A última vez que a mão esquerda de Herberto rimou com luz
"lá está o cabrão do velho no deserto, último piso esquerdo", "o vosso burro com palha pouca e fora de uso". Herberto Helder - que assim falou de si em Morte Sem Mestre (2014) - morreu a 23 de março aos 85 anos. Dia em que foi "interrompida a canção ininterrupta" (Servidões, 2013). E todavia, ou não, amanhã os seus últimos poemas, Poemas Canhotos, são publicados.
Canhoto é tanto qualidade daquele que é mais hábil com o lado esquerdo do corpo como daquilo que é tosco e desajeitado. Se Herberto escrevia com a mão esquerda ou direita, só os que lhe eram próximos devem saber. Mas o coração está do lado esquerdo do homem: é canhoto. E é, ele mesmo, tosco como "água da bica" - "tão em conta" - e que se descobre, afinal, como a água que "salva", essa que "para se não morrer era preciso bebê-la" (Poemas Canhotos). A que vem da mais trabalhosa e difícil das fontes e que se descobre, no final, "água da bica", tão comum.