O novo ano político que se inicia com uma nova legislatura e com as propostas políticas para o Orçamento do Estado em 2024 promete ser interessante e trazer algumas novidades depois de uma legislatura que acabou com várias polémicas e muito pouca governação, tendo por base o propósito de melhorar a vida dos portugueses. A área da saúde, pela importância que assume para o bem-estar dos cidadãos, ainda para mais com os constrangimentos associados à falta de recursos humanos qualificados com que hoje se depara um utente do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS), assume uma ainda maior relevância..A expetativa em torno do que poderá suceder no próximo ano é grande e, a fazer fé nas reações dos vários atores da área da saúde, o que podemos desde logo constatar são as muitas dúvidas e a desconfiança em torno desta reforma que se propõe realizar a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS). A capacidade de execução de Fernando Araújo e o seu mandato enquanto Presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João são credenciais que lhe são reconhecidas pelo setor, mas, o revés, é mesmo a gestão das expetativas, sendo verdadeiramente esta "reforma", com a criação das novas 31 Unidades Locais de Saúde (ULS) que se vão juntar às 8 já existentes, a primeira grande medida que está sob escrutínio, até tendo em conta a forma como foi anunciada..Marta Temido e o Governo do Partido Socialista fizeram aprovar uma Lei de Bases desajustada da realidade, com um forte cariz ideológico que condiciona Manuel Pizarro e a própria DE-SNS. Recentemente, e bem, Adalberto Campos Fernandes dava nota da necessidade de uma avaliação independente da gestão da pandemia, classificando a gestão como um "desastre". Esta é, por si, uma herança pesada, a que se junta, convém relembrar, o esforço hercúleo desempenhado pelo setor naquele período..Infelizmente, após um ano em funções, os principais problemas mantêm-se: o mau funcionamento dos serviços de urgência, a falta de médicos de família e a incapacidade do SNS em fixar médicos e outros profissionais de elevada craveira, ao que não se pode descurar aquela que é a vaga de emigrações que assistimos no setor. A título de exemplo, só 19% das vagas para médicos de família foram preenchidas na região de Lisboa e Vale do Tejo no último concurso..A somar a estes problemas, apesar do Ministro avançar com propostas legislativas que não foram aceites nas reuniões com os Sindicatos, todo o setor continua ainda sem perceber para quando a aprovação dos estatutos da DE-SNS para ficarem efetivamente definidas as suas funções. É difícil de compreender e, com esta negociação falhada e a falta de autonomia legal e devidamente estruturada as funções da DE-SNS, o seu papel diminui e, com isso, do novo Diretor, colocando-o numa posição difícil enquanto executor, não fazendo jus ao capital que, por mérito, alcançou quando foi nomeado para este cargo. A esta reforma anunciada, podemos ainda acrescentar o Programa Saúde Oral 2.0, onde a expetativa nesta área específica do setor é também elevada, após a recuperação de um projeto que ficou abandonado após a saída de Adalberto Campos Fernandes do Governo e que, agora, tentam novamente reunir os vários atores e tentar dar uma outra vitalidade e propósito aquele projeto..Se tomarmos como exemplo este último Programa podemos vislumbrar a justificação de algum do sentimento que prevalece na área da saúde. Para além duma evidente melhor capacidade de diálogo e de uma vontade efetiva de realizar reformas e mudanças que capacitem o setor para os desafios futuros, as medidas apresentadas acabam por ser parte de projetos já efetivados em certos locais e aos quais os estudos levados a cabo na avaliação dessas experiências, esperemos, tenham sido tomados em conta. Sabemos que a gestão centralizada dos Ministérios da Saúde e das Finanças no sector da saúde não salvaguarda a capacidade de resposta local às necessidades das populações e, em Portugal, não é possível existir uma boa gestão ao nível dos Agrupamentos de Centros de Saúde ou dos hospitais se as respetivas administrações não tiverem autonomia e capacidade de decisão dentro daquilo que é o orçamento que lhes está atribuído..Apesar do financiamento previsto passar a ser feito "per capita" e pela "estratificação pelo risco", ou seja, em função do número de utentes e das suas doenças, a verdade é que as ULS já são financiadas por capitação variável entre regiões, com um suposto ajustamento ao risco da população abrangida, sendo que o que se pretende é, aparentemente, aprimorar as ferramentas de cálculo do custo médio de cada utente, como refere Fernando Leal da Costa, sendo importante reter que um financiamento por risco exige cálculos de custo da cadeia de cuidados, cumprimentos rigorosos de calendários e guidelines precisas. Uma Governação Clínica!.A nova fase que se inicia em 2024 não pode defraudar os muitos profissionais que anseiam por melhores condições de trabalho. Com a concretização da descentralização de competências e as queixas dos autarcas relativamente ao respetivo pacote financeiro envolvido, não podemos ficar com a sensação que o Governo pretende desresponsabilizar o poder central e o subfinanciamento do setor continuar. Queremos acima de tudo que se cumpra o objetivo que é prestar melhores cuidados de saúde, apostando na prevenção da doença e na promoção da saúde, e que as novas ULS, que estão a ser "criadas de baixo para cima", façam, de facto, toda a diferença, como referiu Fernando Araújo..Os portugueses, principalmente aqueles que têm mais dificuldades e aqueles que vivem em territórios de baixa densidade, merecem uma saúde de qualidade..Médico Dentista e Docente na Universidade Fernando Pessoa