Fingiu que estava no cais para entrevistar enfermeiras, escondeu-se na casa de banho de um navio hospital e só saiu de lá quando percebeu pela agitação que a costa francesa estava perto. Foi assim que Martha Gellhorn se tornou a única mulher a desembarcar no Dia D na Normandia, em Omaha Beach. Uma façanha jornalística que reforçou a fama da americana mas desgostou Ernest Hemingway, também repórter de guerra e romancista já consagrado. Gellhorn era a sua terceira mulher e se a relação já andava mal desde os tempos de ambos na Guerra Civil Espanhola (com traições cruzadas), a verdade é que o escritor nunca aceitou ter ficado para trás a 6 de junho de 1944 e o divórcio não tardou mais de um ano, acabando o casamento ao mesmo tempo que a Segunda Guerra Mundial..Hemingway era nove anos mais velho do que Gellhorn e estava casado pela segunda vez quando conheceu a jornalista numa festa na Flórida em 1936. Em comum tinham as origens no Midwest, ele nascido no Illinois, ela no Missouri. Também partilhavam a paixão pela reportagem em terrenos perigosos e não tardou que estivessem juntos em Espanha, a cobrir a Guerra Civil. Tornaram-se um dos casais famosos do conflito, a par da dupla de fotógrafos Robert Capa e Gerda Taro..Com a derrota dos republicanos em Espanha, o casal americano instalou-se em Cuba. Hemingway, que, depois da experiência de motorista de ambulâncias na frente italiana durante a Primeira Guerra Mundial, tinha escrito Adeus às Armas, publica Por Quem os Sinos Dobram, que dedica a Gellhorn, com quem casara em 1940. A beleza de Gellhorn (Nicole Kidman foi a escolhida para a interpretar no cinema) prende na época Hemingway, de quem o amigo Scott Fitzgerald dissera "precisar de uma mulher nova a cada novo livro". Durará pouco..Os preparativos para o Dia D levam Hemingway à Inglaterra. E é um dos quase 600 jornalistas acreditados para cobrir a operação que significará o início do fim de Hitler. Gellhorn trabalha para a mesma revista que o marido, mas apesar da sua determinação em que não será "nota de rodapé da vida de alguém" (ver a biografia assinada por Caroline Moorehead, que a conheceu pessoalmente), não tem lugar nos planos de transporte e, portanto, não deveria ser das primeiras na Normandia..Hemingway, entretanto, tem um acidente de carro que obriga a ser hospitalizado. Mesmo com os joelhos em mau estado, prepara-se para o Dia D. E chegará à costa francesa, mas depois da mulher, que se infiltrou num navio hospital. Para a sua personalidade de macho é demasiado e a vingança surge na capa da edição da Collier's, em que só o nome dele aparece como enviado especial, apesar de Gellhorn também escrever e de ter visto muito mais do desembarque..Depois do divórcio, Hemingway volta a casar uma vez mais. Tem três filhos dos dois primeiros casamentos. Em 1954 ganha o Nobel da Literatura, mas o conflito de personalidade, que ao longo de décadas tentou afogar em bebida, leva-o ao suicídio em 1961..Martha também voltará a casar, para pouco depois se divorciar. Adotou no final da Segunda Guerra Mundial em órfão em Itália. Dedica-se ao jornalismo de guerra e está em todo o lado, do Vietname ao Panamá. Cinco Travessias do Inferno é um dos seus livros traduzidos para português. Reforma-se nos anos 1990, já com 80 anos, e só porque está quase cega. Também ela se suicidará, em 1998.