A partir de 5 de fevereiro, coleção Essenciais da Literatura portuguesa com o DN

Do vocabulário jocoso de Gil Vicente ao romantismo exacerbado, mas nunca acrítico, de Camilo Castelo Branco: ao longo de 15 semanas, ao ritmo de um título por semana, o DN propõe uma "viagem" através de alguns dos nossos clássicos - em prosa e poesia.
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Da minha língua vê-se o mar", disse o escritor Vergílio Ferreira, em 1991, ao receber, em Bruxelas, o Prémio Europália. Mas a riqueza da literatura portuguesa e das suas vozes é tal que nela cabe toda a diversidade da nossa paisagem física e humana, tanto quanto uma multiplicidade de registos, que vai do vocabulário jocoso de Gil Vicente ao romantismo exacerbado, mas nunca acrítico, de Camilo Castelo Branco.

Ao longo de 15 semanas, ao ritmo de um título por semana, a coleção "Essenciais da Literatura Portuguesa", publicada com o DN, propõe uma viagem através de alguns dos nossos clássicos mais importantes, em prosa e poesia. Lá estão o romance, o teatro, a crónica, a oratória, a epopeia e a lírica, num período cronológico que se estende do princípio do século XVI ao século XX. Une todas estas obras a língua, que vai mudando de época para época como organismo vivo que é, mas também o facto de todas elas, cada uma a seu modo, terem feito escola junto de muitos outros autores. Do Auto da Barca do Inferno (o mais antigo) à A Mensagem (o mais recente) são quatro séculos de literatura portuguesa para ler, reler e até partilhar e debater com jovens alunos às voltas com os trabalhos de Português.

A Cidade e as Serras

Eça de Queirós

Romance editado postumamente, em 1901, sem que tenha sido completamente revisto pelo autor, A Cidade e as Serras é, porventura, o mais desconcertante título da bibliografia de Eça de Queirós. Homem eminentemente urbano toda a sua vida, o escritor conta-nos a história do cosmopolita Jacinto que, entediado com os requintes da civilização, troca o parisiense apartamento dos Champs-Elysées, 202, por uma quinta em Tormes. Não se arrependerá da escolha. Para a conversão do afrancesado muito contribuirão as delícias da cozinha do Douro e uma certa Joaninha, com quem virá a casar-se.

Amor de Perdição

Camilo Castelo Branco

Sentenciado, por adultério, a pena de prisão na Cadeia da Relação do Porto, a Camilo Castelo Branco só restava escrever para suavizar a desdita. Assim nasceu, em 15 dias, o romance Amor de Perdição. A história baseia-se num episódio real vivido por um tio do escritor, Simão Botelho, que teria pago caro as consequências de um amor proibido nesse tempo em que o poder paternal tudo podia. No livro, Simão apaixona-se irremediavelmente por Teresa de Albuquerque e é correspondido com a mesma intensidade, mas a oposição do pai dela desencadeará a tragédia.

Mensagem

de Fernando Pessoa

Único livro de Pessoa publicado em vida (em 1934, pela Parceria António Maria Pereira), Mensagem faz uma leitura providencialista da história de Portugal e da sua identidade, desde Ulisses, fundador lendário da cidade de Lisboa, a D. Sebastião. O poeta que, de si mesmo, em carta ao amigo e futuro divulgador da sua obra João Gaspar Simões, diria ser "um nacionalista místico, um sebastianista racional", foi distinguido, por essa obra, com o segundo lugar do Prémio de Poesia Antero de Quental atribuído pelo Secretariado Nacional de Informação.

Os Lusíadas

Luís de Camões

"Numa mão sempre a espada e noutra a pena", Camões, como tantos dos escritores seus contemporâneos, em Portugal e no estrangeiro, não pôde viver da literatura. Ao serviço da Coroa em Macau, escreveu a epopeia em verso, Os Lusíadas, glorificando os feitos marítimos dos portugueses. Mas, ao contrário do que é hábito neste género poético, o Camões lírico (e homem de muitas paixões) também está presente na epopeia, através de episódios como o de Inês de Castro ou da chegada dos marinheiros de Vasco da Gama à ilha dos amores, sob a proteção de Vénus.

Sonetos

Florbela Espanca

Nascida em Vila Viçosa em 1894, Florbela Espanca é uma das figuras femininas mais marcantes da literatura portuguesa. A sua obra poética, para além da elegância formal patente nestes Sonetos, é uma expressiva reivindicação da liberdade individual da mulher, o que constituiu um choque no Portugal de meados do século XX. Entre a obra, de uma sensibilidade apaixonada devotada sobretudo à busca do amor absoluto, e a vida da autora havia uma perturbante similitude. Florbela suicidou-se a 8 de dezembro de 1930, dia em que completava 36 anos.

Auto da Barca do Inferno

Gil Vicente

Tinha o favor real mas nem por isso Gil Vicente moderou o vocabulário ou suavizou a sátira da sociedade portuguesa da primeira metade do século XVI, omnipresente no seu teatro. Representado pela primeira vez em 1517, este Auto da Barca do Inferno decorre num cais, onde os juízes, um Anjo e um Diabo, discutem quem entrará na barca de cada um, decidindo, assim, quem vai para o Céu ou para o Inferno. Por esse tribunal inusitado vão passando fidalgos e "gente miúda", homens e mulheres. Quem ganha? O Diabo, que consigo acabará por transportar maior número de passageiros.

Viagens na minha Terra

Almeida Garrett

Misto de crónica de uma viagem de Lisboa a Santarém, o que no princípio do século XIX era jornada demorada, e relato dos amores de Joaninha e seu primo Carlos, este livro de Garrett é considerado um ponto de viragem na nossa literatura. Publicada em folhetins entre 1845 e 1846 e posteriormente editada em volume, a obra transmite aos leitores de hoje um olhar privilegiado sobre um momento determinante da história de Portugal, o da vitória dos liberais sobre os absolutistas. Um olhar comprometido, mas não desprovido de sentido crítico sobre vencidos e vencedores.

O Livro

Cesário Verde

Filho de um comerciante abastado da Rua dos Fanqueiros, na Baixa de Lisboa, Cesário Verde, que parecia destinado a herdar o negócio paterno, protagonizou uma autêntica revolução na poesia portuguesa, ao introduzir temas pouco usuais, retirados do quotidiano, tratados sem o sentimentalismo tão ao gosto da segunda metade do século XIX. Mal recebido pela crítica quando publicou alguns poemas no Diário de Notícias, o autor sucumbiu à tuberculose aos 31 anos, antes de ver a sua obra reunida em livro, o que aconteceria em 1886. Fernando Pessoa não hesitaria em chamar-lhe "mestre".

Sermões

Padre António Vieira

Mestre da oratória barroca, o padre António Vieira foi uma figura marcante na corte portuguesa da segunda metade do século XVII. Mas a sua intervenção excedeu em muito a vida política de Lisboa, já que denunciou algumas das mais graves injustiças da sociedade do seu tempo, quer em Portugal quer no Brasil colonial, como demonstram o "Sermão da Sexagésima" ou o "Sermão de Santo António aos Peixes". Nascido em Lisboa, Vieira ingressou na Companhia de Jesus aos 15 anos e não tardou a destacar-se pelas qualidades intelectuais de que deu mostras durante a sua longa vida.

Peregrinação

Fernão Mendes Pinto

Publicada em 1614, trinta anos após a morte do autor, Peregrinação não só foi alvo da censura inquisitorial como da estranheza do público ante o testemunho da riqueza cultural do Extremo Oriente, testemunhada por Fernão Mendes Pinto, homem de Montemor-o-Velho que, ao longo de 21 anos, andara por Índia, China, Sião, Japão e outras terras remotas. Esse espanto (que justificaria o dito popular "Fernão Mentes? Minto") não travaria, todavia, o sucesso editorial da obra: ainda no século XVII, Peregrinação conheceria 19 edições em seis línguas diferentes.

Sonetos Completos

Antero de Quental

Como pensador, escreveu, entre outros textos, As Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, tornando-se um dos nomes mais influentes da geração de 70, ao lado de Ramalho Ortigão, Eça de Queirós ou Oliveira Martins. A poesia seria, no entanto, a melhor expressão do seu pensamento, nomeadamente os sonetos, onde muitos críticos, como David Mourão-Ferreira, o colocaram à altura de Bocage e Camões. Poemas como "Ideal" ou "Palácio de Ventura", incluídos neste volume, alimentam-se tanto de uma aspiração à transcendência e ao absoluto como do profundo desespero que conduziria ao suicídio, aos 49 anos, na sua ilha de São Miguel.

A abóbada

Alexandre Herculano

Ninguém fez mais pela popularidade da Idade Média do que os escritores românticos das primeiras décadas do século XIX. Entre nós, Alexandre Herculano, que também foi historiador, constitui um dos melhores exemplos dessa tendência, como demonstram Eurico, o Presbítero, O Bobo ou Lendas e Narrativas. Em A Abóboda, o autor leva-nos até ao reinado de D. João I e à autêntica epopeia que foi a construção do Mosteiro da Batalha, concedendo todo o protagonismo à figura do velho arquiteto Afonso Domingues.

As Pupilas do Senhor Reitor

Júlio Dinis

Os amores bucólicos de duas irmãs, Clara e Margarida, numa aldeia portuguesa em meados do século XIX é o enredo deste romance, entre o romantismo e o emergente realismo, de Júlio Dinis, pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho. Mas o mais interessante para o leitor de hoje será a vivacidade do retrato social composto pelo escritor, nomeadamente personagens como o médico João Semana ou o comerciante José das Dornas. Publicado em 1866, primeiro em formato de folhetim e depois em volume, tornou-se tão popular que seria, já no século XX, três vezes adaptado ao cinema.

António Nobre

Sobre este poeta, vitimado pela tuberculose aos 32 anos, Fernando Pessoa disse: "Quando ele nasceu, nascemos nós todos." E, no entanto, em vida, António Nobre apenas publicou esta coletânea de poemas a que deu o melancólico título de Só. Influenciado pelo simbolismo francês (de que foram expoentes máximos Baudelaire e Rimbaud), Nobre combina o desalento pessoal (a que não falta uma nota de autoironia) com a dor causada pelo destino incerto da pátria nesses anos que foram os do Ultimatum e da queda iminente da monarquia.

Húmus

Raul Brandão

Publicado pela primeira vez em 1917, Húmus será duas vezes revisto pelo autor, saindo só em 1926 a versão definitiva do livro. Misto de ficção, diário e prosa poética, a obra representa, para muitos críticos e historiadores da literatura, um dos pilares inaugurais do modernismo português. Nas suas Memórias, Brandão escreveria sobre o momento da escrita do livro: "A nossa época é horrível porque já não cremos - e não cremos ainda. O passado desapareceu, de futuro nem alicerces existem. E aqui estamos nós, sem tecto entre ruínas, à espera..."

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