"A via egoísta, isto é, salvaguardar a biodiversidade para nos salvarmos, é perfeitamente aceitável"
O que pode fazer já hoje alguém que nos esteja a ler para contrariar o aquecimento global, ainda que numa escala mínima?
O uso de energia representa a maior percentagem de emissões de gases com efeito estufa em Portugal, recaindo a maior percentagem no setor dos transportes, em particular na componente rodoviária, seguido da produção de eletricidade. Assim sendo, o recurso a formas de mobilidade sustentável, onde uma maior utilização de modos suaves e ativos como andar a pé ou de bicicleta ou principalmente o recurso ao transporte público em detrimento do uso individual do automóvel é uma das opções mais fundamentais. Ao mes- mo tempo, todos os esforços para reduzirmos o consumo de energia em nossas casas através da melhoria da eficiência, assegurando um melhor conforto, deve ser uma prioridade. Na alimentação, devemos reduzir o consumo de carne e de peixe. Por último, as nossas escolhas em termos de quantidade e qualidade dos bens e equipamentos de consumo é decisiva - ponderar a origem dos produtos e apostar na promoção de bens de uma economia local, consumir de forma suficiente e nomeadamente evitar a embalagem desnecessária e o desperdício.
Enquanto país pequeno, Portugal faz a diferença também no esforço global para evitar ou pelo menos atenuar as alterações climáticas?
Sem dúvida. Portugal foi um dos primeiros países a fixar um objetivo de neutralidade carbónica para 2050 e tem em vigor desde o início de fevereiro uma das mais amplas e completas leis de bases do clima com possibilidade de antecipar este mesmo objetivo. Apesar de algumas contradições em investimentos que conduzem a um aumentar das emissões poluentes como seja o objetivo de expandir fortemente a capacidade aeroportuária, estamos na linha da frente em áreas como sejam o deixarmos de utilizar carvão na produção de eletricidade e estarmos a efetuar fortes investimentos em energias renováveis. Inevitavelmente, porém, Portugal tem de se apressar na adaptação às alterações climáticas cujas consequências se estão a tornar visíveis no nosso país com cada vez maior premência como é o caso das secas mais frequentes, prolongadas e intensas.
Sem cooperação entre gigantes como os Estados Unidos e a China todos os outros esforços para salvar o planeta são irrelevantes?
O esforço para salvar o planeta das diversas crises que atravessamos, nomeadamente no que respeita a clima, biodiversidade e recursos, pela sua natureza global, exige uma resposta de todos os países. Claro que os países maiores contribuintes em termos de emissões históricas e atuais de poluentes ou no consumo são os mais decisivos. Decisões como as recentemente expressas na conferência das Nações Unidas sobre clima em Glasgow onde Índia e China, apesar de terem metas de neutralidade climática para 2070 e 2060, respetivamente, exigiram uma decisão final assegurando o uso de carvão num futuro próximo são comprometedoras. É impressionante verificarmos que os dez principais países emissores de gases de efeito estufa representam 64% do total das emissões e os cem últimos apenas 3%. A pressão e a atitude da maioria dos países em desenvolvimento é decisiva num quadro multilateral onde as decisões de alguns condicionam os impactos em muitos. O esforço de redução de emissões ou mitigação de um qualquer país garante-lhe uma maior resiliência económica, mas também ambiental.
Como vê o discurso dos países pobres de que os países ricos, que começaram a poluir há dois séculos e meio, devem subsidiar os que têm agora tem de fazer o salto dos combustíveis fósseis para os verdes queimando etapas?
Trata-se de um discurso perfeitamente legítimo. O uso dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) foi a base do crescimento económico dos países ricos mas com consequências dramáticas, nomeadamente para o clima, afetando todo o globo, prejudicando em particular os países mais vulneráveis que ambicionam legitimamente a melhoria da qualidade de vida das suas populações. A transferência de tecnologia e o apoio a esses países é efetivamente decisivo e contemplado em acordos internacionais como o Acordo de Paris relativo ao clima, para que os países em desenvolvimento não constituam um problema acrescido e ao mesmo tempo usufruam de um desenvolvimento sustentável.
Salvar a humanidade e salvar a biodiversidade no planeta são a mesma luta? Ou há uma via egoísta?
A via egoísta, isto é, salvaguardar a biodiversidade para nos salvarmos, é perfeitamente aceitável. Temos é de agir rapidamente e perceber que não podemos aumentar o risco que temos vindo a acrescentar para a nossa sobrevivência, principalmente na herança que deixamos aos nossos descendentes.
Voltando de novo a Portugal, há explicação para o pouco impacto de partidos ditos ecologistas? Tema não motiva portugueses na hora do voto ou até está é bem integrado no programa dos grandes partidos nacionais?
A história dos partidos em Portugal identificados com uma ação mais ecologista no seu nome tem de ser enquadrada, pelas suas diferentes motivações e raízes, num contexto cultural que não é o mesmo de outros países europeus. A elevada participação das organizações não governamentais numa agenda para a sustentabilidade tem sido muito relevante e as intenções de voto têm provavelmente sido determinadas por um conjunto de aspetos políticos que tem ultrapassado a relevância das questões ambientais.
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