Abertos ao mundo ou fechados na Europa

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A União Europeia deve procurar uma autonomia estratégica ou uma autonomia estratégica aberta? A diferença que uma palavra faz é imensa e está a dar discussão nos corredores de Bruxelas e das capitais europeias, ouvindo-se uma ou outra fórmula conforme as preferências.

Estão em causa duas visões divergentes sobre o futuro da Europa. Os que acreditam na necessidade de a proteger, tanto da competição americana como da chinesa, e os que querem uma Europa aliada dos Estados Unidos da América (que parecem prontos para voltar ao convívio com o resto do Ocidente), crescentemente divergente em relação à China - mesmo que a integração económica permaneça -, e um mercado aberto a cada vez mais países.

Como avisaram os europeus que não celebraram o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia foi um golpe na ala mais liberal e favorável ao comércio livre, tanto no Conselho como no Parlamento Europeu. Desapareceu o maior contrapeso à visão francesa, eternamente suspeita das virtudes de um mundo aberto e da economia competitiva. O equilíbrio que a Alemanha propunha, entre Londres e Paris, passou a ser um dos lados. O lado liberal. E o mais pragmático, também. Mas é um dos lados, já não é o fiel da balança. E com uma vitalidade que diminui à medida que se aproxima a saída de Angela Merkel.

A Europa precisa de grandes campeões, empresas que se destaquem à escala global, e para isso precisam de ser protegidas da competição externa, ou as regras da concorrência servem, sobretudo, para garantir que o mercado interno é competitivo e que os melhores emergem?

Quanto mais comércio internacional, melhor para produtores e consumidores, ou a abertura dos mercados ao exterior prejudica os europeus, como defendem, por exemplo, os críticos do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, invocando a desflorestação da Amazónia e Bolsonaro quando, na verdade, querem proteger agricultores franceses e produtores de carne irlandeses, entre outros?

A segurança e a defesa da Europa, que têm de ser uma responsabilidade crescente dos próprios europeus, devem ser feitas no contexto e em coordenação com a NATO, ou deve ser um estímulo às indústrias europeias e a uma visão geopolítica autónoma, não necessariamente coincidente com os interesses globais americanos?

A concorrência, os acordos de comércio ou a política de segurança e defesa são apenas as faces mais visíveis desta divisão.

De um lado, algum tipo de protecionismo, do outro, todos estes interesses se promovem com um mercado interno com condições equitativas (estranhamente, ou não, traduzir level playing field nunca soa bem em português) e uma economia aberta ao mundo e à concorrência.

Esta divergência é parcialmente ideológica, mas é, sobretudo, estratégica e Portugal tem, tradicionalmente, dúvidas existenciais nesta discussão. Historicamente, o país não é liberal nem grande entusiasta dos mercados abertos e da concorrência. E há muita gente convencida de que o melhor que a Europa nos dá são os subsídios, não a escala e o acesso dos e aos mercados. E, no entanto, é difícil acreditar que Portugal deva preferir uma Europa onde a concorrência interna sacrifica os grandes nacionais por serem pequenos europeus, não se abre a mercados com milhões de consumidores e se desloca do Atlântico para o centro do continente.

Uma visão não assistencial do país acredita que o interesse de Portugal na Europa está do lado da autonomia estratégica aberta e que a nossa presidência deve servir para dar esse sinal.

Joe Biden tomará posse durante a presidência portuguesa. Corrigindo o programa original da presidência, essa circunstância devia ser aproveitada para sinalizar de que lado estamos e de que lado achamos que a Europa deve estar.

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