Agripino Luís ainda não parou de contabilizar prejuízos, desde há 15 dias. Levanta do chão os pés de feijão-verde, espinafres, ervilhas ou tomates, à medida que vamos percorrendo algumas das dezenas de estufas agora transformadas num amontoado de metal e plástico. É a ele que pertence a maior fatia de prejuízo deixado pelo furacão Leslie, a 13 outubro, no que respeita à tão afetada agricultura, no concelho de Pombal. Ali, no lugar da Caxaria (freguesia do Carriço) estimou mais de 500 mil euros caídos por terra, nos quatro hectares de área coberta..A este caso só se assemelha um outro, na vizinha Moita do Boi, entre as freguesias do Oeste e Louriçal. Foi nessas duas aldeias separadas por meia dúzia de km que nasceu o fenómeno das estufas agrícolas na região, quando o mercado abastecedor de Coimbra começou a tirar proveito da fama dos produtos hortícolas criados ali. A proximidade da praia (mas a uma distância de segurança, por assim dizer) aliada a um microclima defendido até em teses académicas, sempre fizeram daqueles terrenos um campo fértil para batatas e milho, couves e abóboras. Mas há 30 anos, o fenómeno das estufas fez galopar e diversificar a produção. Agripino Luís, 57 anos, foi pioneiro nessa revolução do setor. "Sempre gostei da agricultura, sabe? Nasci no meio disto, a minha família já tinha por aqui terrenos, e comecei por fazer viveiros, quando me casei". Trabalhava na EPAL, em Lisboa, mas aquele era um emprego que não o preenchia. Já tinha visto algumas estufas no Algarve, era o tempo em que a Europa prometia e cumpria apoios, e aventurou-se. Com o passar dos anos, chegou a empregar 20 pessoas a tempo inteiro, mais algumas em trabalho sazonal. Atualmente são seis. "Ainda são seis. Mas sinceramente eu não sei o que fazer à minha vida", diz ao DN..Agripino era um dos muitos agricultores que nunca chegaram a contratualizar qualquer seguro. "É incomportável. Tentei fazer várias vezes. Primeiro percebi que nem todas as seguradoras faziam, depois, quando vi os valores da franquia, na ordem dos cinco mil euros, não conseguia mesmo". Acontece que já provou deste fel várias vezes, nos últimos dez anos, à conta das alterações climáticas. A mais grave (antes desta) aconteceu em 2013, quando uma tempestade lhe destruiu as estufas. Nessa altura reergueu-se. Fez um projeto, candidatou-se a apoios, manteve os postos de trabalho, mesmo sentindo que outros ventos lhe abanavam o negócio: "em 2010 deixei de produzir alface. Cheguei a tirar daqui 300 mil por semana. Mas os hábitos alimentares foram mudando, emigrou muita gente, perdemos população. Enquanto a nossa concorrência foi só o mercado espanhol, ainda nos aguentámos. Mas quando entrou Marrocos ao barulho...isto mudou", conta ao DN, enquanto explica como foi diversificando a produção, permitindo-lhe abastecer parte da região centro com todo o tipo de produtos hortícolas, o ano inteiro..No sábado, 13 de outubro, estava em casa com a mulher - na mesma propriedade onde tem a maioria das estufas - quando o vento começou a soprar forte. Ambos adivinharam o cenário, quando o vendaval passou, e sabiam que pouco restava. Ela preferiu não sair à rua, ele foi ver. Estava tudo perdido. O lugar da Caxaria dista menos de 15 km da costa, nomeadamente da praia do Osso da Baleia, e pouco mais de 20 da Figueira da Foz, por onde entrou o furacão Leslie. "Aqui ninguém estava preparado para uma coisa destas", conclui Agripino..Não muito longe dali, na Mata Mourisca, Paulo Cosme também faz contas à vida. Desde 2013 que se juntou a dois sócios para criar uma exploração de morangos em hidroponia, uma técnica de cultivo sem solo, em água, que andou a estudar durante dez anos. Era perito de seguros [que ironia, pensa agora] até decidir mudar de vida e dedicar-se aos morangos. Naquele lugar já se cultivara tabaco, por iniciativa do sogro. Submeteu um projeto ao PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural) e avançou com um investimento de 438 mil euros. Este era o ano em que, finalmente, esperava tirar maior rentabilidade daquela produção. Em vez disso, há 15 dias um furacão atirou-lhe com 39 mil euros de prejuízo, mais 15 mil estimados em produção perdida..Estava em casa, a 15 km dali, quando os sensores de chuva e vento deram sinais de alerta. "Ainda me pus ao caminho, para vir aqui. Mas voltei para trás. Acabei por só ver os estragos na manhã seguinte". Encontrou os plásticos rasgados e as estruturas de metal retorcidas. E contactou a seguradora - porque a Hidrofrut é uma das poucas empresas com seguro, naquela região. Dias depois os peritos viajaram da Holanda até à Mata Mourisca para avaliar os danos. Essa foi a única seguradora que Paulo Cosme encontrou capaz de sustentar aquele modelo de negócio, e ainda assim com cláusulas. "Eles consideram que o plástico desvaloriza 15% ao ano. Como vê, a estrutura tem cinco anos. Quer dizer que só me vão pagar uma pequena parte". Feitas as contas, o produtor tem a seu cargo pelo menos 28% de prejuízo que o seguro não vai pagar. Aguarda pelos apoios do Governo para seguir viagem na produção de morangos, tão ameaçada desde há duas semanas. "Todos os dias rezamos para que não chova, porque o morango é uma fruta que mais rapidamente morre com excesso de água do que com falta dela". Ora, com as estufas rasgadas, o prejuízo foi sempre a somar, nas horas seguintes ao furacão..Quem atravessa o IC2 e a linha do norte, no lugar de Quinta Nova, freguesia da Pelariga, noutro extremo do vasto concelho de Pombal (que liga o mar à serra) percebe facilmente a dimensão dos estragos na exploração de kiwis, uma área de nove hectares resultante de um projeto apresentado pelas irmãs Margarida e Alexandra Carrilho, também financiado pelo PRODER. O pai, José Manuel Carrilho, com larga experiência no ramo da construção civil, disse ao DN que o prejuízo está calculado em 150 mil euros. "Quando ouvi a força do vento imaginei logo uma coisa assim, ao nível da destruição". Só não contava que a violência das rajadas dobrasse as vigotas de cimento e ferro. E que fosse tamanha a quantidade de toneladas de fruta espalhada pelo chão. A família só tinha segurado a estrutura, porque "os seguros de colheita são extremamente caros, além de que muitas seguradoras não fazem. Não nos podemos esquecer que este é um setor pobre". Até ao final desta semana já tinham sido retiradas da herdade cerca de 20 toneladas de kiwi. "Agora é recuperar e recomeçar"..Pombal: o Governo passou ao lado.Ao final do dia de sábado, quando começou a receber os alertas da Proteção Civil, o presidente da Câmara de Pombal avisou de imediato os 13 presidentes de junta do concelho, que a essa altura já não poderiam fazer grande coisa em matéria de alerta à população. Diogo Mateus regressava da Guia (onde participara num evento da filarmónica local) a Pombal, por volta das 22h20, sendo literalmente apanhado no olho do furacão. Ao DN contou que percorreu 15 estradas secundárias até chegar à cidade, à medida em que foi ficando bloqueado por pinheiros que o vento ia derrubando. De modo que, enquanto responsável máximo da Proteção Civil, quando logo a seguir falou com o comandante dos Bombeiros Voluntários e com os serviços, já sabia indicar os locais a desimpedir. De manhã, enviou a primeira mensagem ao secretário de Estado da Agricultura, Luís Vieira, para que viesse ao local. Falaram mais tarde. Seguiram-se vários outros governantes, mas a verdade é que o concelho de Pombal ainda não foi visitado por nenhum. De tal modo que o autarca pondera divulgar, por estes dias, a lista de contactos feitos com os diversos ministérios. "É extraordinário que logo no dia a seguir o secretário de Estado tenha ido a Soure, aqui ao lado, e não tenha passado por aqui", disse. De resto, o próprio ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, percorreu ainda no domingo, 14, a maioria dos restantes concelhos afetados na região centro, mas não incluiu Pombal nesse mapa. Resta notar que é o único município presidido por um autarca social-democrata, enquanto todos os outros são do PS..O município de Pombal optou por não declarar o estado de calamidade pública, apesar de contabilizar estragos superiores a cinco milhões de euros. A autarquia justifica esta posição sobretudo com os estragos nas habitações, a maioria segurada. Nos casos em que é decretada calamidade pública, tudo muda de figura no que diz respeito ao pagamento dos prejuízos: os seguros não pagam. Entre os diversos concelhos mais afetados pelo Leslie, apenas Soure optou por esse dispositivo legal, uma vez que os prejuízos (na ordem dos sete milhões de euros) dizem sobretudo respeito a habitações (90% no concelho terão sido afetadas, muitas delas sem seguro) e espaços públicos..O drama do baixo Mondego."Duas semanas não bastam para contabilizarmos todo o prejuízo na agricultura desta região", diz Armindo Valente, presidente da Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, que gere todo o regadio nos concelhos de Montemor-o-Velho (onde está sediada), Figueira da Foz, Soure, Coimbra e Condeixa). Mas logo às primeiras horas a associação percebeu o drama que o vento deixara: seis mil hectares de milho destruídos, ou seja, 60% da produção naquela região. "Não é só o prejuízo já contabilizado. É aquele cuja dimensão só vamos conseguir perceber no final das colheitas. Para as pessoas terem uma ideia: com o estado em que ficaram os campos, cada hectare vai demorar mais 3 a 4 horas para colher. É o custo da mão de obra também", sublinha Armindo Valente, que logo a seguir à tempestade teve oportunidade de mostrar isso mesmo, ao vivo, ao secretário de Estado da Agricultura e Alimentação, Luís Vieira. Nesse dia, na sede da Cooperativa Agrícola de Montemor - a que Valente também preside - entre os prejuízos registados na sede e os do arroz, em Gatões, os números apontavam para um milhão de euros,.Não é difícil, por isso, compreender como é que os serviços do Ministério da Agricultura na região centro - que visitaram cada uma das explorações atingidas pelo Leslie - enumeraram 30 milhões de prejuízo no setor. Nos dias seguintes, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro fez circular pelos distritos de Leiria, Coimbra e Aveiro um grupo alargado de técnicos, por forma a conseguir o levantamento mais pormenorizado..Governo anuncia 15 milhões de apoio.Entretanto, o ministro da Agricultura anunciou ontem, sábado, um apoio de 15 milhões de euros a fundo perdido, "que se destinam ao restabelecimento do potencial produtivo", com diversos níveis de apoio: 100% para prejuízos até 5.000 euros; 85% para prejuízos entre os 5.000 e os 50.000 euros; 50% para prejuízos entre 50.000 e 800.000 euros..A medida abrange infraestruturas, instalações e equipamentos agrícolas e também perdas em animais e culturas permanentes, como é o caso de olivais, vinhas e pomares. As despesas serão elegíveis a partir da data da ocorrência dos prejuízos (dia 13 de outubro) e os pagamentos poderão ter lugar após a contratação dos projetos junto do IFAP, contra apresentação da fatura, podendo os agricultores dar desde já início aos trabalhos. Além disso, vão ser disponibilizadas duas linhas de crédito garantidas: 2 milhões de euros, para apoiar exclusivamente as necessidades de tesouraria das cooperativas agrícolas e de outras Organizações de Produtores; e 10 milhões de euros, à qual poderão recorrer as empresas agrícolas, incluindo Cooperativas e outras Organizações de Produtores, destinados à reposição de instalações de equipamentos afetados.