A única coisa que interessa em Fátima é Nossa Senhora, o que Ela disse e o que Ela fez. Sem a sua presença, Fátima deixa de existir. No entanto, recentes entrevistas de eminentes clérigos parecem dizer que, afinal, a Senhora não esteve lá. Descobriu-se algo de novo ou são mais confusões e mal-entendidos?.A primeira página edição do semanário Expresso na Páscoa, de 14 de Abril, dizia: "É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima." A manchete anunciava a entrevista do professor Anselmo Borges, da Universidade de Coimbra e padre da Sociedade Missionária Portuguesa. Dias depois, a 21, o Público titulava: "Maria não vem do céu por aí abaixo", frase de D. Carlos Azevedo, bispo-delegado do Conselho Pontifício da Cultura no Vaticano e um dos mais respeitados historiadores portugueses da religião. Ao contrário do que possa parecer, não são negações da veracidade das aparições, mas simples reparos técnicos, infelizmente feitos de forma muito imprudente..Aquilo a que ambos os eclesiásticos se referem é um mero detalhe teórico. Como se tem lido nas missas destes dias pascais, Jesus, após a sua ressurreição, apareceu repetidamente aos discípulos. Não vinha na forma anterior, pois ficava oculto à primeira vista (Lc 24, 16; Jo 20, 14), surgia nas salas com as portas fechadas (Jo 20, 19) ou desaparecia de repente (Lc 24, 31). Apesar disso, tinha um corpo que podia ser tocado (Lc 24, 39; Jo 20, 27), partia o pão (Jo 21, 13; Lc 24, 30) e comia peixe assado (Lc 24, 43; Jo 21, 15). Isto é tecnicamente uma "aparição". Em Fátima, ninguém tocou a Senhora, nem Ela comeu nada. Aliás, se tivesse corpo, toda a gente que ali estava a teria visto, e não apenas as três criancinhas. Tratou-se portanto de uma "visão", algo que se manifesta de forma não física e apenas a algumas pessoas. Esta distinção, usando a "linguagem exacta" e teológica, é muito interessante, mas, dita de forma apressada e sem explicação adequada, gera naturalmente dúvidas e confusões..Que Nossa Senhora esteve realmente em Fátima sabemo-lo com segurança desde 1930, quando a autoridade competente, o senhor bispo de Leiria, decidiu "declarar como dignas de crédito as visões das crianças na Cova da Iria, freguesia de Fátima, desta diocese, nos dias 13 de maio a outubro de 1917" (carta pastoral de D. José Correia da Silva de 13 de Outubro de 1930). Sobre isto, para os verdadeiros fiéis, não devem restar dúvidas. As opiniões pessoais e interpretações teológicas são muitas, mas não negam este elemento central. No caso destas duas entrevistas, a finalidade não é realmente rejeitar a mensagem de Fátima, embora tenham explicado pouco e mal o que pretendiam realmente dizer..O padre Borges afirma: "Posso ser um bom católico e não acreditar em Fátima porque não é um dogma", o que é verdade. Mas esquece-se de acrescentar que, depois de tudo o que a Igreja tem afirmado e estabelecido acerca desse fenómeno, o tal "bom católico" teria de ter razões muito fortes e especiais para poder negar aquilo que aconteceu. Um fiel que se limite aos dogmas dificilmente consegue amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo..O senhor D. Carlos, por quem tenho grande respeito e admiração, admite o uso da expressão "visão imaginativa" da pergunta da jornalista, mas sem o cuidado de explicar a diferença entre "imaginativa" e "imaginária". Aquilo que aconteceu foi que as crianças viram imagens, tiveram uma "visão imaginativa", o que não significa que imaginaram aquilo que viram, o que seria uma "visão imaginária". Esta explicação teria sido muito oportuna e importante..Também não ajuda nada dizer: "Há muitos fenómenos de visões. Nós, párocos, conhecemos sempre alguém que nos vem dizer que tem visões. Estes fenómenos são naturais." Isso, mais uma vez, é verdade, mas certamente que não pretende concluir que aquilo que aconteceu em Fátima foi equivalente a uma experiência mística de um paroquiano ou sequer um fenómeno natural. Senão, de onde viriam o milagre do sol, as curas inexplicáveis, as visitas papais e as canonizações?.Nestas entrevistas, e certamente mais vezes nos próximos dias, acontece aquilo que tem sido comum no fenómeno de Fátima desde o princípio: os especialistas tropeçam repetidamente nos obstáculos que eles mesmos criam, enquanto o povo simples e humilde vai directamente ao essencial, sem ligar às teorias. O essencial é que Nossa Senhora esteve e falou em Fátima. Tudo o resto nem precisa de ser dito, porque o povo, mesmo sem conhecer detalhes, sabe bem aquilo que Ela é e quer..Esta situação, afinal, é uma realidade profundamente evangélica. O Senhor Jesus disse-o abertamente uma vez, quando lamentava a falta de fé das cidades privilegiadas de Corazim, Betsaida e Cafarnaum: "Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado." (Mt 11, 25-26).