"A única diferença que denuncia os ucranianos em Portugal é o sotaque"

São cerca de 28 mil os ucranianos no país, mais 12 mil com dupla nacionalidade. Sentem-se integrados e não se surpreenderam com a atual solidariedade lusa.
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Nos anos de 1990, a crise vivida no seu país levou muitos ucranianos a emigrarem. Hoje, em Portugal, são cerca de 28 mil, com presença em todos os distritos do continente e regiões autónomas, mas, em 2008, chegaram a rondar os 80 mil. Existem ainda entre 11 a 12 mil que já possuem dupla nacionalidade, não entrando, por isso, nas estatísticas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Sentem-se bem no nosso país e Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), diz que "a única diferença que denuncia os ucranianos em Portugal é o sotaque" - e mesmo esta já não existe quando falamos das gerações mais novas.

"Os ucranianos sentem-se bem integrados e bem recebidos em Portugal. Quando agora perguntam como os ucranianos reagem a esta onda de solidariedade dos portugueses, não fomos surpreendidos porque sabíamos que os portugueses são um povo acolhedor, que está sempre aberto a ajudar, e isso nós sentimos desde o início", diz ao DN o líder da AUP.

E dá o seu próprio exemplo. "Cheguei a Portugal em 2000, ainda estávamos todos ilegais, tínhamos medo de sair porque não sabíamos se íamos ser repatriados, e tínhamos a dificuldade da língua. Os ucranianos não sabiam português, mas mesmo sem saber a língua tivemos o coração aberto por parte dos portugueses que, de qualquer forma, nos queriam ajudar. Eu dizia sempre nos encontros da comunidade da diáspora ucraniana que Portugal é um exemplo de tolerância e solidariedade".

A primeira vaga de ucranianos começou a chegar a Portugal no segundo semestre de 1999, seguindo num crescendo que atingiu o máximo em 2001. "Portugal foi uma escolha porque havia oferta de trabalho. Naquela altura, Portugal preparava-se para o Euro2004 e havia muitas vagas de trabalho para os ucranianos. Mas sempre com a sua nação em mente. Eu lembro-me de perguntarem a algum ucraniano cá em Portugal qual era o seu futuro e eles diziam que iam ganhar este dinheiro e depois regressar. Até as primeiras associações só começaram a surgir dois ou três anos após a nossa vinda em massa para Portugal", recorda Pavlo Sadokha.

A esmagadora maioria dos ucranianos em Portugal é oriunda do oeste, nomeadamente das regiões de Volyn, Rivne, Lviv, Ternopil, Ivano-Frankiusk, Zakarpattia e Chernivtsi, de acordo com o estudo "Imigração Ucraniana em Portugal e no Sul da Europa", promovido pelo Observatório da Imigração, e publicado em 2010. A maioria dos ucranianos da vaga inicial trabalhava como servente da construção civil e obras públicas, refere o mesmo documento. "Quando viemos na primeira vaga a maioria teria entre 25 a 40 anos. Portanto, podemos dizer que ainda é uma comunidade relativamente nova", refere o presidente da AUP.

Pavlo Sadokha não se cansa de repetir que os ucranianos se sentem integrados desde o início em Portugal. Mas os primeiros anos não foram isentos de perigo. "Quando chegámos, em 2000, tivemos um grande problema, pois vieram atrás de nós máfias que extorquiam as pessoas que trabalhavam. E aqui em Portugal era muito perigoso. Então deu-se aquela lei da legalização, creio que no início de 2001, que deu o estatuto legal aos imigrantes, e, cerca de um mês após a lei, o governo identificou estes grupos criminosos, eles foram julgados, presos e nós percebemos que estávamos num país de direito", recorda o dirigente associativo. "Lembro-me também da primeira missa de Natal em 2001 na nossa igreja em Lisboa, em São Jorge de Arroios, e à qual foi o presidente Jorge Sampaio. Lembro-me bem das palavras dele. "São bem-vindos, estão em segurança, podem estar aqui como no vosso país". O presidente deste país estava a dizer aos nossos emigrantes que éramos bem-vindos. Isso foi fundamental para a nossa comunidade".

Outras medidas que ajudaram à completa integração desta comunidade em Portugal foi a implementação de cursos gratuitos de língua portuguesa e o programa para reconhecimento dos diplomas e integração dos médicos ucranianos. "Houve também, em 2008, um acordo entre a Ucrânia e Portugal de reconhecimento dos diplomas da escola básica e do ensino superior. Isto ajudou muito, porque nós já podíamos ter reconhecidos os nossos diplomas, fazer equivalências e trabalhar nas profissões que tínhamos na Ucrânia", lembra Pavlo Sadokha, ele próprio beneficiário deste último, pois passou a poder exercer a sua profissão de economista. "Isto tudo mostra que nos tornámos parte desta sociedade, com os mesmos direitos dos portugueses. Posso dizer que agora, neste momento, os ucranianos já começam a fazer parte de um nível social médio, muitos ucranianos já abriram empresas, trabalham conforme a sua profissão, as crianças estão muito bem integradas, chegam a entrar no ensino superior."

Em termos de organização, as igrejas ucranianas em Portugal exercem uma grande influência sobre a comunidade, nomeadamente a igreja greco-católica e a igreja católica do rito bizantino, que tem, segundo Sadokha, 17 ou 18 sacerdotes em todo o país. Cá existe também a igreja ortodoxa ucraniana, que "tem uma implantação menor, mas com uma grande influência", explica Sadokha. "Depois temos as associações ucranianas, que são, neste momento, 14, mas sei que nestas últimas duas semanas criaram-se novas com o objetivo de ajudar a Ucrânia. E temos as escolas de sábado - por exemplo, a nossa em Lisboa funciona desde 2005 -, onde as crianças ucranianas, ao sábado ou ao domingo, têm aulas de língua e de cultura ucranianas", enumera o presidente da AUP.

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