A sabedoria de viver (2)

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Como prometido, dou continuidade à crónica da semana passada, com pensamentos, estórias, contos..., a partir das "sabedorias do mundo".

Atendendo à situação de confinamento em casa, resumo, numa segunda parte, dez conselhos do dominicano Frei Betto, que, durante a ditadura brasileira, esteve detido em celas de isolamento.

I. A sabedoria de viver (continuação)

4. Paciência inteligente

4. 1. A paciência é um remédio universal para todos os males (provérbio nigeriano).

4. 2. Um adolescente japonês foi ter com um mestre de artes marciais e perguntou-lhe quanto tempo seria necessário para aprender esta arte.

- Dez anos, disse-lhe o mestre.

- Dez anos? É demais. Nunca terei força para esperar!

- Então, vinte anos, disse-lhe o mestre.

(Conto japonês)

4. 3. Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que agora consagrava a sua vida a ensinar o budismo zen aos jovens. Apesar da sua idade, murmurava-se que era ainda capaz de enfrentar qualquer adversário. Um dia chegou um guerreiro conhecido pela sua total falta de escrúpulos. Era célebre pela sua técnica de provocação: esperava que o seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência rara para aproveitar-se dos erros cometidos, contra-atacava com a rapidez do raio. Este jovem e impaciente guerreiro nunca tinha perdido um combate. Como conhecia a reputação do samurai, tinha vindo para vencê-lo e aumentar a sua glória.

Todos os estudantes opunham-se a esta ideia, mas o velho mestre aceitou o desafio. Reuniram-se todos numa praça da cidade e o jovem guerreiro começou a insultar o velho mestre. Atirou-lhe pedras, cuspiu-lhe na cara, gritou dizendo todas as ofensas conhecidas, incluindo ofensas contra os seus antepassados. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. Ao cair da noite, esgotado e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.

Desapontados por verem o mestre aceitar tantos insultos e provocações, os estudantes perguntaram: "Como suportou esta indignidade? Porque é que não se serviu da espada, mesmo sabendo que ia perder o combate, em vez de exibir a sua cobardia diante de nós todos?" "Se alguém vos oferece um presente e vós não aceitais, a quem pertence o presente?", perguntou o samurai. "A quem tentou dá-lo", respondeu um dos discípulos. "Isso vale também para a inveja, a raiva e os insultos", disse o mestre. "Quando não são aceites, pertencem sempre a quem os leva no coração." (conto japonês)

Aqui, eu lembrei-me do jogador brasileiro Dani Alves, do Barcelona, a quem, há alguns anos, em pleno jogo, quiseram humilhar, atirando bananas para o campo. E ele? Descascou uma banana e comeu-a. Ridicularizou os imbecis e triunfou com inteligência sobre quem, racista, queria humilhá-lo.

5. A morte

5. 1.

- Que fazes?

- Procuro um meio de não morrer.

- E dá resultado?

- Para já, sim. Até agora deu. (Estória da cultura muçulmana)

5. 2. Numa bela manhã, o califa de uma grande cidade viu correr para ele num estado de grande agitação o seu primeiro vizir. Perguntou as razões desta inquietação e o vizir disse-lhe:

- Suplico-te, permite-me deixar a cidade hoje mesmo.

- Porquê?

- Nesta manhã, ao atravessar a praça para vir ao palácio, senti-me tocado no ombro. Voltei-me e vi a morte, que me olhava fixamente.

- A morte?

- Sim, a morte. Reconheci-a perfeitamente, toda vestida de preto com um lenço vermelho. Ela está cá e olhou para mim para meter-me medo. Ela anda à procura de mim, estou certo disso. Vou buscar o meu melhor cavalo e poderei chegar nesta noite a Samarcanda.

- Era realmente a morte? Tens a certeza disso?

- Absoluta. Vi-a como te estou a ver. Tenho a certeza de que era ela. Deixa-me partir, peço-te.

O califa, que tinha afecto pelo seu vizir, deixou-o partir.

O homem voltou a casa, pôs a sela ao primeiro dos seus cavalos e atravessou a galope uma das portas da cidade, na direcção de Samarcanda. Um pouco mais tarde, o califa, atormentado por um pensamento secreto, decidiu disfarçar-se, como fazia por vezes, e sair do palácio. Sozinho, dirigiu-se à grande praça no meio do barulho do mercado, procurou a morte com os olhos e viu-a, reconheceu-a. O vizir não se tinha enganado. Era da morte que realmente se tratava, alta e magra, toda vestida de preto, o rosto meio dissimulado sob um lenço de algodão vermelho. Ela passava de um grupo a outro no mercado, sem que dessem por ela, batendo com o dedo no ombro de um homem que organizava a sua loja, tocando o braço de uma mulher carregada de menta, evitando uma criança que corria para ela.

O califa dirigiu-se na direcção da morte. Ela reconheceu-o imediatamente, apesar de disfarçado, e inclinou-se em sinal de respeito.

- Tenho uma pergunta a fazer-te, disse-lhe o califa, com voz baixa.

- Estou a ouvir-te.

- O meu primeiro vizir é um homem ainda jovem, cheio de saúde, eficaz e honesto. Porque é que nesta manhã, quando vinha para o palácio, lhe tocaste e o apavoraste? Porque é que olhaste para ele com ar ameaçador?

A morte pareceu levemente surpreendida e respondeu ao califa:

- Não queria apavorá-lo. Não olhei para ele com ar ameaçador. O que aconteceu simplesmente é que, quando por acaso esbarrámos um no outro no meio da multidão e o reconheci, não pude deixar de manifestar o meu espanto, que ele terá tomado como uma ameaça.

- Porquê esse espanto, perguntou o califa.

- Porque, respondeu a morte, não esperava vê-lo aqui. Tenho encontro com ele nesta noite, em Samarcanda.

(Versão de um dos contos mais famosos do mundo, a lembrar a morte inevitável; a morte, que é o impensável que obriga a pensar.)

5. 3. Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar; apenas os atravessamos. O nosso objectivo é observar, aprender, crescer, amar. Depois, voltaremos a casa. (Provérbio aborígene)

5. 4. Onde se encontra o lugar da luz, se aquele que dá a vida se esconde? (Poema azteca)

5. 5. Quando nascestes chorastes, mas o mundo rejubilou. Vivei a vossa vida de tal modo que, quando morrerdes, o mundo chore e vós rejubileis. (Provérbio ameríndio)

5. 6. A morte não passa de um casamento com a eternidade. (Provérbio iraniano)

II. Dez conselhos de Frei Betto para enfrentar o confinamento forçado pela pandemia

1. Mantenha o corpo e a cabeça juntos. Estar com o corpo em casa e a mente focada lá fora pode causar depressão.

2. Crie rotina. Imponha-se uma agenda de actividades. Exercícios físicos, leituras, limpezas, cozinhar, investigar na internet.

3. Não fique todo o santo dia diante da televisão ou do computador. Diversifique as suas ocupações.

4. Use o telefone para ligar a parentes e amigos, não esqueça os mais vulneráveis e sós.

5. Dedique-se a um trabalho manual: reparar coisas, coser, cozinhar.

6. Entretenha-se com jogos. Se está com outras pessoas, estabeleça um momento do dia para jogar xadrez, damas, cartas.

7. Escreva um diário sobre a quarentena. Passar para o papel ou o computador ideias, apreciações, sentimentos é profundamente terapêutico.

8. Se houver crianças ou outros adultos em casa, partilhe com eles as tarefas domésticas.

9. Medite. Mesmo que não seja religioso, aprenda a meditar, pois isso limpa a mente, retém a imaginação, evita a ansiedade e alivia tensões.

10. Não se convença de que a pandemia acabará rapidamente ou durará x meses. Aja como se o período de reclusão fosse durar muito tempo. Na prisão, não há nada pior do que o advogado que garante ao cliente que recuperará a liberdade dentro de dois ou três meses.

III. Concelebrar "coronoviricamente"

Aqui, digo eu. Se é católico e costuma seguir a missa pela televisão ou por outros meios, concelebre em sentido pleno e faça a comunhão. Como explico num texto publicado ontem no jornal Sol.

Padre e professor de Filosofia. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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