Ninguém sabe como isto vai acabar, mas acredito que a probabilidade de um Brexit sem acordo seja maior do que se imagina, muito maior..A razão não é meramente a declaração frequentemente proferida, e demasiadas vezes subestimada, de que uma saída sem acordo é a posição predefinida. Para entender mais claramente os perigos de um Brexit sem acordo, também vale a pena considerar a perspetiva europeia, quanto mais não seja para descartar algumas das fantasias que estão a ser alimentadas no Reino Unido, incluindo aquelas que estão a ser expressas através de emendas parlamentares em discussão..Os protagonistas das instituições da UE, e os líderes dos restantes 27, ficaram claramente chocados com a dimensão da derrota da semana passada do acordo de saída de Theresa May. Sinto que eles entendem melhor a pressão brutal do calendário do Artigo 50.° do que muitos parlamentares e observadores políticos em Londres. Eu não consigo imaginar um líder da oposição francês ou alemão a fazer a exigência logicamente impossível de excluir a hipótese de não haver acordo, como pré-condição para negociações sobre um acordo, como fez Jeremy Corbyn, o líder trabalhista. A razão do seu maior ceticismo é que eles sabem os limites até onde podem ir para satisfazer o Reino Unido, e sabem o que pode correr mal..A sensação de pânico é particularmente palpável na Alemanha, onde um Brexit sem acordo é agora visto como o resultado mais provável. É por isso que políticos seniores alemães escreveram uma emotiva carta conjunta dizendo que sentiriam falta do "humor negro" britânico e do "chá com leite" se os "nossos amigos do outro lado do canal" fossem em frente com o Brexit. Sigmar Gabriel, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, apelou recentemente à UE para que esta parasse o relógio em relação ao Artigo 50.°.A UE fará tudo para ajudar a senhora May, mas não convém confundir a disponibilidade para haver mais debate com a disponibilidade para reabrir o próprio acordo de saída. Isso não vai acontecer. A UE dará garantias adicionais à primeira-ministra sobre o backstop, o plano para evitar uma fronteira rígida entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Eles poderiam, e deveriam, dar peso legal às suas garantias de que seria temporário. Eles terão todo o prazer em reabrir a declaração política sobre o futuro relacionamento e abrir espaço para cenários alternativos, incluindo a chamada opção da Noruega (pertença à Associação Europeia de Comércio Livre) ou uma união aduaneira. Mas o backstop vai ficar, assim como o resto do acordo. Eles não deixarão cair o backstop nem darão uma data final garantida, e não vão agir contra o conselho do governo irlandês..Também em Bruxelas, a situação parece diferente. Há conversas exploratórias em andamento sobre uma longa extensão para o prazo final do Brexit, 29 de março. Mas não se deve subestimar as dificuldades e sobrestimar o consenso. Eles estariam prontos para prorrogar a data para acomodar uma eleição. Mas uma extensão muito longa para abrir caminho a um referendo seria muito mais difícil, especialmente se o governo do Reino Unido não estiver a 100% por trás disso..Um fator que pode endurecer os governos da UE perante os pedidos de concessões por parte do Reino Unido é o seu estado relativo de preparação. O governo francês está prestes a lançar o seu programa para um Brexit duro. Marcel Fratzscher, chefe do instituto de pesquisa económica DIW, disse na semana passada ao Die Welt que não é provável que os custos de um Brexit duro sejam lesivos para a Alemanha. Há boas razões para não desejar um Brexit sem acordo, mas a UE não cederá por medo..Outro fator que favorece um Brexit sem acordo é a dinâmica do jogo da culpa. O leitor alguma vez se interrogou por que o governo irlandês prefere um Brexit duro a um aligeiramento, mesmo que modesto, do backstop irlandês? Isso intrigou-me durante muito tempo, mas há uma resposta racional. Leo Varadkar, o primeiro-ministro irlandês, pode culpar o Reino Unido, com razão, por uma fronteira rígida resultante de não haver acordo, mas os cidadãos da Irlanda culpá-lo-iam se ele fracassasse na negociação de um backstop forte..Um Brexit sem acordo não é obviamente racional, mas, se olharmos para os incentivos de cada decisor individual, poderemos descobrir que há opções piores para cada um deles do que não haver acordo. Para Theresa May, o pior resultado seria acabar sem Brexit de todo. Para Corbyn, um Brexit sem acordo pode ser a melhor oportunidade para umas eleições gerais antecipadas. Para Varadkar, nada seria mais humilhante do que ceder no backstop..Ao contrário de muitos dos meus colegas do Financial Times, não vejo hipóteses realistas de o Reino Unido realizar um segundo referendo. Não estou convencido de que os parlamentares tenham a coragem para isso. Tem sido fácil para eles esconderem-se atrás da afirmação sem sentido de não aceitarem que não haja acordo. Mas, para fazer isso, eles terão de revogar o Artigo 50.° ou concordar com um acordo do qual não gostam. Se eles reprovarem novamente o acordo a 29 de janeiro, seríamos loucos em descartar um Brexit sem acordo..© The Financial Times Limited, 2019.