A nova vida de Lilesa nos EUA, seis meses após o protesto no Rio

Maratonista que cruzou os braços contra o governo etíope já tem a família com ele e promete continuar a lutar pela sua etnia
Publicado a
Atualizado a

A vida de Feyisa Lilesa tem sido uma maratona recheada de obstáculos, que o atleta etíope resolveu denunciar ao mundo com um simples gesto no mais mediático dos palcos desportivos: os Jogos Olímpicos. Ao cruzar os braços em X, acima da cabeça, quando atravessou a meta em segundo lugar na maratona olímpica no Rio de Janeiro, em agosto passado, Lilesa denunciou a perseguição do governo etíope à sua etnia, os Oromo, e confessou depois o receio pela própria vida caso tivesse de voltar à Etiópia - bem como pela dos seus familiares (mulher e dois filhos), que se mantinham no país.

O vice-campeão olímpico não regressou a casa após os Jogos do Rio de Janeiro. Manteve-se uns dias num hotel, com segurança garantida pelas autoridades brasileiras, equacionou pedir asilo ao Quénia mas temeu vir a ser deportado e, por fim, conseguiu um visto especial dos Estados Unidos atribuído a pessoas com feitos relevantes.

Foi na pequena cidade de Flagstaff, no estado do Arizona, que Feyisa Lilesa passou a viver e a treinar-se desde setembro passado, mas faltava resolver um fator importante na reconstrução da sua vida: a mulher e os dois filhos continuavam na Etiópia, vulneráveis à perseguição étnica aos Oromo - milhares de etíopes desta etnia foram detidos arbitrariamente pela polícia durante o ano de 2016, segundo relatório da organização Human Rights Watch.

Essa peça encaixou-se finalmente terça-feira, em Dia de São Valentim, quando Lilesa pôde reencontrar-se, no aeroporto internacional de Miami, com a mulher, Iftu Mulisa, a filha de 5 anos, Soko Feyisa Lilesa, e o filho de 3, Sora Feyisa Lilesa. Além da purga étnica e das pressões governamentais na Etiópia, a família de Lilesa viu ainda outra ameaça recente pôr em causa o reencontro: a restrita política de imigração proposta pelo novo presidente dos EUA, Donald Trump.

Para já, e apesar das incertezas quanto ao futuro mantidas pelo imbróglio jurídico em redor das intenções da administração Trump, Lilesa reforça expectativa num futuro seguro com a família nos EUA. "Não quero que me deem um tratamento especial e à minha família. Estou certo de que terão as suas razões para impor estas restrições, mas espero que possamos ficar reunidos aqui", disse o maratonista, lembrando que, tal como ele, "vários outros imigrantes e refugiados querem vir para este país porque têm problemas nos seus países de origem."

Apesar da felicidade pelo reencontro com a família, Feyisa Lilesa revelou sentir "emoções mistas" por causa do abuso que continuam a sofrer os Oromo na Etiópia, onde, apesar de serem a maior etnia (quase 40% da população), não têm grande representação no poder e têm sido expulsos das respetivas terras para facilitar negócios governamentais com privados.

"Quando a federação etíope me selecionou para ir ao Rio decidi que ia treinar no duro para poder chamar a atenção do mundo para o drama do meu povo", disse o atleta, em setembro, quando chegou aos Estados Unidos. O vice-campeão olímpico promete não baixar os braços pelos Oromo. "Vou continuar a alertar para a injustiça e a perseguição no meu país. O meu maior desejo é ver a liberdade e igualdade restabelecidos na Etiópia. Quando isso acontecer, regresso imediatamente a casa", disse, através de um comunicado, depois de abraçar a família.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt