Uma das batalhas mais importantes dos nossos tempos é a da preservação das instituições democráticas. E, se queremos vencer esta batalha, não podemos jogar apenas à defesa. Temos de ser inteligentes no "ataque" aos que todos os dias lutam para destruir os alicerces da nossa democracia. E são muitos, dentro e fora dessas instituições..A sucessão de notícias das últimas semanas (dos últimos anos) é verdadeiramente assustadora. Três juizes desembargadores - dos quais dois são ex-presidentes do Tribunal da Relação - suspeitos de abuso de poder. Dois ex-juízes do mesmo tribunal despedidos por suspeitas de crimes de tráfico de influencia, fraude fiscal, branqueamento de capitais e recebimento indevido de vantagem. Altas patentes da Polícia Judiciária Militar em tribunal, acusadas de encenar o roubo de armas em Tancos. Um ex-ministro da defesa acusado de encobrimento. Um ex-primeiro-ministro acusado de corrupção, fuga ao fisco e branqueamento de capitais... Isto para ir aos exemplos mais recentes e mais mediáticos..É impossível. Mesmo presumindo a inocência de todos os que ainda não foram julgados e condenados, é completamente impossível que a confiança dos cidadãos nas instituições não saia fortemente abalada. É claro que podemos sempre tentar ver o copo meio cheio: se sabemos destes e de outros casos, é porque a justiça ainda funciona. É porque as instituições continuam de pé e, por muito que as tentem corroer por dentro, ainda há esperança..Mas este é um copo meio cheio de quase nada, porque a velocidade mediática a que se trituram alguns dos mais altos representantes do Estado de direito - e as respetivas instituições - é muito maior do que a réstia de confiança a que ainda nos podemos agarrar..Neste processo de destruição, há ainda que contar com a pocilga em que se transformaram as redes sociais, locais lamacentos onde chafurdam cobardes anónimos - e outros menos anónimos -, capazes dos julgamentos sumários mais rápidos da história. Antros onde, tipicamente, os oportunistas disfarçados de políticos se movem à procura da tribo que, a seguir, há-de levá-los para dentro do sistema que tanto contestam..A responsabilidade do poder político - e do poder judicial, já agora - é hoje, por isso, maior que nunca. Nas ações concretas que tem para combater este desgaste acelerado das instituições, mas também nas escolhas que faz e, sobretudo, nas que deixa por fazer..A trituradora. Eis o motivo pelo qual é cada vez mais difícil atrair gente boa e competente para a causa pública. E eis, também, parte da explicação para que a mediocridade e a falta de escrúpulos vá tomando conta, progressivamente, das nossas instituições. Como se não bastasse já a trituradora mediática e a das redes sociais, os partidos políticos decidiram começar a triturar pessoas também no Parlamento..O que se passou na semana passada com a votação dos nomes para o Tribunal Constitucional e para o Conselho Económico e Social é, por motivos diferentes, um péssimo exemplo e de uma irresponsabilidade a toda a prova. De uma assentada, o PS conseguiu triturar três personalidades. E, no caminho, as instituições para onde estavam a ser propostas. Não sei se por amadorismo, por arrogância, por pura incompetência ou pelas três em simultâneo..Comecemos por Vitalino Canas. A escolha, que, já de si, é muito discutível - à mulher de César não basta ser séria...-, ia evidentemente levantar sérias reservas na sociedade e, por arrasto, entre os deputados na Assembleia da República. Ainda assim, e mesmo sabendo que não tinha maioria absoluta - como lembrou e bem o Daniel Oliveira no Expresso desta semana -, o PS decidiu avançar sozinho e sem qualquer negociação que preservasse os nomes que estava a propor e, sobretudo, as instituições que estão em causa. Ignorou os sucessivos sinais que iam surgindo dos vários partidos políticos e insistiu em atirar Vitalino Canas - que anda há 40 anos a preparar-se para o cargo - às feras, sem garantir, sequer, a totalidade dos votos dos deputados do PS. Não sei se Vitalino Canas está disponível para se submeter a nova votação ou se o PS quer voltar a propor o seu nome, mas sei que, mesmo que Vitalino Canas venha a ser eleito à segunda, esta será sempre uma escolha ferida de morte para o mais importante tribunal do país..O caso de Correia de Campos é ainda mais obtuso. Eleito há quatro anos para o Conselho Económico e Social à segunda tentativa, o ex-ministro socialista voltou a passar pela humilhação de ver o seu nome chumbado no Parlamento. Se, por um lado, o PS não cuidou, mais uma vez, de negociar com os vários partidos com assento parlamentar o nome do presidente do Conselho Económico e Social, é, para mim, ainda mais incompreensível que os mesmos partidos que, há quatro anos, elegeram Correia de Campos e nunca lhe fizeram uma crítica durante o mandato, agora decidam chumbá-lo..Não admira, por isso, que o ainda presidente do Conselho Económico e Social não se queira sujeitar a nova votação. E a uma provável nova humilhação. Sujeitar-se a uma nova votação seria prolongar uma espécie de tortura mediática que Correia de Campos não fez nada para merecer e não contribui em nada para a dignificação do Conselho Económico e Social..A última coisa de que o país precisa é de mais murros no estômago. Pelo contrário, precisa de recuperar a confiança nas instituições, mas isso não se faz sem, primeiro, as dignificar e aos que as representam. E essa é uma tarefa que cabe, em primeiro lugar, aos partidos políticos: com bom senso, com capacidade de negociação e de consenso. Caso contrário, vamos andar todos os dias a queimar pessoas na praça pública. Ou a levantar suspeitas que eram absolutamente desnecessárias sobre as instituições. E o caldo em que vive a nossa democracia é já suficientemente ácido para nos darmos ao luxo de continuar a atirar para o caldeirão mediático instituição atrás de instituição, sem que nos apercebamos de que estamos a corroer os pilares do nosso regime democrático.