A Revolução digital e o mundo do Direito

Countdown to Web Summit 2022 com Inês Portela, consultora de Inovação na Morais Leitão.
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Já não restam dúvidas. Aquele que é muitas vezes visto como um dos mais tradicionais e conservadores setores da nossa sociedade, está finalmente a adaptar-se à mudança e à tecnologia. O mundo dos serviços jurídicos encontra-se em plena transformação.

Há 10 anos, quando criei a primeira legal tech startup portuguesa, incubada na Startup Lisboa, os investidores não percebiam o mercado, o potencial de investimento ou de disrupção na sociedade da, então nascente, indústria de legal technology, ou, Legal Tech. A realidade é que o mercado jurídico parecia não estar preparado para a transformação digital que ocorreu na sociedade e na economia. Nas primeiras edições da Web Summit, as startups do sector jurídico eram escassas. Hoje, os eventos de legal tech e legal innovation são inúmeros e atraem milhares de pessoas em todo o mundo, como aconteceu no mês passado, em Londres, no evento Legal Geek.

Porquê esta mudança?

Nestes 10 anos, (quase) tudo mudou. Hoje vivemos no chamado mundo VUCA (volátil, "uncertainty", complexo e ambíguo). E num mundo tão imprevisível e em constante mudança, os desafios políticos e das empresas "obrigam" à procura de soluções jurídicas diferentes e originais.

Os departamentos jurídicos modernizaram-se e, nalguns casos, são já vistos como geração de negócio e não um centro de custos dentro das empresas. Para tal, o investimento em soluções de CLM (contract lifecycle management) que fazem a gestão da vida dos contratos, tem sido uma aposta fundamental.

O que têm em comum o Santander, a Shell e o Ministério da Justiça?

Outra grande tendência tem sido a adoção de metodologias de design na elaboração de contratos e documentos jurídicos (com esquemas e linguagem simplificada), como tem feito o Santander e a Shell, com o objetivo de serem mais acessíveis e perceptíveis para clientes ou fornecedores. Em Portugal, a Claro tem sido pioneira no legal design: o projeto que fez junto do Balcão Nacional de Injunções aumentou em 67% o número de dívidas pagas de forma voluntária, resultando em menos processos nos tribunais e menos custos para as pessoas e para o Estado.

De uma cultura de perfeccionismo para uma de empreendedorismo

Por sua vez, também as sociedades têm investido em modernizar-se, não só através de investimento em soluções tecnológicas como através de alterações de procedimentos e de cultura. A sociedade internacional Freshfields, por exemplo, tem sido pioneira na adoção de uma mentalidade empreendedora: criaram Labs e Hubs na Europa e Ásia, onde os conceitos de agilidade, e de "testar, falhar e aprender" em colaboração com o cliente, são verdadeiramente disruptivos.
Se olharmos na perspetiva do setor público, vemos inúmeras iniciativas transformadoras: por exemplo no Reino Unido com o TechUK Digital Justice e o Gov.UK.Forms, e ficamos confiantes na evolução deste setor.

E em Portugal?

O Secretário de Estado da Justiça apresentou recentemente um programa de formação sob o nome LAB Justiça com três eixos fundamentais: gestão estratégica, transição digital e liderança em contexto de mudança, essencial para que todos incorporem a transição digital no seu dia-a-dia. Por sua vez, as sociedades nacionais multiplicam-se nas iniciativas com incubadoras, aceleradoras e nas parcerias com Universidades para a tão desejada mudança cultural.

Atualmente, a oferta de soluções legal tech é vasta: na próxima edição da Web Summit, das 19 startups legal, 5 são portuguesas ou têm fundadores portugueses. O que falta para ganharem escala?

Na minha opinião, falta a criação de um verdadeiro ecossistema de inovação jurídico, com a participação do Estado, de empresas, de fornecedores de serviços jurídicos, de inovadores e de consumidores e cidadãos, no qual a partilha de boas práticas, de casos de sucesso e lições aprendidas, de transformação de mentalidades, tenha como preocupação máxima o melhor serviço ao cliente e ao cidadão. Cabe-nos a todos nós, clientes, consumidores e eleitores, exigir essa evolução!

NOVA RUBRICA

Countdown to WebSummit 2022 é uma nova rubrica no Diário de Notícias, que antevê algumas das tendências que vão marcar o próximo encontro mundial das startups no final de outubro, em Lisboa. Até à semana do evento, estarão em análise as oportunidades e os desafios dos investidores, os exemplos inspiradores e as novidades que vão marcar a agenda dos empreendedores nacionais e mundiais. O palco passa por aqui, com a reflexão de especialistas numa nova série de artigos de opinião. O artigo hoje publicado tem a assinatura de Inês Portela, consultora de inovação no setor jurídico. Fundou duas startups legal tech e especializou-se em gestão de projeto e otimização de processos de negócio na Deloitte Consulting e na OCDE. Licenciada em Direito, tem formação em Inovação e Design Thinking pelo INSEAD.

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