Acompanhado de três jovens de rosto japonês, que tocam violentamente guitarras eléctricas e de um baterista que não tira a máscara que lhe permite respirar, nenhum se incomoda com os líquidos que lhe são deitados para cima pelos espectadores em delírio. A poucos metros, uma jovem de calções transporta um barril às costas, que contém tequila. Não deixa de encher os copos vazios entre os que desejam beber mais na assistência, nem o bar deixa de fornecer um Jack Daniel's ou qualquer tipo de álcool que for pedido. Entre os rostos orientais, filipinos e tailandeses, há outros que dançam ao som da banda que ninguém sabia bem dizer o nome, como vários indianos. A compor a plateia estão muitos árabes e europeus. Aliás, são ingleses os que comandam este concurso de bandas, já entrados na idade, e que justificam a não passagem da banda de heavy metal à final por não se entender o que cantam....Em que lugar do mundo é que se passa isto? .Resposta certa: Qatar..É difícil entender como é que em 500 metros quadrados de uma discoteca de um hotel de Doha, a capital do reino, se infringem tantas das regras que regem esta sociedade. Mas a coisa não fica por aí, basta sair do hotel e, dificilmente, se anda 100 metros sem nos cruzarmos com mulheres vestidas de preto da cabeça aos pés, só com um buraco de dois centímetros de altura por uns doze de comprimento a permitir a visão. Afinal, uma grande maioria das mulheres do Qatar não sai à rua sem um véu e uma boa parte cobre-se por inteiro. Só as estrangeiras é que se descobrem um pouco mais - mostrar os ombros já pode dar problema - e, claro, que o lugar privilegiado do salão principal do hotel, aquele que dá para a piscina, tem sempre uns árabes candidatos a passar ali umas horas a fingir que lêem o jornal. .A grande vantagem que têm estes hábitos orientais é que, com alguma discrição, pode-se aprender como é que elas se alimentam e bebem quando em público com aquelas vestes. No souk Waqif, o melhor para os turistas serem enganados com souvenirs locais, elas sentam-se com os filhos nas esplanadas e bebem coca-cola em lata. Levantam uma ponta do comprido véu que as cobre, levam a latinha à boca e sugam, sem se ver um centímetro do rosto. Não há pastéis de bacalhau para acompanhar a cola, mas os petiscos locais também são devorados da mesma maneira! .Quando se diz que não existe o tal pastelinho, não é bem assim. É que o Nando's, um franchise português, já abriu três filiais aqui em Qatar. O anúncio na Time Out cá do sítio mostra uma cataplana algarvia que, garante, é cozinhada com peixe que vem todo de Portugal, com uma paragem em África, onde se acrescenta piri-piri. No anúncio, está ainda um copo de sangria, que mais parece uma flute de champanhe rosé..Em Doha, à margem desta realidade local, discute-se como é que o choque das ideologias pode ser suavizado. Centenas de delegados vindos de todo o mundo participam no 4.º Fórum da Aliança das Civilizações. Uns com palavras suaves; outros, com elas bastante duras, como fez por mensagem Erdogan, o governante turco que fundou com Zapatero a maior iniciativa pela paz depois dos atentados do 11 de Setembro, em Nova Iorque, e do 11 de Março, em Madrid.