Com a saída de Angela Merkel é evidente, e vai ser dito centenas de vezes, que se encerra um ciclo. Mas não é apenas na Alemanha. É também na Europa..A União Europeia do pós-Guerra Fria, que integrou a reunificação alemã e alargou a leste (Merkel é o expoente de tudo isso), fez o seu caminho. Embora haja ainda alargamentos por fazer, o processo está, no essencial, concluído, e o espaço geográfico da União Europeia delimitado. A paz foi feita, o mercado (imperfeito e sempre incompleto) está criado, as estruturas institucionais existem e são suficientes para a política. O que falta, passado este tempo, é reencontrar o propósito..Para alguns, a Europa é um fim em si mesmo. Só estarão satisfeitos quando houver uns Estados Unidos da Europa, um presidente da Europa e um parlamento com uma câmara alta que represente os Estados, e uma câmara baixa que represente o povo europeu. O facto de o povo europeu não se manifestar porque não existe, não os comove nem demove. Para estes, a saída de Merkel é irrelevante, na verdade. A chanceler não foi um acelerador da integração, mas também não foi um travão. Manteve a União Europeia e resgatou-a nos momentos de crise e dúvida existencial. Para esses, mais relevante do que a partida de Merkel, é a saída do Reino Unido. Foram-se embora os que falavam em nome de quem não queria maior integração. Agora, há uns nacionalistas com créditos democráticos duvidosos, e vários países médios, em particular no norte da Europa, com resistência mas pouca força..Este tempo pós-Merkel pode ser muitas coisas. Pode ser o tempo de França, se a liderança em Berlim for frágil e incerta. E isso significa que a Europa poderá ir na direção de um poder que se imagina autónomo e com ambição global. (França tem esse desígnio, mas sabe que só a Europa lhe pode dar essa escala.) Mas Macron não é o único candidato a chefe dos europeus. O europeísmo italiano é mais parecido com o nosso do que com o dos franceses. Sincero, mas mais interessado no que têm a ganhar internamente do que em ser grande no mundo às costas da Europa. E com pouca vontade de se envolver nos sarilhos regionais. De resto, a constante instabilidade italiana não permite a negociação interna de um desígnio nem o reconhecimento externo de potência. Mas a sua economia, história e grandeza também não permitem que seja desconsiderada. Mesmo que um destes dias volte a ser governada por um qualquer Berlusconi. De resto, aquando das crises das dívidas soberanas, era o risco de Roma cair que provocava calafrios em Bruxelas..A Europa foi sempre uma necessidade. De paz, de prosperidade, de criação de mercado, de alargamento do Ocidente. Aquilo que este novo tempo exige é que se perceba que fim serve a Europa agora. Não o fim em si mesmo, mas o fim útil..Em vez de imaginarmos o futuro próximo da Europa definido pela ambição de Macron e a mutação em Berlim - dois fatores essenciais, obviamente -, será preferível que comecemos a discuti-lo nós. Não naquelas sessões espíritas que Guy Verhofstadt lidera, onde se procura o futuro da Europa entre convertidos de uma ideia, mas antes onde se constrói pensamento. A Europa não precisa de novas instituições ou tratados, nem de um sonho, precisa de servir os Estados membros e os europeus num mundo fundamentalmente diferente daquele que começámos a construir quando o muro caiu..A verdadeira pergunta que as universidades, as academias militares, os think tanks, os partidos políticos, os pensadores, precisam de fazer é: para que serve a Europa agora? Num mundo fundamentalmente diferente, não pode servir exatamente para o mesmo que servia há 32 anos. Falta pensar sobre a Europa. Coisa que a consulta de uma livraria expõe à exaustão..Consultor em assuntos europeus