Dizem que os Anjos não têm sexo mas o Palácio dos Anjos, em Algés, é feminino nos próximos seis meses. Abre as portas à sexualidade das mulheres, um tema de que importa falar, segundo a mentora do projeto, a sexóloga Marta Crawford. Trata-se a exposição "Amor Veneris, Viagem ao Prazer Sexual Feminino", inaugurada na sexta-feira. A arte é o fio condutor para falar de prazer, mas também de violência sexual.."Amor Veneris é uma viagem. A ideia principal é trazer à discussão a temática da sexualidade e do prazer da mulher, questões que têm sido relegadas para o vão de escada. Mesmo a nível científico, a maior parte da investigação é sobre a sexualidade masculina. Há muito que é tempo de falar sobre a sexualidade feminina", argumenta a sexóloga. E para tal conta com a arte contemporânea, que entende estar "num patamar diferente". A mostra está patente até 30 de dezembro..Uns lábios gigantes no jardim do Palácios dos Anjos convidam a entrar no edifício que representa o corpo da mulher. Uma metáfora que acompanha toda a exposição. Os visitantes podem optar por dois caminhos: "consentimento" e "não consentimento"..A área do "não consentimento" alerta para os maus tratos e violência sexual contra as mulheres. Não podia faltar a arte de Paula Rego, nem a banda desenhada de Alice Geirinhas sobre a Tânia Vanessa . Lê-se num dos balões: "Levo porrada à segunda e quarta e à sexta só violada". Entre outros artistas, há também uma obra de Ana Rocha de Sousa que é das poucas criadas para a exposição. O foco da realizadora de Listen é um espelho que faz do público um espectador da violência contra a mulher..No final, o visitante recebe um manifesto com a pergunta: "Entraste sem consentimento e se tivesses pedido?" E segue para a área do consentimento. Quem começou por esta parte, terá também um texto a convocá-lo para ver as obras expostas no "não consentimento".."O conceito desta exposição reflete as minhas preocupações enquanto terapeuta sexual. Vejo jovens adultas que têm um discurso de dor e de aceitação, muitas vezes por ignorância e falta de auto estima. É preciso desmistificar, falar destas temáticas, para que muitas mulheres deixem de dizer: "Não mereço"; "não tenho direito""..As salas do consentimento são dedicadas ao prazer sexual. Estão divididas por três partes do corpo: a cabeça - "principal órgão sexual" - , a pele - "o maior órgão sexual" - e o clitóris - "o único órgão cuja função é exclusivamente dar prazer". Desenhos, óleos, esculturas, fotografia, documentários, perfumes e instalações interativas abordam o prazer feminino, em espaços delimitados por cortinas. Aqui, fala-se da sexualidade como um direito. Marta Crawford sublinha: "Há um desfasamento relativamente a esta questão pelo mundo. Há uma sociedade que defende o prazer como um direito, o direito ao orgasmo. Mas há muitas mulheres que nem sequer podem falar do prazer, não conhecem essa realidade"..São muitos os artistas presentes nesta mostra, mais de três dezenas, entre eles Jamie McCartney, com o painel Grande muralha da vagina. Resulta de 400 modelos de vaginas, de mulheres voluntárias, esculpidos em gesso. "Não são vaginas, são vulvas", corrige a sexóloga, uma correção que o artista já acatou. Vamos à lição: vulva é a parte externa do aparelho genital feminino, enquanto a vagina é uma cavidade dentro da vulva..Julião Sarmento é outro dos convidados. Ana Pérez-Quiroga fez uma peça sobre o tema. Erika Lusk apresenta alguns dos filmes pornográficos que realizou e que se destinam ao público feminino. E Sophia Wallace preenche uma sala com as 100 regras da cliteracia, adaptadas a Portugal. Frases que alertam para a discriminação entre homens e mulheres. Por exemplo, o sexo masculino representa "96 % dos estudos sobre sexualidade"; "200 milhões de mulheres foram sujeitas à mutilação feminina" (OMS). E há provocação: "Democracia sem cliteracia? Falácia"..Tudo termina no orgasmo, com os Error-43 a criar uma instalação robótica desse momento a partir das explicações de Marta Crawford. "Pensámos em vasos sanguíneos, nos espasmos e contrações durante o orgasmo".Esta é a primeira exposição do MUSEX, o Museu Pedagógico do Sexo, uma ideia para todos os públicos que Marta Crawford alimenta desde 2011. Todos achavam o projeto interessante, mas a sexóloga diz que "não têm o arrojo de Isaltino Morais", o presidente da Câmara de Oeiras. Este "não cedeu ao pudor que envolve a sexualidade feminina". A sexóloga apresentou-lhe o projeto há quatro anos e agora a mostra no Palácio dos Anjos será um teste à adesão do público. "O MUSEX não tem espaço próprio mas tem um conceito muito forte, uma identidade", diz Marta Crawford..A exposição faz parte de um projeto mais amplo, sendo acompanhada por atividades destinadas a todos os públicos, incluindo escolas, como debates e oficinas de artes. Cumpre os objetivos do MUSEX, que é a componente educativa e informativa, além de ligação à comunidade. A Associação para o Planeamento Familiar dará consultas de sexologia e de planeamento. O Dia Nacional da Saúde Sexual, 4 de setembro, será particularmente ativo. Vai ser realizado um estudo sobre a importância da sexualidade feminina, que conta com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Sexologia.. ceuneves@dn.pt"