"A relação com os pares e o acesso às armas potenciam um plano destes"

Salvador Ramos, um jovem de 18 anos que sofria de bullying, protagonizou um atentado que matou 21 pessoas numa escola primária em Uvalde, no Texas, Estados Unidos.
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"Tem havido situações mais recorrentes de tiroteios em escolas, mas isto não significa que esta geração de jovens seja mais violenta. A família, o contexto escolar, a relação com os pares e o acesso às armas", são fatores que podem contribuir para situações como a que aconteceu em Uvalde (Texas, EUA) onde um jovem de 18 anos matou 19 crianças, com idades entre os 6 e os 10 anos, e dois professores numa escola primária.

Esta é a leitura que Renata Benavente, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses, faz de mais um massacre numa escola dos EUA, lembrando que a "violência em contexto escolar não é uma situação linear". Este ataque foi classificado o mais mortífero registado numa escola dos Estados Unidos na última década e o 27.º tiroteio num estabelecimento escolar desde o início do ano.

Dias depois de comemorar o 18.º aniversário, um jovem identificado como Salvador Ramos comprou legalmente duas espingardas e 375 cartuchos de munição e entrou na Escola Primária Robb, localizada a cerca de 130 quilómetros de San Antonio, no Texas, disparando sobre alunos e professores. Antes teria disparado sobre a avó, com quem vivia, encontrando-se esta hospitalizada, segundo as autoridades texanas.

Salvador Ramos, que segundo informações policiais usava um colete à prova de balas, foi depois abatido pela polícia e os motivos do ataque permanecem desconhecidos.

Ao DN, Renata Benavente explica que "a violência com uso de arma é um fenómeno muito complexo e multifacetado. Como tudo aquilo que diz respeito ao comportamento humano, há variáveis que influenciam determinados desfechos, e este é um desses exemplos. Há circunstâncias que podem potenciar comportamentos violentos, tendo em conta o próprio indivíduo, a família, o contexto escolar, a relação com os pares e o acesso às armas, que é um fator que facilita a execução de um plano destes".

A psicóloga refere o "fenómeno de imitação", que está a ser muito estudado atualmente e pode consistir na "replicação de comportamentos positivos ou negativos geralmente mediatizados". "Numa situação de limite, tudo o que são comportamentos muito falados [tais como os tiroteios nos EUA] podem ser um gatilho e contribuir para aumentar o risco da replicação destas ações".

Vítima de bullying desde criança devido um problema de fala que incluía gaguez e problemas de pronúncia, e com um passado profundamente problemático, Salvador - que publicou no Facebook os seus planos 15 minutos antes do ataque -, chegou a cortar o próprio rosto "só por diversão", contou um ex-amigo, Santos Valdez, ao jornal Washington Post.

"Algumas vítimas [de bullying] desenvolvem alterações ao nível da internalização, como sentimentos depressivos ou baixa autoestima, e muitos têm dificuldade em frequentar o espaço escolar. Outras têm tendência para a externalização dos seus comportamentos através da agressividade", frisa a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos.

"É importante trabalhar com os sobreviventes. Estas situações são traumáticas para as famílias que perderam os seus filhos, para os professores que perderam alunos e colegas e para os sobreviventes que vivem sentimentos duríssimos de culpa", acrescenta.
Perante a situação, o presidente Joe Biden reconheceu que os "tiroteios em massa não acontecem em mais lado nenhum do mundo com a frequência que acontecem na América", pedindo ao seu país que enfrente o lobby das armas. "Temos de fazer mais. É errado um miúdo de 18 anos poder entrar numa loja e comprar uma arma", disse. Também a vice-presidente Kamala Harris, pediu "coragem para agir" sobre a regulamentação de armas.

"Os outros países têm problemas de saúde mental (..) Mas este tipo de tiroteios em massa não acontecem com a frequência que acontecem nos Estados Unidos. Porquê? Porque é que estamos dispostos a viver com esta carnificina? Porque é que continuamos a deixar isto acontecer?", questionou Joe Biden.

O tiroteio em Uvalde foi o mais mortal em escolas desde que 20 crianças e seis funcionários foram mortos em 2012 em Sandy Hook, no estado do Connecticut.

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