A opacidade financeira é inimiga do capitalismo

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A divulgação dos chamados "papéis do Panamá" trouxe novamente para a ribalta algo que nunca saiu dela nos últimos anos: a opacidade dos fluxos de capitais que se escondem através de sociedades de fachada (ou instrumentos mais sofisticados e ainda mais opacos) em determinadas praças financeiras, a maior parte das quais offshore. De permeio, estabelece-se a maior das confusões, tratando-se do mesmo modo processos de otimização fiscal, atos de corrupção e respetivos encobrimentos, fraude fiscal, atividade criminosa tradicional ou mesmo, e crescentemente, o financiamento do terrorismo.

Nos últimos anos assistimos a alguns progressos na longa e, muitas vezes, pouco eficaz luta pela transparência a nível nacional e global. Alguns países passaram, por pressão externa, é certo, a colaborar com acrescida eficácia com as instituições internacionais e todos os outros que pugnam pela transparência. Acontece, porém, que o caminho é longo e as zonas de opacidade são ainda múltiplas e procuradas pelos mais diversos atores, por uma multiplicidade de razões. A sua existência, perniciosa a muitos níveis e em nada contribuindo para o desenvolvimento global, é sobretudo um obstáculo à construção de um mundo mais justo e mais ético: onde a concorrência fiscal seja promovida com transparência e lisura, onde os corruptos e outros criminosos tenham mais dificuldade em se locupletar com o que pertence a terceiros e onde o financiamento do terrorismo seja mais difícil e, no limite, virtualmente impossível (embora haja sempre forma de mover dinheiro fora do sistema financeiro, como sempre aconteceu).

Ao contrário do que oportunisticamente têm proclamado alguns, têm sido as organizações inicialmente estabelecidas pelos países ocidentais (da OCDE à União Europeia, passando pelo Banco Mundial) os maiores lutadores, na prática, e com crescente eficácia, contra a fraude financeira e o uso de praças ou instrumentos inimigos da transparência. Foram os primeiros a saber e a defender em sítio próprio que um mundo globalizado sem ética e sem transparência tem em si o gérmen da sua própria dissolução. Sobretudo porque o sistema vencedor das guerras de blocos do século XX assenta na liberdade responsável. E a liberdade responsável é a maior amiga da transparência, pessoal e institucional.

Por fim, para além de condição sine qua non da viabilidade do sistema em que vivemos, a transparência é fundamental à prossecução de qualquer ideia razoável de justiça. Só num mundo verdadeiramente transparente se pode conjugar eficiência com equidade de modo aceitável e equilibrado, distribuindo por todos, de forma equânime, o que deve ser responsabilidade de todos e, por outro lado, impedindo que a demagogia crie as habituais cortinas de fumo inimigas de soluções permanentes e verdadeiramente eficazes. Não sendo todos os casos iguais, o que já se conhece dos famosos "papéis do Panamá" evidencia, de forma eloquente, que o uso dos mecanismos de opacidade do atual sistema capitalista parece não ter barreiras ideológicas. Só neste caso encontramos praticantes (da opacidade) liberais, socialistas, ex-comunistas e neocomunistas. Ou seja, a falta de transparência não tem de ser anátema do capitalismo, é tão somente a arma dos que dele se querem aproveitar, mesmo pregando a sua destruição. Muito pelo contrário, um sistema capitalista mais transparente será mais próspero, mais justo e mais sustentável. Manter a opacidade é fazer o jogo dos que o querem destruir.

Professor catedrático da Universidade Nova e gestor

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