Já passaram dez anos desde que Edna se tornou Maria Imaginário, aquela miúda que desenhava gelados e guloseimas coloridos em paredes cinzentas da cidade de Lisboa. Desde então, "trabalhei para pagar a escola, dei aulas de desenho, trabalhei para agências de publicidade a fazer ilustração". No ano passado, foi autora de uma das sardinhas que as Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro produzem em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa..Tem 30 anos, já deixou as paredes da rua, concentrou-se nas telas que pinta em sua casa, feita ateliê. Começa de manhã bem cedo, depois de passear o cão, conta. Quando a encontramos, está rodeada de personagens suas, fazendo jus ao apelido. O traço é o dela, aquelas personagens - reconhecemo-lo imediatamente - são dela. Foram "acontecendo" no desenho e na pintura. "Pintar pertence à mão. Nem sei explicar. Tenho dificuldade em explicar a alguém como é que se pinta, porque para mim isto é inato." Então agarra no pincel..[destaque:Em 2015 foi uma das autoras das sardinhas Bordalo Pinheiro].Colados na tela à sua frente, há vários papelinhos amarelos onde se lê: "1 hora e meia", "2 horas", "1 hora". Servem para Maria Imaginário se orientar na pintura, saber quanto tempo deve usar em cada parte do quadro, para que não se distraia com o tempo. Maria estava sentada no chão da galeria Underdogs, em Lisboa, ainda durante a montagem da exposição A Mind of Its Own, e desligou o cronómetro do telemóvel..Para a exposição na galeria lisboeta gerida por Pauline Foessel e Vhils (Alexandre Farto), Maria deixou aquela que tem sido a sua personagem principal: o Coraçãozinho de Merda. Agora há ali "personagens pequeninas equivalentes aos macaquinhos que tens na cabeça", uma casa com olhos, uma cabeça cortada às fatias com os tais "macaquinhos". É quase inevitável apontar a rapidez com que muitos associam tudo aquilo a um universo infantil. "Não sei se foi por ter estudado ilustração [e banda desenhada, na Ar.Co]. Reconheço, mas não acho o meu trabalho infantil. Acho que o Coraçãozinho de Merda é tudo menos infantil.".A certa altura, talvez fosse da sala povoada por aquelas personagens, Maria quase parece uma delas. Ela ri-se e assente. "Os meus amigos dizem que eu sou muito os meus trabalhos. Que isto sou eu, que isto é da Edna." Podem, portanto, chamá-la de Maria, que ela reconhece-se..Em A Mind of Its Own, por entre as telas, os balões e a casa monocular violeta, tudo aquilo a que assistimos aparenta ser uma espécie de fábrica de emoções, em que o nosso interior nos seus processos habituais - de um homem a ser homem - fosse animado por aquelas personagens redondas, amorosas, coloridas, com grandes olhos. Como antes o Coraçãozinho fazia a vez do nosso coração - e do dela.