A noite torna-se num dos principais focos de transmissão de covid-19

Algumas regiões e países já decretaram o encerramento de discotecas depois de terem surgido surtos neste tipo de estabelecimento de diversão noturna.
Publicado a
Atualizado a

Dezenas de detidos numa festa do coronavírus em Frankfurt, uma discoteca de Córdoba onde um surto fez 73 infetados, polícias agredidos em Londres numa festa ilegal ou autoridades portuguesas obrigadas a pôr fim a fim a festas em Lagos ou no Seixal. Estas são apenas alguns exemplos de um fenómeno que está a fazer com que a noite - e os comportamentos a ela associados, sobretudo praticados por jovens - e esteja a converter num dos principais focos de preocupação na luta contra o novo coronavírus.

Os alertas têm sido lançados pelos principais responsáveis pela luta contra a covid-19 em todo o mundo. "Tenho uma mensagem para os jovens: vocês não são invencíveis", afirmava há uns tempos o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. Uma mensagem a que fez eco Anthony Fauci, o diretor do instituto das doenças infecciosas norte-americano, ao garantir: "Os jovens não deviam olhar com ligeireza para o coronavírus".

Em Espanha, onde se têm registado muitos focos de covid ligados a estabelecimentos de diversão noturna, Fernando Simón, diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanotárias, garantiu ao El País que "a diversão noturna é o que mais nos preocupa agora". E a presidente da Câmara de Barcelona, cidade onde o número de casos de covid-19 tem vindo a crescer de forma alarmante, já defendeu que "é preciso restringir as atividades da noite".

Um dos maiores problemas com os surtos ligados à vida noturna é a monitorização dos casos. Uma vez que "podem implicar pessoas de vários locais que gerem uma transmissão difusa por todos as zonas de onde vêm", alerta Fernando Simón, sublinhando o responsável espanhol que "As práticas de risco neste contexto são, além disso, muito maiores do que noutro tipo de grupo em que apareçam surtos". E deixou um apelo: "É preciso divertir-se mas é preciso fazê-lo com cuidado, de outra maneira".

Em Espanha os casos ligados à noite têm-se multiplicado. Primeiro numa discoteca em Córdoba, mas também contágios numa festa de fim de curso em Zarautz, duas dezenas de adolescentes estão sob observação em Caspe, perto de Saragoça, além de ter havido surtos em Valência e Múrcia.

Alguns países e algumas regiões já tomaram medidas, limitando os horários dos estabelecimentos como bares e discotecas.. O governo da Catalunha proibiu este fim de semana a diversão noturna em 13 municípios de Barcelona. Em França, as discotecas continuam fechadas, uma medida que foi prolongada no início deste mês. No Reino Unido, a reabertura dos pubs levou milhares e milhares de pessoas às ruas, obrigando a polícia a intervir e a alertar que "os bêbados não conseguem manter o distanciamento social" Em Portugal, por exemplo, na região de Lisboa as discotecas continuam encerradas e a venda de álcool é proibida a partir das 20:00.

Apesar de quando se pensa em noite se pensar logo em jovens, os especialistas garantem que estes não são necessariamente o mais preocupante. Ao El País, Miguel Hernán, catedrático de Epidemiologia da Universidade de Harvard, explicou: "Não se tratar de culpas ninguém, mas sim de encontrar focos onde a transmissão é mais provável neste momento". E recorda que se são sobretudo os jovens a frequentar estes locais de diversão noturna, estes depois vão levar o vírus para o seu ambiente, inclusive o familiar. "Pode levar o vírus ao avô. É improvável que o jovem sofra consequências graves, mas uma pessoa mais velha pode morrer de covid", explica.

Super-disseminadores

No início do mês Abraar Karan, médico especialista em saúde pública da Harvard Medical School, chamava a atenção na BBC para o que ele chamava de eventos "super-disseminadores" (superspreaders) pelo alto risco de contágio que implicam: festas de aniversário ou noitadas num bar, por exemplo

Num evento super-disseminador, o número de infeções transmitidas será desproporcionalmente alto em comparação com a transmissão geral, diz Karan. Além disso, esse risco pode ainda aumentar na presença de pessoas "super-disseminadoras", que transmitem sua infeção mais amplamente, por estarem em contacto com mais pessoas ou por emitirem mais vírus.

"Costumo pensar assim: a grande maioria das pessoas pode não infetar outras pessoas, e algumas pessoas em certas situações infetam muitas pessoas", explica o médico. "Uma pessoa pode infetar 10 pessoas, ou 15 pessoas ou 20 pessoas."

Karan diz que ainda estão a ser feitos estudos, mas os primeiros resultados indicam que a disseminação do coronavírus é causada principalmente por este tipo de eventos - onde 20% das pessoas representam 80% da disseminação.

Este especialista diz que existem certos fatores que devem acender um sinal vermelho: "Se tiver algumas dos seguintes características combinadas: ambientes fechados, lotados, sem nenhum tipo de equipamento de proteção individual, como máscaras, ou tendo máscaras mas retirando-as para comer - acho que são eventos de alto risco", diz.

Tudo características que correspondem à maior parte dos estabelecimentos de diversão noturna.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt