Enquanto os afegãos aguardam pacientemente um anúncio já há muito esperado de Washington quanto ao que será a futura política dos EUA no seu país, estão também a sofrer uma ofensiva devastadora dos talibãs e uma grave crise política que se desenrola em Cabul..Entretanto, os talibãs estão também a enviar mensagens para a Casa Branca. O enorme ataque de ontem com um carro-bomba no centro de Cabul e ao lado do bairro diplomático, fortemente defendido e protegido, deixou a cidade e o país a tremer, embaixadas danificadas, os hospitais a transbordar e a segurança em risco em todo o país. Pelo menos 90 pessoas foram mortas e há mais de 400 feridos. Com a gravidade dos feridos, espera-se que o número de mortes aumente ainda mais.."Os talibãs têm agora acesso a todas as cidades e há pouco que o governo possa fazer sobre isso", confessou um alto funcionário afegão que falou comigo antes deste bombardeamento. O ataque ainda não foi reivindicado por ninguém, embora as hipóteses estejam limitadas aos talibãs ou aos seus rivais extremistas do Estado Islâmico..A confusão em relação ao Afeganistão aumenta por todo o lado. A equipa de segurança nacional dos EUA liderada pelo oficial general H.R. McMaster já havia concordado em enviar mais tropas norte-americanas para o Afeganistão, entre 3000 e 5000 militares para se juntarem aos 8400 dos EUA e aos 4000 da NATO já presentes no país. Já só era necessária a assinatura do presidente Trump quando a Casa Branca e o Departamento de Estado levantaram objeções e a nova política afegã ficou suspensa..A guerra está a correr mal. As baixas militares afegãs são surpreendentes. Mais de 1500 militares afegãos foram mortos nos primeiros quatro meses deste ano. No final de abril, um ataque talibã devastador a uma base do exército matou cerca de 200 soldados, levando à demissão do chefe do Estado-Maior do Exército afegão e do ministro da Defesa. Dias depois, os talibãs anunciaram a sua ofensiva da primavera, anúncio seguido de mais ataques sangrentos, tanto pelos talibãs como pelo Estado Islâmico. Cada um está a tentar superar o outro aumentando os ataques com grande número de vítimas..Washington calculou, no final do ano passado, que o controlo incontestado do governo de Cabul era de apenas 57% do país contra 72% um ano antes..O já frágil governo está à beira do colapso, pois dezenas de milhares de afegãos cultos fugiram para a Europa e para os países do Golfo, enquanto a escassez de fundos internacionais e a corrupção local levaram a uma grave crise económica..A máxima e trágica ironia - visível para os afegãos de uma geração mais velha - é que o mesmo grupo de senhores da guerra que derrubaram o regime comunista afegão em abril de 1992 e mergulhou o país numa guerra civil, que veio apenas anunciar os talibãs, estão novamente de volta a Cabul, procurando destituir o governo eleito..O presidente Ashraf Ghani lidera um governo de coligação fraco e dividido. As eleições fortemente disputadas de há dois anos foram parcialmente resolvidas quando autoridades norte-americanas negociaram um acordo entre Ghani e o seu principal rival, Abdullah Abdullah, que foi nomeado primeiro-ministro. Ele deveria conseguir o apoio de mais figuras da oposição que, por sua vez, apoiariam o governo. Em vez disso, Abdullah agora está profundamente em desacordo com Ghani, enquanto outros membros do gabinete estão também a abandonar o governo. Ahmad Zia Masud, ex-representante especial do presidente para reformas e um proeminente líder tajique, renunciou no mês passado acusando Ghani de desestabilizar o país, o que Ghani nega..Masud pediu agora um movimento de massas para forçar o presidente a demitir-se e a criação de um governo de transição que fará novas eleições. Masud é irmão de Ahmed Shah Masud, que foi o líder da resistência antitalibã na década de 1990 e foi assassinado pela Al-Qaeda em 2001..Enquanto isso, o vice-presidente, o general usbeque Abdul Rashid Dostum, foi enviado para o exílio na Turquia depois de os seus assessores terem sido acusados de abusos sexuais a um político usbeque rival. Dostum nega essas acusações, mas um mandado de captura contra ele emitido em janeiro não foi implementado. Dostum é injuriado por muitos afegãos, mas é tão poderoso na sua comunidade usbeque que Ghani não se atreve a agir contra ele..Entretanto, a 4 de maio, Gulbuddin Hikmetyar, um famigerado senhor da guerra, regressou a Cabul com os seus combatentes ao abrigo de uma amnistia dada por Ghani. Ele era uma personagem implacável que matou mais afegãos do que as tropas soviéticas na década de 1980. Hikmetyar prometeu cumprir a Constituição, mas ninguém confia nele. Os afegãos estão profundamente conscientes de que os irmãos Masud, Dostum e Hikmetyar são os mesmos senhores da guerra que criaram a guerra civil que começou em 1991..A crise política em Cabul, além da interferência de vizinhos, como o Paquistão, o Irão e a Rússia, são os problemas mais graves que o presidente Trump enfrentará quando decidir finalmente qual a sua política afegã. No entanto, se o frágil governo afegão entrar em colapso, há poucas dúvidas de que a disputa que se seguirá não será organizada, mas antes catastrófica e sangrenta.