A Vida e o Mar
Hemingway escreveu uma poesia em prosa descrevendo a luta de um Velho pescador, em fim de caminho, com um peixe, o maior que tinha encontrado até então, e da relação de respeito que nutria pela espécie que lhe enchia o prato com o pão de cada dia.
A vida, aquela que nos é oferecida para viver é um mar, um oceano onde navegamos e mergulhamos desde o nascer ao ocaso, sempre com o horizonte à vista, nem sempre com a costa visível, a exigir arte na navegação e prudência nas manobras.
O Mar e a Vida têm muito em comum.
A sua extensão é imensa mesmo que, como os de antanho que só se conheciam o que a vista alcançava até se aventurarem a ir um pouco mais longe deixando o conforto da terra à vista, pesquisando, a medo mas com confiança, outras paragens, outras experiências, outras formas de viver.
A Vida e o Mar têm dentro de si outras vidas, outras marés, que só se vão conhecendo à medida que vamos procurando saber mais e conhecer melhor o meio onde estamos inseridos.
O Mar, e a Vida, dão-nos alimento de corpo e alma, o pão nosso de cada dia, a carne e o sentir com que nos vamos alimentando enquanto alargamos horizontes e conhecimentos.
O Velho somos todos e cada um de nós, o Mar é a nossa Vida.
O Velho, pescador de muitos anos e muita experiência, tinha a determinada altura da sua existência, ajuda do Rapaz na faina, se bem que fruto dos azares do acaso, tivesse de ir sozinho quando o Rapaz tinha de pensar no seu sustenho.
No mar da vida, também nos calha ter, em determinadas alturas da nossa existência, ajuda de todos os que nos circundam e ajudam na faina diária do pão nosso de cada dia: a família, os amigos, os colegas, os meramente conhecidos. Compõem o cardume que nos permite pescar para que não falte o alimento ao corpo e ao espírito.
Não vivemos uns sem os outros, não pescamos sem a palamenta certa.
Uns dias sim, outros não, uns dias pescamos outros o peixe não morde, uns dias o mar está bom, outros não permite sair, mas todos os dias são dias e quando o mar não permite, avia-se em terra o que vamos precisar para poder ir à aventura, o mar o permita.
Uns dias sim outros não, uns dias temos sucesso na pesca da nossa actividade social, outros não podemos nem sair, mas todos os dias são dias e quando a vida não permite avia-se o que é necessário para poder partir à aventura, a vida o permita.
O Velho pescou a vida toda, criando conhecimento, colhendo experiência que permitia aventurar-se solitário mar fora à espera de dias melhores quando os piores afloravam e a sorte não dava tréguas.
Nós passamos a Vida criando experiência, colhendo conhecimento que permita que nos aventuremos solitários vida fora à espera de dias melhores quando afloram os piores e a sorte não dá tréguas.
Vem o dia em que a sorte bate à porta, e nós, na azáfama da Vida, fazemos como o Velho fez no Mar: batalhamos, aguentamos, sofremos, aguentamos mais ainda para conseguirmos o que já parecia não estar no horizonte, mas que está ali, à vista. E trazemos o sucesso de um dia até à borda, agarramos, amarramo-nos com força para levá-lo a bom porto, o proto que permita um descanso após uma vida de trabalho, de faina intensa com dias melhores e outros piores mas sempre com a esperança de ver chegar o dia de pescar o grande peixe da nossa vida.
A experiência dizia ao Velho que mesmo com mar calmo, a mudança de ventos e o espalhar do cheiro do peixe grande (o maior que tinha pescado até então), poderia atrair alguns predadores que sempre andam no mar: os tubarões. E assim aconteceu, primeiro com aqueles que comem porque têm fome e depois os outros todos que atacam selvaticamente com ou sem necessidade, deixando o Velho, cansado de morte, com uma espinha de nulo valor.
A experiência diz à Vida que mesmo em tempo de calmaria o cheiro do sucesso alheio (e quanto maior mais aguça os apetites) atrai predadores, os tubarões da sociedade, sendo que estes atacam mesmo sem fome, por inveja, ganância ou estupidez, deixando-nos exauridos, com as espinhas de nulo valor.
O Velho no seu Mar e Nós na nossa Vida.
P.S. - O Velho e o Mar é um dos livros que releio com alguma frequência, sempre descobrindo um pormenor que tinha escapado em leitura anterior. A Ernest Hemingway agradeço a possibilidade de juntar Mar e Vida. Muito grato!
Médico