A praça, como em Braga é popularmente designado o mercado municipal, ganha uma nova vida, mais uma numa longa relação de séculos com a cidade dos dois mil anos. Por oposição com a "praça velha", que funcionou na Praça do Município até 1956, quando foi inaugurada a "praça nova" na atual localização e renovada de raiz. Um projeto que foi interrompido várias vezes por impugnações em tribunal, derrapagem nas obras e a tristemente célebre covid-19. Desde 2014 que se falava no mercado, mas só a 5 de dezembro foi inaugurado. Um mês depois, ainda há muito por fazer, mas o deslumbramento inicial mantém-se.."Pergunto a vários clientes se gostam e todos dizem que gostam muito. Está muito bonito", conta Teresa Macedo, proprietária de duas bancas de peixe no Mercado Municipal de Braga. E explica: "Era muito frio, as pessoas iam às compras e molhavam-se.".Com uma cobertura de vidro e madeira, a praça central do novo mercado deixou de estar a céu aberto, exposto ao clima, que em Braga é particularmente frio e chuvoso no inverno..Como muitos dos comerciantes da praça, a peixeira de 47 anos sucedeu aos pais no negócio. "Era o negócio da minha mãe, cresci no mercado. A minha mãe já vinha da praça velha", contextualiza Teresa Macedo..A "praça velha" funcionou na atual Praça do Município durante décadas dentro de uma estrutura em ferro projetada por J. Moura Coutinho, o autor de obras como o Theatro Circo, ou os edifícios do Turismo e do Banco de Portugal, ou a fachada da Igreja do Carmo. E do popular café A Brasileira..Até que após muitos anos de avanços e recuos, em 1956 foi inaugurada no local atual o novo mercado municipal, agora substituído por um edifício moderno..E um mês depois, o que faz falta para um funcionamento pleno? "Para ser perfeito, falta um parque de estacionamento", indica Teresa Macedo.."Neste momento", regista Olga Pereira, vereadora da Câmara Municipal de Braga, falta dar vida "à ala de restauração", definir a taxa de entregas ao domicílio, ocupar os dois talhos disponíveis e as duas lojas que só ficaram disponíveis depois da hasta pública [concurso para ocupação dos espaços]". "Nas próximas semanas, vai ficar tudo definido", garante a vereadora que, de entre outros pelouros, tem a seu cargo a gestão e a conservação de equipamentos municipais. A bracarense está familiarizada com o nome popular do mercado desde 1956: praça nova. E agora como lhe chama? "Eu digo a renovada praça."."Olho para esta obra com satisfação. O mercado ainda não está a 100%, as lojas em hasta pública não estão completas, mas estarão nas próximas semanas. Foi um sucesso: temos muitos pedidos de informação de comerciantes que gostariam de ter espaço", diz em jeito de primeiro balanço. "Não é só a câmara que olha com grande expectativa para a praça, a cidade e os comerciantes também", prossegue. "Houve uma dilação de cinco meses para a abertura, por causa da pandemia e da situação da restauração, muito penalizada. Em breve, será conhecido o resultado do concurso para ocupação dos dez quiosques, com possibilidade de desdobramento, e do restaurante de maior dimensão. Têm de abrir em cinco meses", relembra..Ou seja, está previsto que em maio funcione em pleno a Praça - Mercado Municipal de Braga (é este o nome referido nas redes sociais: a página de Facebook está prestes a ser lançada).."Fica a faltar, portanto, a ala da restauração, que é a pedra-de-toque da nova dinâmica. Estamos a preparar a programação para 2021 e queremos que o mercado seja dinâmico, fomente as boas práticas sociais, alimentares e a segurança alimentar. Queremos uma nova centralidade cultural, associada à gastronomia e às tradições alimentares", declara Olga Pereira..Isso já começou parcialmente a ser feito com uma atividade sobre uma tradição a cair em esquecimento, no final de dezembro: a da maçã porta-da-loja assada no borralho e regada com vinho verde tinto e polvilhada com açúcar, um pitéu reconfortante associado à consoada..Foi a primeira sessão do ciclo Conversas na praça, uma de várias iniciativas assentes em workshops temáticos que serão explorados na zona da restauração, que terá um horário mais alargado do que o do mercado propriamente dito (07h00 às 17h00 de segunda a sexta; sábados, das 07h00 às 14h00 - 13h00 em tempos de pandemia).."Funcionará até à meia-noite e será fundamental", sublinha a vereadora. E pisca o olho a outros eventos maiores no espaço. "Por que não? Como o espaço é inclinado forma-se um anfiteatro natural que pode acolher outros eventos, como um concerto, por exemplo.".Para isso, reconhece, a escassez de estacionamento é uma contrariedade, sobretudo para os comerciantes, embora durante o funcionamento sejam disponibilizados lugares municipais perto do recinto..Mas talvez mais importante é a necessidade de mudar mentalidades. "O mercado antigo funcionava às terças, quintas e sábados. Depois, passou a diário, mas com obrigatoriedade de ocupação dos espaços em permanência", pontua - até porque muitos produtores do Minho percorriam os vários mercados da região em dias da semana historicamente definidos.."Para competir com as grandes superfícies, é preciso fidelizar clientes, por isso os comerciantes comprometeram-se a ocupar em permanência os seus espaços na praça", conclui..E a Câmara de Braga apostou forte na renovada praça nova, passando dos 4,5 milhões de euros previstos para 6,1 milhões. "Numa obra de reabilitação, há sempre necessidades que só se descobrem no caminho. À medida que se via que as estruturas não tinham solidez necessária, reforçava-se; a cobertura ia sendo limpa e partindo, foi preciso intervir; e reforçamos as áreas de frio", justifica.."Há comerciantes que não querem cumprir o horário, outros que querem trabalhar até mais tarde. E alguns que se insurgem por terem de estar o dia inteiro", sinaliza Dulcídio José Araújo..O dono do Talho 21, inscrito na moderna sinalética como Talho do Zé e da Zeza, diminutivos dos nomes do casal, é outro filho da praça. Aos 51 anos, cumpre 30 de atividade este ano. "Sou de uma família de marchantes. Os meus pais tinham um talho na praça velha, desde os anos 1940. E depois mantiveram um talho na loja da casa, numa altura em que já eram permitidos negócios fora da praça, possível só depois do 25 de Abril", conta.."Comecei a trabalhar na praça em 1991. Eu estudei de noite, para completar o 12.º. Antigamente, o mercado tinha uma característica: o trabalho era essencialmente de manhã. O meu dia começava às 06h00 e por volta das 15h00 terminava a afluência de público. Depois, ia para o liceu e chegava a casa à meia-noite, para depois acordar às cinco da manhã", recorda Dulcídio Araújo, o Zé.."Um mês é prematuro para tirar ilações, porque foi tempo de festas e o Natal traz sempre maior afluência. Depois, temos a covid. E nas duas ou três primeiras semanas houve muitas queixas, por causa das filas, causadas pelas exigências de segurança para entrar. E os clientes não querem estar meia hora na fila", avança o marchante.."Quando foi o mercado provisório [que funcionou desde março de 2019 entre o Largo do Pópulo e a Praça Conde Agrolongo, até novembro de 2020], as primeiras semanas foram incríveis, mas depois estagnou", diz como justificação à precocidade de fazer balanços para já.."Mas o mais importante é gerar uma nova descoberta às novas gerações, mostrando que a relação preço-qualidade é muito boa e inigualável. Há uma relação praticamente direta entre produtor e cliente, com menos intermediários e produtos mais frescos e com preços melhores", diz Dulcídio..E dá alguns exemplos, apetitosos, de como conjugar tradição com novas tendências para famílias mais jovens. "No dia 8 dezembro, todas as famílias iam aos talhos da praça comprar carne esfiada para fazer as papas de sarrabulho. Era e é possível comprar frango, vitela, porco, o sangue cozido, as tripas e o farinhote [duas das iguarias muito particulares deste prato especificamente bracarense]. Na praça nova, podem comprar o cabrito do Gerês, as laranjas de Amares, os produtos do nosso mar, porque vêm comerciantes da Aguçadoura [freguesia da Póvoa de Varzim] e Apúlia [freguesia de Esposende] com o peixe do Atlântico", lista o bracarense de 51 anos.."Não há produtos mais frescos a estes preços", conclui.