A pirotecnia era a vida da família Sequeira, agora desfeita
"O trabalho é que os trouxe." Margarida Duarte ainda vive "um pesadelo" por ver a família vizinha ficar desfeita com a explosão na pirotécnica Egas Sequeira. Além do proprietário, são vítimas uma filha, três genros e uma sobrinha. Das oito vítimas, seis era da família e conviviam diariamente com Margarida. Por isso, Tiago, 2 anos, e a irmã Marta, 9, estavam ontem em sua casa. São filhos de Mónica, filha de Egas Sequeira, e de David, vítima do acidente. "Como é que se explica isto a uma criança?"
Este é um dos dramas entre os habitantes de Ferreiros de Avões, a localidade vizinha de Avões, local onde se situa a empresa no concelho de Lamego, e que é atual terra da família Egas Sequeira. "Eles vieram para cá há dez anos. O senhor Egas já era pirotécnico e ficou com esta empresa. Compraram esta moradia, onde vivam. Mas tinham casas nas terras deles, no Marco de Canaveses e em Baião", contou ao DN a vizinha da casa onde chegaram a viver Egas Sequeira e a mulher, as três filhas e o filho mais novo até se casar (o único que agora não trabalhava na empresa), os genros e os cinco netos. Há tempos, compraram outra moradia em Ferreiros.
"A empresa funcionava bem. Passavam a vida a trabalhar e eram uma família muito unida", relata Margarida Duarte, amargurada com "a muita ansiedade" que o momento causa, devido ao facto de os corpos estarem irreconhecíveis e ainda por identificar. "Querem é que passe rápido para que se possa fazer o luto", conta a amiga.
O Presidente da República compreende o difícil momento de espera. Marcelo Rebelo de Sousa esteve no local, onde contactou a mulher do proprietário. "É o momento de acompanhar os familiares na dor pela perda dos seus entes queridos" e "neste compasso de espera difícil para entrarem em luto", disse, antes de ir visitar outros familiares com o presidente da Câmara de Lamego, Francisco Lopes. O município decretou três dias de luto.
Morreram Egas Sequeira; a filha Susana e o genro Joaquim, que tinham dois filhos, de ano e meio e 6 anos; David Miguel e Joaquim, casados com Mónica e Vera Sequeira, mãe de Joana, de 1 ano. A sobrinha do proprietário, Ana Sofia, também morreu na explosão. As duas outras vítimas são Vítor Costa, 39 anos, funcionário, que deixa viúva e dois filhos menores, e David, também funcionário. Eram as oito pessoas que às 17.45 estavam na empresa em Avões a carregar uma viatura com fogo que iriam entregar na manhã de ontem. A mulher de Egas Sequeira e a filha Mónica escaparam, assim como outros colaboradores, porque tinham saído minutos antes.
Joaquim Silvestre é o pároco de Ferreiros de Avões desde outubro de 1967. São quase 50 anos, conhece bem a terra e diz não ter memória de algo semelhante. "Nunca me lembro de conhecer assim tão de perto uma tragédia destas." Depois de ter acompanhado o bispo de Lamego-Viseu, António Couto, na visita ontem de manhã aos familiares das vítimas, o padre fazia questão em realçar o lado solidário e humano da família Sequeira. "Fizeram de Ferreiros a terra de adoção. Valorizaram imenso a freguesia pela sua solidariedade, pela sua entrega cívica e religiosa. Vieram acrescentar valor a esta comunidade." Egas Sequeira participava neste ano na comissão de festas da paróquia.
A segurança da empresa é hoje muito comentada. Na terra todos concordam que Egas Sequeira transformou de forma radical a pequena indústria. Todos se lembram de que o senhor Armando morreu numa explosão no mesmo local, há mais de dez anos. "Mudou aquilo de forma radical. A empresa agora era maior, fornecia muito fogo pela região. Tinha mais segurança, com vedação, maior distância entre os paióis, com árvores plantadas em volta", diz o vizinho Rogério Esteves.
No local do acidente, na vizinha freguesia de Avões, prosseguiram ontem as operações de buscas e de limpeza. Ao final do dia apenas tinham sido recuperados seis corpos, com as equipas das polícias (GNR, PSP e PJ) a serem auxiliadas pelos bombeiros. Os seis corpos foram levados para o Instituto Nacional de Medicina Legal para se proceder à sua identificação.
Fábio, um dos primeiros habitantes de Avões a chegar ao local, contou ao DN que "só se via bocados de corpos, tudo desfeito". "Encontrou a mulher e filha de Egas Sequeira. "Tinham voltado à empresa e estavam junto ao carro aos gritos. Não as deixei aproximar porque as explosões continuavam."
Durante a tarde de ontem a GNR fez detonações controladas de explosivos. "É preciso tomar medidas de segurança e detonar muito do material. Só assim conseguiremos progredir em segurança", disse o comandante distrital de Viseu da GNR, Vítor Rodrigues. Os trabalhos no terreno continuam hoje.
A PSP adiantou que a empresa foi fiscalizada em abril de 2016 e estava em conformidade, com todas as licenças exigidas. O Presidente admitiu que é preciso tirar "lições para o futuro" e que "vai ser preciso pensar a sério" na segurança destas unidades industriais.