Página após página é como se estivéssemos ali com eles, como sempre temos estado ao longo dos últimos 40 anos. Mesmo quando julgamos que não, os Xutos & Pontapés estão sempre por perto, como se percebe ao ouvir qualquer uma das suas músicas na rádio; ou, melhor ainda, quando assistimos a um concerto da banda e tomamos consciência de que, afinal, conhecemos todas aquelas letras do princípio ao fim. .Porque os Xutos fazem parte da família, são uns gajos como nós, como mais uma vez se prova no segundo volume de À Minha Maneira, a autobiografia dos Xutos & Pontapés, da autoria da jornalista Ana Ventura, que já no ano passado havia assinado a primeira parte da mesma, dedicada ao período compreendido entre 1979 e 1999. Desta vez, são os últimos 20 anos da carreira da maior banda rock portuguesa, estatuto precisamente conquistado durante este período, que é recordado na primeira pessoa pelos cinco membros dos Xutos..Tal como aconteceu no primeiro volume, é simulado um diálogo entre os elementos dos Xutos & Pontapés, no qual, sempre em discurso direto, contam ao leitor a história e histórias da banda. "Fiz as entrevistas todas individualmente, sem nenhum deles saber o que os outros respondiam", explicou a jornalista..Sobre este segundo livro, Ana Ventura descreve-o como "o volume das emoções", com "as grandes alegrias e as maiores conquistas destes 40 anos de carreira", mas "também temos as muitas lágrimas, porque foi nesta segunda parte da carreira que aconteceram as maiores perdas para a banda": a morte repentina de Marta Ferreira, "a grande manager" da banda, em 2007, e o desaparecimento do guitarrista e fundador da banda, Zé Pedro, falecido em 2017, que foi quem primeiro desafiou Ana a escrever a biografia da banda..No primeiro volume, que começou a ser preparado em 2010, a jornalista juntou, "tipo puzzle", "muitas horas de entrevistas" com cada um dos elementos da banda, que "só se encontram, de facto, no livro". Já para este segundo volume, o "grande desafio" passava pela impossibilidade de entrevistar Zé Pedro, muito embora este continue "completamente presente", através de citações de anteriores declarações do músico à imprensa, rádio e televisão sobre os diferentes assuntos abordados. "Costuma-se dizer que os Xutos e todos os que com eles trabalham são uma família, e é mesmo. E quando nos deixam entrar nela, passamos a fazer também parte dessa família", sublinha a jornalista..O método utilizado, de realizar entrevistas distintas, com o cruzamento das mesmas a ser feito apenas nas páginas do livro, levou, segundo o baterista Kalú, "a algumas situações engraçadas", porque "já havia muitas brancas ali pelo meio", entretanto esclarecidas pelos restantes companheiros - ou não. "Foram muitas as vezes em que a Ana me ligou, a dizer que tinha mais uma pergunta, porque o João tinha dito isto ou o Tim aquilo, lá tinha de me tentar lembrar. Apesar de este segundo livro ser sobre o nosso período mais recente, a cabeça está muito mais estragada", diz com humor, confessando, ainda assim, que "foi bom recordar" todas aquelas histórias. "Ou os bocados que me lembrava, porque de facto já não me lembrava de muita coisa", admite ao DN..A verdade é que nem sempre as histórias de cada um batiam certo, mas, segundo o saxofonista Gui, "essa é que é a grande graça deste livro". Já o guitarrista João Cabeleira prefere sublinhar as diferenças entre o primeiro volume e este segundo tomo: "No primeiro éramos mais jovens e mais malucos, fazíamos muito mais porcaria. E neste segundo volume, se calhar por causa da idade, percebe-se que ganhámos um bocado mais de juízo", atira, perante o espanto dos colegas. "Achas mesmo?" A pergunta, feita por Kalú, é de imediato respondida por Gui - "Acho que não" - levando a nova provocação de João Cabeleira: "Estás a ver porque é que as histórias não batem certo?".Tal como no primeiro volume, os diferentes capítulos têm como título apenas um número, em caracteres romanos, havendo no entanto duas exceções, aqueles que são dedicados a Marta Ferreira e a Zé Pedro. "Os capítulos que têm mais significado para mim são precisamente esses, porque o resto são as histórias habituais de uma banda, os concertos, uns maiores, outros mais pequenos, os discos, as relações entre nós. Foi bom termos falado e, de certa forma, arrumado esses dois assuntos, que tanto mexeram connosco. E que tudo isso tenha ficado escrito num livro", reconhece Kalú..Já o baixista e vocalista Tim prefere ir por outro caminho: "Podia dizer o mesmo que o Kalú, claro, mas para não ser igual vou mesmo escolher esse relato dos concertos e dos discos, através dos quais se dá a perceber aos leitores como as nossas posições, dentro do grupo, nem sempre foram consensuais e que tivemos receios e divisões entre nós em muitos desses momentos. As pessoas pensam que quando chegamos ao palco está sempre tudo pronto e tudo bem... De certa forma, é mesmo isso que é suposto pensarem, mas assim ficam também a perceber que por trás daquilo tudo existe um imenso trabalho, muitas conversas, decisões e algumas discussões. Penso que este livro explica isso muito bem.".E ainda haverá material para um terceiro volume? A melhor resposta a esta pergunta é dada nas páginas do livro, por uma banda que tem feito da resiliência, do querer e do crer a sua maior força, mesmo nos piores momentos. Parar não é, portanto, uma opção, como revela, com humor, João Cabeleira: "Uma vez perguntaram-me o que íamos fazer quando os Xutos acabassem. Os outros não sei, mas eu quero ser cremado."