"A morte do livro já foi anunciada demasiadas vezes para ser levada a sério"

O autarca Fernando Medina abriu a Feira do Livro de Lisboa e desdramatiza a crise no setor dos livros. Nada que alguns livreiros mais pequenos não concordem, mesmo que não o digam em voz alta.
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Faltava meia hora para a abertura da 89ª Feira do Livro de Lisboa e a organização pedia pelos altifalantes "Favor retirar as viaturas do recinto", nada que impedisse muitos leitores de já andarem a passear pelas duas alas do parque Eduardo VII e em alguns stands a máquina registadora estar a funcionar. Passada essa meia hora, chegaram as autoridades e após três discursos estava aberta mais uma Feira do Livro na capital.

Tanto a ministra da Cultura como o autarca de Lisboa confessaram nos seus discursos que iriam de seguida dar a tradicional volta pela Feira. Graça Fonseca prometeu que voltaria para fazer as suas compras, mas Fernando Medina não perdeu a oportunidade e adquiriu um livro de História, As Cinco Grandes Revoluções da História de Portugal, e vistoriou outros sobre a Guerra Civil espanhola.

A primeira visita dos governantes ao recinto decorreu com mais calma porque, antecipou Medina a brincar, "o Presidente Marcelo está fora e só vem à Feira na sexta-feira. Portanto, hoje teremos mais calma e não seremos empurrados pela torrente de selfies habitual." Foi verdade, mesmo que uma banda Dixieland nunca os largasse e chamasse à atenção para a presença de autoridades e editores que cortavam as fitas da nova Feira do Livro de Lisboa em cada stand por onde passavam. ,

A crise do setor foi o tema principal dos discursos e o presidente da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), João Alvim, deu o tom: "Depois da quebra da procura do livro estamos estabilizados [no setor], mas não se recuperou a anterior situação. A médio e longo prazo a situação também é preocupante devido à iliteracia."

Como a ministra da Cultura estava mesmo ao lado não evitou dar um recado direto: "É preciso aumentar o investimento no desenvolvimento da capacidade de ler desde cedo." Graça Fonseca preferiu elogiar a Feira como um "momento-chave da cidade e da leitura" e, talvez em jeito de resposta ao repto anterior, referiu que foi na Feira que construiu memórias a partir dos livros e dos autores" quando "vinha com os meu pais à Feira". Apontou a Feira do Livro como uma dos poucos eventos que sempre se manteve ao longo de mais de oito décadas na cidade e definiu a "leitura como forma participativa de cidadania". Não esqueceu a mensagem política: "Para o Governo as políticas do livro são importantes - isto não é conversa de circunstância!"

Fernando Medina falou desta 89ª edição mas piscou o olho à próxima, a 90ª, que vai acontecer em 2020 quando Lisboa é a Capital Verde da Europa. Comentou a crise do livro em contraciclo: "Quando se vai à Feira vê-se que é tudo ao contrário tantas são as pessoas." Para que não fiquem dúvidas, acrescenta: "A morte do livro já foi anunciada demasiadas vezes para ser levada a sério." E insiste: "Esta Feira mostra vitalidade do setor e na relação dos leitores com o livro."

O primeiro de muitos dias de sol

O grande temor de quem está a trabalhar na Feira são os dias de chuva, mas este ano as previsões são de bom tempo. Talvez, até bom tempo demais, tanto que as espreguiçadeiras já estão espalhadas pela relva para quem quiser tomar banho de sol enquanto a busca de sombras é notória por parte dos leitores.

Ainda a cerimónia não terminara e os stands tinham declarado a sua própria abertura, começando a vender o que está em exposição. E são muitos milhares de livros que se espalham pela maior quantidade de pavilhões desde que a Feira existe.

No pavilhão onde estão os editores independentes está um cartaz que diz "Com um livro nunca se está só" e os leitores que já tinha feito compras e aproveitaram para almoçar no parque Eduardo VII já davam mostras disso, sentadas a comer e a ler.

Quanto às perspetivas de vendas, no stand da Letra Livre, Eduardo Sousa, um dos sócios desta editora, livraria e alfarrabista, considera que "não tem havido grande variação nas vendas na Feira. Podem dizer todos os que há mais visitantes mas se for idêntico aos últimos anos já é bom." O que é impossível evitar é "a inversão na fuga dos leitores, mas esse não é problema português e tem várias origens: novas tecnologias, outros hábitos de leitura das novas gerações, o preço dos livros perante baixos salários e a inexistência de grandes leitores. Mas os livros estão aí e são aos milhares, portanto não vai ser tão catastrófico como na música. Há sempre quem tenha interesse no livro."

A Feira do Livro de Lisboa decorre até dia 16 de junho e terá mais de 1300 momentos animação promovidos pelas editoras.

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