Ações para travar genéricos em tribunal caíram de mais de mil para 14
A lei criada no tempo da troika para facilitar a entrada de genéricos no mercado português acabou praticamente com as providências cautelares para travar estes medicamentos em tribunal. Quando esta legislação foi criada, em 2011, existiam mais de mil (1089) genéricos já com autorização de venda da Autoridade do Medicamento (Infarmed), mas que continuavam suspensos por ações judiciais. Em setembro deste ano, esse número era apenas de 14. Desde a entrada em vigor da lei, foram aprovadas 5391 autorizações de introdução no mercado relativas a medicamentos genéricos. Só neste ano, foram 666 até setembro.
Em dezembro de 2011, ao abrigo do memorando de entendimento assinado pelo governo português, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, foi publicada legislação que procurava responder ao problema de haver dezenas de substâncias ativas que nessa altura não estavam a chegar às farmácias, apesar de disporem de autorização de introdução no mercado (AIM). Isto porque se acumulavam centenas de providências cautelares interpostas por farmacêuticas junto dos tribunais administrativos relacionadas com patentes. A nova lei separou os dois processos, o relacionado com os direitos de propriedade industrial - que passou para as arbitragens - e o das autorizações de introdução no mercado dos medicamentos concedidas pela autoridade reguladora do medicamento, com efeitos quase imediatos. Dos 1089 medicamentos suspensos no final de 2011, 865 viram essa barreira retirada em setembro de 2013. Hoje são 14.
Para o Infarmed, esta terá sido uma das medidas com impacto mais significativo no acesso e na redução de preço de medicamentos por via da concorrência. Em declarações ao DN, a Autoridade do Medicamento defende que "as poupanças são evidentes para todo o sistema de saúde: para o Estado e para o utente. Quando o medicamento genérico é introduzido no mercado comparticipado do SNS inicia-se um efeito concorrencial e uma redução de preços global".
Quando questionado sobre as razões para ainda não termos chegado ao objetivo de os genéricos representarem 50% da quota de medicamentos vendidos em Portugal, mesmo com o aumento de autorizações, o Infarmed lembra que, neste momento, a quota de medicamentos genéricos já atingiu os 48%, o que significa que estamos próximos desta meta. "É preciso recordar, no entanto, que Portugal iniciou este caminho de aposta nos genéricos mais tarde do que outros países, o que significa que em determinadas áreas já não foi possível desenvolver genéricos. O Ministério da Saúde e o Infarmed têm tomado um conjunto de medidas para assegurar o crescimento desta quota, desde campanhas de informação até um conjunto de incentivos às farmácias pela venda dos quatro medicamentos mais baratos de cada substância ativa (quando há grupos homogéneos). Em breve haverá ainda um aperfeiçoamento nas fórmulas de cálculo desta quota, aproximando Portugal dos sistemas utilizados por outros países e que terão impacto no crescimento desta quota. Aliás, se compararmos a nossa evolução com os países com percursos legislativos semelhantes, como Espanha ou Grécia, temos quotas de mercado superiores."
O presidente da Associação Portuguesa de Genéricos (Apogen), Paulo Lilaia, concorda que temos "uma quota muito interessante, para quem arrancou tarde nesta área. A quota vai ultrapassar os 50% ainda neste ano ou no próximo, o que é um marco importante". O importante agora, defende por seu turno o Infarmed, "é assegurar que os novos medicamentos têm genéricos rapidamente após o termo do pedido de período de proteção de dados e de patentes, tirando todo o partido daquilo que a legislação proporciona".
Paulo Lilaia dá um exemplo de uma aposta num futuro próximo: "Temos de apostar em novos medicamentos genéricos para produtos que vão perder patentes, como por exemplo a rosuvastatina, para o colesterol elevado, um dos mais consumidos."
Já a associação que representa a indústria farmacêutica, em tom crítico, argumenta ao DN que "a quota de medicamentos genéricos e "generificados" em Portugal já atinge cerca de 84%, em volume (em número de embalagens), ultrapassando largamente a proposta inscrita no Orçamento do Estado para 2018 (53%)". Quando questionada quanto à sua posição sobre os genéricos e o objetivo do Estado de chegar aos 50% de quota destes medicamentos entre o total de vendas no setor em Portugal, a Apifarma responde que "o essencial é garantir o acesso dos cidadãos à saúde e às melhores terapêuticas disponíveis, em condições de igualdade com os nossos parceiros europeus e numa articulação entre agentes públicos e privados".
A Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica lembra ainda que "os medicamentos genéricos são medicamentos mais antigos que, em seu tempo, também foram medicamentos inovadores, protegidos pelo direito de patentes, tal como em qualquer atividade económica" e garante que não olha para esta questão "numa lógica "medicamentos genéricos vs. medicamentos de marca", mas antes à luz de medicamentos que perderam a patente". O próprio Infarmed afirma também que "há uma relação estável com a indústria nestas matérias, pautada por acordos e compromissos anuais e pelo respeito pela estabilidade do setor".