"A pior paixão de todas é a paixão nacionalista"

Manifestação a favor de uma Espanha unida juntou milhares em Barcelona. Mario Vargas Llosa falou em defesa da democracia e chamou Puigdemont de conspirador golpista
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O número não é certo, como acontece em todas as manifestações, mas pode afirmar-se com garantia que ontem centenas de milhares de pessoas estiveram em Barcelona em defesa de uma Espanha unida e contra os desejos independentistas da Catalunha. A convocatória, feita pela Sociedade Civil Catalã, apelava a se "recuperar o seny", uma característica atribuída aos catalães e que consiste na ponderação e prudência no discurso e nos atos. O objetivo era mobilizar o que acreditam ser uma "maioria silenciosa" de cidadãos da Catalunha que se opõem à independência da região.

"Puigdemont na prisão" e "Eu sou espanhol" foram talvez os motes mais ouvidos ontem nas ruas da capital da Catalunha, que nas últimas semanas tem sido palco de várias manifestações, mas a favor da independência. No sábado, Barcelona vestiu-se de branco, com milhares a apelar ao diálogo. Ontem, foi coberta por um manto vermelho e amarelo, de bandeiras de Espanha, mas também da Catalunha (a oficial Senyera, não a Estelada independentista).

"As pessoas que vieram não se sentem tão catalãs como espanholas", defendia Raul Briones, um engenheiro de 40 anos que envergava uma camisola da seleção de futebol espanhola. "Nós gostamos como as coisas têm estado até agora e queremos continuar assim."

Os organizadores garantem que estiveram mais de 950 mil pessoas em Barcelona, a Guàrdia Urbana fala em 350 mil. Ao El País, fontes da Polícia Nacional apontam para, pelo menos, 400 mil manifestantes. Muitos deles vieram de outros pontos de Espanha, com os media espanhóis a falar em muitos autocarros - de locais como Madrid, Aragão ou Comunidade Valenciana - fretados pela organização e estacionados nos arredores dos pontos da manifestação.

Entre os milhares de anónimos estavam também membros destacados dos maiores partidos políticos espanhóis, com exceção para o Podemos e o PSOE, que esteve representado pelo PSC, os socialistas da Catalunha. Mas o grande protagonista desta jornada foi o Nobel da Literatura Mario Vargas Llosa, que encabeçou a manifestação e, no final, fez um emocionado ataque à "paixão nacionalista".

"A paixão pode ser perigosa quando é movida pelo fanatismo e pelo racismo. A pior de todas é a paixão nacionalista", declarou, acrescentando que o nacionalismo "encheu a história da Europa, do mundo e de Espanha de guerra, sangue e cadáveres".

O escritor garantiu que "a democracia está para ficar e nenhuma conspiração independentista a destruirá". "É preciso mais do que uma conspiração golpista de Puigdemont, Junqueras e Forcadell para destruir o que construíram 500 anos de história. Não vamos permiti-lo. Aqui estamos, cidadãos pacíficos que acreditam na coexistência, que acreditam na liberdade", prosseguiu Vargas Llosa, referindo-se ao presidente e vice-presidente da Generalitat e à líder do Parlamento catalão.

Esta manifestação serviu também para homenagear a Polícia Nacional e a Guardia Civil, elogiadas com gritos de "esta é a nossa polícia" em frente à direção da Polícia Nacional como forma de agradecimento pela sua atuação no dia do referendo (segundo números da Generalitat, 843 pessoas ficaram feridas). Alguns responsáveis desta força de segurança vieram à varanda do edifício da Via Laietana, tendo o líder da Polícia Nacional em Barcelona chegado mesmo a beijar a bandeira espanhola, ato muito aplaudido pelos populares.

Tratamento diferente tiveram os Mossos d"Esquadra. Na Praça da Catalunha, onde se concentraram vários manifestantes antes do início do evento, ouviram-se gritos de "traidores", "lixo" e "não são a nossa polícia". De acordo com o El Nacional.cat, já após o final da manifestação, um grupo de pessoas rodeou dois agentes da polícia catalã que estavam dentro de um carro nas Ramblas e insultaram-nos a tal ponto que estes tiveram de abandonar o veículo e procurar refúgio num estabelecimento comercial.

Numa entrevista ao programa 30 Minuts, da TV3, emitida ontem mas gravada antes da manifestação, o presidente da Generalitat garantiu que aplicará o que prevê a lei no que diz respeito à votação de 1 de outubro. "A declaração de independência, à qual não chamamos declaração "unilateral" de independência, está prevista na lei do referendo como aplicação dos resultados. Aplicaremos o que diz a lei", declarou Carles Puigdemont.

"O que se está a passar na Catalunha é real, quer gostem quer não gostem. São milhões de pessoas que votaram, que querem decidir", acrescentou o líder catalão.

Vargas Llosa: um antigo castrista que virou liberal

Nascido no Peru há 81 anos, Mario Vargas Llosa é também espanhol desde 1993, após um pedido que fez a Madrid na sequência de pressões no seu país natal, então liderado por Alberto Fujimori, para que lhe fosse retirada a nacionalidade peruana. As suas ligações a Espanha não se ficam pela nacionalidade: saiu pela primeira vez do Peru em 1958 para fazer um doutoramento precisamente em Espanha, tendo vivido em Madrid e Barcelona. A sua ligação ao país tornou-se mais forte a partir de junho de 2015, quando a revista Hola! publicou umas fotos suas com Isabel Preysler, socialite e ex-mulher de Julio Iglesias, assumindo então que se tinha separado da mulher. O Nobel da Literatura tem também uma faceta política: inicialmente admirador de Fidel Castro, acabou por tornar-se um dos seus maiores críticos. Já convertido aos ideais liberais, candidatou-se à presidência do Peru em 1990 - ganhou a primeira volta, mas foi derrotado na segunda por Fujimori, o que o levou a deixar o Peru e pedir a nacionalidade espanhola.

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