A princesa francesa trocada com Madrid
O cinema histórico francês parece estar a respirar dias de recuperação. Após o épico Uma Nação, Um Rei, de Pierre Schoeller, sobre a Revolução Francesa, chega agora A Troca das Princesas, a partir do bestseller de Chantal Thomas que teoriza sobre uma troca de princesas em 1721 entre o regente da coroa francesa, Filipe de Orleães e Filipe V, de Espanha. A ideia era propor o casamento de Luís XV, de 11 anos, com a infanta Ana Maria Vitória, com quatro. Além do mais, a filha de Filipe de Orleães, a Mlle Montpensier, de 12 anos, é oferecida ao Príncipe das Astúrias, o herdeiro de Espanha. Uma troca que agrada a Madrid, mas tudo corre pelo pior...
Marc Dugain assina este drama histórico com algum recato e é perito em recriar as atmosferas sinistras de ambas cortes. Ainda assim, A Troca de Princesas é cinema ao lado da estética comercial subjacente às ficções históricas que tanto abundam agora nas livrarias.
"Trata-se de um filme que aborda um período da História muito mal conhecido na Europa. Um período que anuncia o fim da monarquia. Ao mesmo tempo, quis debruçar-me na maneira como as crianças eram tratadas no século XVIII, ou sejam, não eram consideradas crianças por adultos que se comportavam como crianças. O rei espanhol aqui é um pouco uma criança grande. Criança mas louco...", diz-nos um muito bem disposto Marc Dugain, o realizador de um filme que não foi feito para o circuito dos festivais.
A Troca das Princesas acaba por ter indiretamente a ver com Portugal: depois desta troca desastrosa, Ana Maria Vitória viria a casar com o rei D.José, de Portugal, assumindo depois a regência do nosso reino. De alguma forma, sente-se que toda esta escala folhetinesca poderia servir como pano de fundo para um formato de série de televisão. Ainda assim, o realizador francês admite ser um fã daquela época: "Trata-se do século das luzes e no qual muito se passa. Foi aí que o pensamento começou a ser fulcral. E atrai-me também toda a sua estética. Para este filme, a componente visual foi um desafio! Antes, tínhamos o Barry Lindon e a barra de qualidade estava altíssima. Mas entrei sem complexos e fiz o filme desinibido... Certas ideias visuais surgiram não por reflexão mas muito mais por instinto. O filme acabou se impor a mim próprio".
Mais do que a ambição de relatar a História em todo o seu esplendor dos segredos, Dugain quis tocar num outro patamar: "A Troca das Princesas tem uma ambição artística. Mostrei ao diretor de fotografia quadros de Thomas Gainsborough e Hogarth e tentámos saturar aqui e ali a luz. Falámos muito os dois, as cores eram muito importantes. Antes de mais, queria também alguma autenticidade. Apesar de a história ser dramática, não queria uma luz dramática, queria apenas a luz verdadeira daquela altura. A Maria Antoniette, da Sofia Coppola, era uma coisa muito mais próxima da interpretação moderna. A minha aproximação à história foi outra".
Filmado em palácios belgas que fingem ser Madrid e Versailles, A Troca das Princesas finge também ser uma grande produção. Um dos seus maiores trunfos são as crianças que interpretam os príncipes, eles sim os verdadeiros protagonistas, embora nunca seja boa ideia ignorar atores como Kacey Mottet Klein, Lambert Wilson ou o imenso Olivier Gourmet. "Não tenho segredos para dirigir crianças-atores. Mas se quiser mesmo saber, é só um: estes são mesmo atores fortíssimos! Claro que trabalhámos muito com eles antes, sobretudo com um preparador. Mas também tive de preparar o preparador...Quis ser muito preciso com as crianças em qualquer linha de diálogo... Foram mesmo extraordinários; em dois takes conseguíamos o que queríamos. Eram meninos dotados para o cinema, nada mimados. O que gosto nas crianças é que não trazem preconceitos, são totalmente maleáveis.. Às vezes, os atores franceses com muita experiência exageram na personalidade que trazem para o papel. Com eles, tudo foi muito simples".
A seguir, Marc Dugain mete-se noutra adaptação literária de peso: Balzac, Eugènie Grandet.