Consciente ou inconscientemente, André Ventura seguiu ontem, face ao caso do padre Mário Rui Pedras, seu orientador espiritual agora suspeito de abuso de menores, o argumentário que António Costa usou em 2014 para se demarcar de José Sócrates quando este foi preventivamente preso, por suspeitas de corrupção, no âmbito da "Operação Marquês". Há nove anos, Costa usou um sms seu aos militantes do PS - e a divulgação pública do seu conteúdo - para proceder a essa operação de demarcação; ontem o líder do Chega fê-lo numa conferência de imprensa na sede do partido..Se Costa usou então a expressão "chocados" ("estamos todos por certo chocados com a notícia da detenção de José Sócrates"), ontem Ventura disse que esta é uma notícia que o "choca bastante"..Mas as semelhanças não se ficaram por aqui. "Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência", disse Costa..Citaçãocitacao"Nunca fui alvo de nenhuma espécie de abuso, de tentativa de abuso ou de algo parecido. Nunca assisti, quando estive no seminário ou na Igreja de São Nicolau ou noutra qualquer, a qualquer ato menos próprio ou que me levantasse suspeita por parte ninguém e muito menos por parte desse sacerdote, o padre Mário Rui.".E Ventura, ontem: "A noticia choca-me mas eu sou líder de um partido e um líder de um partido tem de por acima disso o interesse nacional e aquilo que é o interesse da justiça. E o interesse da justiça é que se apure tudo até ao fim, sem interferências políticas ou de nenhuma outra espécie, que se apurem os factos, que se perceba o que aconteceu, e que a justiça seja feita. É isso que defendemos, mesmo quando os casos são pessoais, quando nos chocam e quando doem.".Ontem, Ventura - como Costa em 2014 com Sócrates - não invocou em nenhum momento da sua conferência de imprensa o princípio da presunção da inocência que agora abrange o padre Mário Rui Pedras. Disse apenas que na sua vida religiosa nunca sentiu nem viu nada de suspeito. "Nunca fui alvo de nenhuma espécie de abuso, de tentativa de abuso ou de algo parecido. Nunca assisti, quando estive no seminário ou na Igreja de São Nicolau ou noutra qualquer, a qualquer ato menos próprio ou que me levantasse suspeita por parte ninguém e muito menos por parte desse sacerdote, o padre Mário Rui.".Anteontem, numa mensagem aos seus paroquianos, entretanto colocada online, o prior da paróquia lisboeta de S. Nicolau, comunicou que é um dos quatro padres de Lisboa suspeitos de abusos de menores comunicados pela comissão independente à hierarquia católica..Dizendo que foi alvo de uma "denúncia anónima, falsa, caluniosa, sem qualquer elemento útil ou prestável para investigação", adiantou ter-se colocado "à disposição do Patriarca de Lisboa para que tomasse as medidas cautelares que entendesse adequadas, no âmbito da investigação prévia que agora se iniciará e dos procedimentos que se lhe sigam". "Nessa sequência fui abrangido no grupo de sacerdotes que, por causa disso, deixa o exercício público do ministério enquanto decorrerem as diligências processuais", acrescentou. Concluindo: "Percorrerei, agora, este caminho de pedras com profunda confiança em Deus, em amor à Igreja e em obediência ao meu Patriarca, enfrentando esta abjeta e monstruosa difamação. Sacrifico-me na esperança de poder estar a contribuir para o bem maior da Igreja.".Ventura aproveitou também a conferência de imprensa para tentar criar um facto político alternativo: anunciar que convidou o ex-Presidente do Brasil Jair Bolsonaro para vir a Lisboa em maio participar numa reunião da extrema direita internacional de que o Chega será anfitrião..Se Bolsonaro virá ou não, Ventura não conseguiu confirmar; o dia do evento também não se sabe - mas o presidente do Chega disse que teria "muita graça" se coincidisse com a convenção do Bloco de Esquerda (27 e 28 de maio, em Lisboa). O líder do Chega disse que já informou o Governo do evento e também o Presidente da República. Segundo garantiu, Marcelo Rebelo de Sousa disponibilizou-se para receber Bolsonaro em Belém, se este lhe pedir uma audiência..Ventura disse que também convidou Trump - mas já sabe que o ex-Presidente dos EUA não virá. E ainda "vários líderes da direita europeia", entre os quais Santiago Abascal, do espanhol Vox, e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni..joao.p.henriques@dn.pt