Acerca de Deus

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- A importância do desenho.

- Este desenho de 1605 mostra um cordeirito a nascer de um tronco de árvore. Está a vê-lo?

- Acreditava-se que os animais nasciam do solo, como as plantas.

- De qualquer maneira, a ideia de que os animais poderiam nascer de árvores é interessante.

- Sim?

- Sim. Em vez de árvores de fruto, árvores de animais. Árvores de mamíferos, árvores de répteis, árvores de crustáceos, etc.

- Das árvores grandes nasceriam os animais de grande porte, e das minúsculas nasceriam os animais de tamanho tímido.

- Por exemplo... dos bonsai?

- Sim, dos bonsai?

- Que animal imagina Vossa Excelência a nascer de um bonsai? E de uma laranjeira?

- Caríssimo, que questões difíceis.

- Mas regresso ao início e repito: Em tempos que já lá vão, acreditava-se que os animais nasciam do solo, como as plantas.

- Acreditava-se, meu caro, porque se podia desenhar.

- Exacto. O desenho era a grande prova científica. Não havia fotografias. O desenho tinha a função da actual fotografia ou das imagens em movimento Era uma prova.

- Se podes desenhar algo, é porque esse algo é real.

- Uma bela definição de desenho e de realidade, Excelência.

- É real, aquilo que eu posso desenhar.

- É ficção, aquilo que eu não consigo desenhar.

- Mas se é assim temos um problema.

- Qual?

- É que tudo é desenhável?

- Tudo?

- Sim, tudo.

- Um bom desenhador faz o que quer com o seu lápis. Se quiser pôr um elefante a voar nada mais fácil. Quer ver? [E desenha].Vê?

- Isso é um elefante a voar?

- É. Está a voar exactamente a meio do céu. Ou melhor: exactamente a meio caminho entre a terra e o limite máximo do céu.

- Muito bem, Excelência, que exactidão no desenho.

- Mas deixe-me dizer a Vossa Excelência que talvez o desenho permita outra definição.

- Qual?

- Tudo o que é desenhável é imaginável. Eis a definição. Vossa Excelência pode desenhar tudo o que pode imaginar, mas não quer dizer que tal seja real.

- Só pode desenhar um elefante que voa porque pode imaginar um elefante que voa. É isso?

- O desenho prova, então, apenas o que existe na imaginação. Não na realidade.

- Mas continuo a pensar que há coisas não desenháveis.

- Por exemplo?

- Deus.

- Bem, se Deus está em todas as coisas, Vossa Excelência desenhando uma cadeira está a desenhar Deus.

- E se aperfeiçoar o desenho da cadeira está a aperfeiçoar o desenho de Deus.

- Pois sim.

- E se Deus for algo que está acima de todas as coisas, então desenhe todas as coisas numa folha de papel e pense que Deus começa exactamente no sítio onde a folha de papel acaba.

- É uma definição possível.

- Nesse caso, Deus estaria acima dos nossos desenhos.

- Essa é uma definição possível de Deus, sim - e uma bela definição! Acima dos nossos desenhos.

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