanidade. Portugal nunca teria feito o império que fez se fosse exclusivamente pela força militar. Porquê? O nosso país, nessa altura em que fizemos a expansão, tinha menos de dois milhões de pessoas. Não tinha homens suficientes para controlar esses imensos territórios se não fosse por uma forma portuguesa de ver e de viver o mundo, de se relacionar com os outros povos. Isso também acontece na República Centro-Africana. Os nossos soldados tanto combatem com enorme bravura como nesse mesmo dia estão a distribuir camisolas, rebuçados, bolas, aos cidadãos da RCA e são aplaudidos pela multidão. Isso é uma característica do ser português, é uma característica nossa..Recentemente, o presidente Trump fez uma alusão a que o Brasil poderia estar na NATO ou, eventualmente, ser um parceiro da NATO. Entretanto, o nosso ministro da Defesa também falou de uma cooperação militar mais estreita dos países da CPLP. Olhando para o Atlântico Sul como um espaço onde o mundo lusófono tem uma predominância, imagina a NATO, e através dela Portugal, de alguma forma a ter uma esfera de influência maior nessa zona? Não só imagino como já constato. Por exemplo, ainda na semana passada, o almirante Foggo, comandante do JHQ [Quartel-General Conjunto] de Nápoles, da estrutura de comando ao qual está subordinado a STRIKFORNATO, foi a Cabo Verde e a própria NATO tem feito algumas atividades mais para sul. O que é que isso significa? Significa que a NATO tem de zelar pela paz e pela tranquilidade nas suas áreas envolventes. Por isso, prevejo que, no futuro, essas ações fora daquilo que é a área tradicional da NATO vão existir no sentido de garantir a estabilidade na área envolvente de Angola..Relativamente ao Brasil - eu tenho uma ligação profunda à Marinha do Brasil, porque mal acabei a Escola Naval tive o privilégio de andar seis meses... vou muitas vezes à Escola de Guerra Naval fazer conferências e tenho muitos amigos nas Forças Armadas do Brasil -, do ponto de vista afetivo sem dúvida nenhuma que seria extraordinário haver uma parceria especial. É um assunto político e, portanto, também não quero pronunciar-me muito sobre ele mas, como digo, do ponto de vista afetivo seria extraordinário. Do ponto de vista prático, julgo que nesta fase a NATO não terá condições para se alargar para fora daquilo que é a sua área tradicional, Atlântico Norte, América do Norte e Europa. Agora, o Brasil tem, sem dúvida nenhuma, a possibilidade de se envolver nas parcerias e tem-no feito. Tem-no feito através de Portugal, já várias vezes navios da Marinha do Brasil vieram a Portugal e participaram em exercícios que são feitos no quadro da NATO. Os próprios Estados Unidos mantêm uma relação muito próxima com as Forças Armadas do Brasil. Os procedimentos da NATO e os procedimentos de todos os países que são membros da NATO são muito semelhantes e o Brasil beneficia disso, quer pelas ligações que mantém com Portugal quer pelas ligações que mantém com os Estados Unidos. Mas sem dúvida nenhuma que a NATO, dentro de algumas décadas, que não serão muitas, fruto daquilo que vão ser as alterações geoestratégicas e até resultantes, provavelmente, do aparecimento da China no Atlântico, terá de olhar porventura com mais intensidade para o Atlântico Sul..As operações fora da área tradicional passarão a ser uma constante? Sem dúvida, por causa das circunstâncias da natureza das ameaças. Já não vivemos no tempo em que os nossos adversários eram perfeitamente conhecidos e os limites das fronteiras continham as ameaças. Hoje em dia, como é que se contém uma ameaça da ciberdefesa? Não há fronteiras, há o terrorismo, e, portanto, a NATO terá de olhar para atores que estão completamente fora da área. Como é que se protege hoje os países da NATO perante ações desta natureza, se os seus executores podem estar a dezenas de milhares de quilómetros de distância? E executam essas ações que podem desestabilizar a economia, os sistemas de comando e controlo, os sistemas elétricos de um país. Tudo isso é hoje sujeito a um tipo de ameaças que não tem propriamente que ver com a aplicação da força militar. Está a nascer outra força, e as Forças Armadas precisam de se envolver nela, e é por isso que nós estamos a fazer um grande esforço de edificação da nossa capacidade de ciberdefesa, não só para protegermos os nossos sistemas de comando e controlo, mas também para termos capacidade de dissuasão. É um dos objetivos da NATO que todos os aliados consigam dissuadir no campo da ciberdefesa. Como é que se consegue isso? Fazendo operações ofensivas. Não é só proteger, não é só ter um escudo, é também ter uma lança. É por isso que a lança são as operações ofensivas no domínio da ciberdefesa. É um novo domínio da guerra para o qual as Forças Armadas se estão a preparar com grande intensidade e rigor..Admite candidatar-se a chairman do Comité Militar da NATO, uma vez que o atual titular termina o mandato poucos meses depois do seu [em 2021]? Não, não admito candidatar-me. Sabe que vivo cada lugar com muita intensidade. Agora só penso exclusivamente em ser CEMGFA, em servir as Forças Armadas o melhor que sei e o melhor que posso. Como também nunca pensei ser CEMA [chefe da Marinha] e como também nunca pensei ser CEMGFA. O que faço, em cada lugar que estou, é o melhor que posso e sei. Sempre foi a minha atitude e é essa que será no futuro a minha atitude..Há algum tempo, num debate sobre a NATO, houve um académico a dizer que, dos países fundadores que são verdadeiramente atlânticos, Portugal era um dos poucos a que faltava ter um secretário-geral da NATO. É uma ambição também legítima de Portugal? Sem dúvida que é. Temos gente muito qualificada para desempenhar essas funções de secretário-geral da NATO, como temos agora o secretário-geral das Nações Unidas..Não pode ser tudo para os candidatos portugueses... Não, mas nós temos gente. Estou a lembrar-me de uma pessoa que teria enormes condições para fazer isso - António Vitorino [apontado no início dos anos 2000 como potencial sucessor do secretário-geral da NATO George Robertson] seria uma pessoa que, sem dúvida nenhuma, com a sua preparação... Jaime Gama também poderia ter sido. São pessoas que conhecem profundamente as Forças Armadas, que têm grande prestígio nacional e internacional e que dariam extraordinários secretários-gerais..Com esses nomes ou outros, no futuro, acha provável que isso venha a acontecer? Acho provável e acho que Portugal deve candidatar-se também a lugares desses, porque o nosso país tem pessoas de enorme qualidade que, como nós vemos, quando desempenham funções internacionais dão grande brilho e lustre ao nosso país. Portanto, não vejo que haja nenhum cargo internacional que não esteja acessível aos portugueses..Incluindo o de chairman do Comité Militar da NATO... Todos os cargos, sejam na estrutura militar sejam na estrutura civil da NATO. Com certeza que sim.