Há uma localidade raiana única em toda a Espanha, desconhecida para a grande maioria das pessoas de um lado e de outro da fronteira, com grande interesse turístico e histórico, que simboliza o expoente máximo do iberismo e do inter-relacionamento de sucesso entre os dois países, contrariando o ditado popular tantas vezes ouvido em Portugal: de Espanha nem bom vento nem bom casamento. O seu nome é La Codosera, onde a quase totalidade dos seus 2186 habitantes se sentem mais portugueses do que espanhóis, além de serem bilingues, utilizarem na sua pronúncia o fonema "s", em substituição do "c" ou do "z", tão habituais no espanhol, ou falar misturando as duas línguas num "portunhol" muito identificativo..A vila, muito bela e rodeada de árvores e vegetação, fica localizada na Extremadura espanhola, 56 quilómetros a norte da cidade de Badajoz, e faz fronteira com Portugal nas aldeias de La Tojera e do El Marco, do lado espanhol, e Marco, na parte lusa, já que o povo fica dividido ao meio - uma parte é território espanhol e a outra português. Marco localiza-se na freguesia de Esperança, que pertence ao concelho de Arronches, no Alentejo, e fica a 45 quilómetros de Portalegre..A diferença entre a senhorial e histórica vila manuelina de Olivença, mais a sul, também raiana, e La Codosera é que a segunda nunca foi território português. Sofreu no seu castelo as disputas entre as coroas espanhola e portuguesa, mas as suas gentes têm-se mantido alheias aos interesses políticos dos dois países..O motivo da afinidade ao longo dos séculos dos moradores de La Tojera e do El Marco com Portugal deve-se não só à proximidade geográfica, como nas restantes aldeias e vilas raianas, mas também aos fortes laços de sangue luso-espanhol, forjados nos numerosos casamentos entre portugueses/as e espanholas/óis, que os ligaram solidamente até hoje, desde o século XVII, quando começaram a emigrar para o outro lado da fronteira numerosos alentejanos à procura de uma vida melhor. Por isso, percebe-se perfeitamente que muitos deles se sintam hoje mais portugueses do que espanhóis ou que gostem dos países por igual..Durante a Guerra Civil espanhola (1936 e 1939) e nos primeiros anos do pós-guerra e da ditadura do general Franco, La Codosera, concretamente as aldeias de Marco e El Marco, foram palco da fuga de numerosos espanhóis para Portugal, perseguidos pelo regime franquista, e do contrabando entre os dois países. Muitos deles foram ajudados a entrar em Portugal por famílias amigas do outro lado da fronteira e escondidos durante algum tempo nas suas casas e terras. Os mais velhos ainda se lembram, e contam hoje aos netos e bisnetos, das histórias de solidariedade dessa altura, mantidas em segredo durante muitos anos, até ao fim das ditaduras de Franco e de Salazar..Outro dos motivos para viajar até La Codosera é visitar a ponte internacional mais pequena do mundo, que atravessa o rio Abrilongo e divide em dois El Marco e Marco. A ponte atual foi inaugurada em 2008 com os fundos comunitários, mais um exemplo da cooperação transfronteiriça ibérica. Antigamente existia uma ponte muito rudimentar e insegura, construída com troncos e tábuas de madeira, mas ainda assim muito utilizada pelos que fugiam da Extremadura espanhola para Portugal durante o franquismo, e pelos contrabandistas dos dois países, que transportavam tabaco, café, cortiça, azeitonas e outros produtos vendidos ilegalmente de um lado e de outro da fronteira..Na mesma vila de La Codosera ainda se conservam os restos da muralha e do importante castelo, do século XIII, construído para defender os interesses estratégicos da coroa de Castela. A fortaleza foi destruída e reconstruída em várias ocasiões, como tantas outras da zona raiana. No castelo morou durante alguns anos, no final do século XV, Juana la Beltraneja, a infanta espanhola filha do rei de Castela, Enrique IV, irmão de Isabel de Castela, e de Joana de Portugal, filha do rei luso Henrique I. Juana la Beltraneja foi destituída da coroa de Castela pela sua tia Isabel e seus apoiantes, que o justificaram por não ser filha biológica do rei e sim do duque de Albuquerque, Beltrán de la Cueva. Depois de perder a coroa de Castela, Juana viveu até ao fim da sua vida na corte de Lisboa. Hoje o castelo de La Codosera é propriedade privada..Correspondente da rádio Cadena Cope e do jornal La Voz de Galicia