"A UE deverá ter tolerância zero para com o dinheiro sujo"
A comissária europeia Helena Dalli defendeu esta quarta-feira no Parlamento Europeu que a questão de branqueamento de capitais "não é um problema de um único país" e que "a UE deverá ter tolerância zero para com o dinheiro sujo".
Num debate em Estrasburgo à luz das novas revelações do Luanda Leaks, a Comissão passou ao lado do caso concreto que envolve as revelações sobre Isabel dos Santos, para defender uma "melhoria na arquitetura de supervisão" para ajudar no combate a estes problemas.
"Uma melhor ampliação das regras de combate ao branqueamento de capitais em toda a UE e uma melhor supervisão são fundamentais para melhorar a resistência do nosso sistema financeiro", afirmou Dalli no plenário.
Segundo a comissária maltesa, a Comissão irá adotar um novo plano de ação de combate ao branqueamento que irá melhorar a própria aplicação prática das leis. Dalli lembrou ainda que "muito já foi feito" com a quinta diretiva que devia ter sido transposta pelos estados-membros até janeiro.
Portugal está entre os oito países que foram alvo de um procedimento de infração que "deram mostra de uma total falta de transposição da diretiva", indicou Dalli. "Há um problema que não é a falta de regras. É a própria aplicação das regras, o que é feito a nível nacional. E há desigualdade de país para país", referiu.
"A comissão reconhece que mais terá que ser feito. Há necessidade de fazer face às fraquezas estruturais que têm a ver com uma certa fragmentação regulamentar ao nível dos Estados-membros. É aqui que o valor acrescentado europeu existe. A Comissão quer trabalhar para a criação de uma política de combate ao branqueamento de capitais ampla, que se baseie nas regras existentes, introduzindo as melhorias necessárias", disse. "Há margem de manobra para harmonizar as regras existentes. É necessário ter mais partilha de informação entre as autoridades de aplicação da lei para detetar e levar à barra do tribunal os criminosos e conseguir a recuperação dos ativos", acrescentou.
Em nome do Conselho Europeu, a croata Nikolina Brnjac admite que foram feitos progressos na área do combate ao branqueamento de capitais, mas lembra que é preciso aplicar na prática as regras recentes. Sobre o Luanda Leaks defendeu que são alegações "muito preocupantes", se confirmadas. "Para o país em questão, que poderá ser privado de rendimento considerável, mas para os bancos europeus também, porque, ao que parece, nem todas as regras que deveriam ter sido seguidas foram seguidas", indicou. Mas lembrou que as investigações estão em curso, tanto em Angola como em Portugal.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou no dia 19 de janeiro mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano utilizando paraísos fiscais.
Antes do debate, o eurodeputado socialista Pedro Marques defendeu, em conversa com os jornalistas, uma maior "celeridade" em lidar com os problemas da lavagem de dinheiro, assim como dotar os supervisores europeus de "outras condições para não deixar que estas coisas aconteçam com regularidade".
"Nós vamos em cinco pacotes legislativos aqui a nível europeu do combate à lavagem de dinheiro, normalmente tem sido um por cada escândalo, o que mostra que temos andado sempre a correr atrás do prejuízo", referiu Marques. "Provavelmente precisamos de mais regras de regulação europeia e se calhar precisamos de, em vez de estarmos sistematicamente a aprovar diretivas cada vez que há uma crise destas, aprovar uma regulamentação europeia mais robusta e que se aplique de forma uniforme em todos os Estados-membros", acrescentou.
Por seu lado, a eurodeputada do PSD Lídia Pereira criticou a falha na supervisão no que diz respeito ao Luanda Leaks. "É um escândalo que fragiliza a posição de Portugal, põe a nu a fragilidade da supervisão portuguesa e tem de ser investigado e os responsáveis têm de ser apurados", disse. Já Nuno Melo, do CDS, falou de "uma certa ligação delinquente entre a atividade política, a banca e alguns privilegiados dos regimes, que custa muito aos contribuintes e ao erário público", defendendo a necessidade de uma investigação.
Pelo BE, o eurodeputado José Gusmão, que pediu a realização de debate, observou que "se estes escândalos se vão sucedendo e a UE vai estabelecendo compromissos e depois nada acontece, é própria credibilidade das instituições europeias e a própria confiança dos cidadãos nas instituições europeias que está em perigo".
O eurodeputado Francisco Guerreiro, do PAN, argumentou que "o sistema financeiro e bancário [na UE] está feito para promover este tipo de esquemas", e precisou que, em Portugal, o programa de autorização de residência para investidores -- 'vistos gold' -- tem sido, a seu ver, "uma porta de entrada para este tipo de atividades".
Por seu turno, o eurodeputado do PCP João Ferreira afirmou ser "importante que tudo o que sejam ilegalidades ou ilicitudes, envolvendo Portugal, sejam investigadas", devendo-se depois "agir em conformidade". Já falando sobre Angola, rejeitou que se "aproveitem esses problemas e essas dificuldades" para a UE se "imiscuir numa situação que só aos angolanos cabe decidir".
A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes regressou esta quarta-feira aos corredores do Parlamento Europeu, aproveitando o facto de estar em Estrasburgo para uma conferência sobre migrações para assistir ao debate sobre o Luanda Leaks.
Aos jornalistas, lembrou que "Portugal está numa posição extremamente vulnerável" no que toca ao branqueamento de capitais, pedindo uma rápida transposição da diretiva sobre o tema. Portugal foi um de oito Estados-membros que ainda não notificaram Bruxelas de "quaisquer medidas de execução" relativamente à quinta diretiva sobre branqueamento de capitais, que deveria ter sido integralmente transposta até 10 de janeiro. Por causa disso, a Comissão Europeia instaurou um processo de infração.
Apesar de pedir rapidez, Ana Gomes disse também esperar que a diretiva seja "bem transposta", alegando que muitas vezes a transposição em Portugal tem 'água no bico' em algumas formulações que são feitas por escritórios de advogados que trabalham para o Estado e que não estão necessariamente a servir interesse público, mas os interesses de certos grupos privados".
Falando sobre o caso Luanda Leaks, considerou "mais uma demonstração, como já era o Football Leaks, da total vulnerabilidade do nosso país, a ser lavandaria de vários tipos de criminalidade organizada, de máfias de todo o tipo".